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Nobel da Paz quer "violação enquanto método de guerra" criminalizada

O Prémio Nobel da Paz congolês, Denis Mukwege, apelou ontem à ajuda dos deputados franceses na constituição de uma convenção internacional que criminalize a violação sexual enquanto "método de guerra, que deve ser proscrito dos conflitos armados".

Nobel da Paz quer "violação enquanto método de guerra" criminalizada
Notícias ao Minuto

21:31 - 12/01/22 por Lusa

Mundo Denis Mukwege

"Não há no plano normativo [internacional] uma convenção como a da fome como método de guerra. Não há uma convenção que estipule que a violação sexual é um método de guerra e que esse método deve ser criminalizado e proscrito dos conflitos armados", afirmou o ginecologista e cirurgião, fundador do hospital Panzi, no Kivu do Sul, no leste da República Democrática do Congo (RDCongo) numa conferência que decorreu hoje no parlamento francês.

A França, enquanto membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas e pela sua posição no quadro da União Europeia (UE) "pode ajudar a resolver este vazio legislativo e apoiar, desta forma, a causa da defesa das mulheres em todo o mundo", afirmou o Nobel da Paz de 2018.

"As violações sexuais em contexto de conflito têm que ser reconhecidas enquanto crime guerra, enquanto crime contra a humanidade, podem mesmo constitui-se como um ato de genocídio", afirmou Mukwege, que apresentou um longo e chocante relato da sua experiência na RDCongo.

"O maior problema no combate a este crime é o seu não reconhecimento enquanto crime", sublinhou.

Outro dos "pedidos" que o médico ativista fez aos deputados franceses foi o de enveredarem esforços no sentido de levar a UE a "dar seguimento" à legislação aprovada em 2021 relativa à monitorização do trânsito dos minerais extraídos de zonas de conflito, em que a RDCongo é apenas um dos palcos mais dramáticos em todo o mundo.

Mas no seu país, em concreto, o que acontece "é uma guerra económica", afirmou Mukwege, que "implica" qualquer pessoa que em qualquer parte do mundo utilize um aparelho eletrónico.

"A guerra que deflagrou na RDCongo é uma guerra económica", declarou. "Todos os nossos telemóveis, computadores portáteis, todos os produtos eletrónicos dependem absolutamente de dois produtos, o coltan e o cobalto", minerais raros que se encontram na RDCongo. "E a guerra acontece em volta destas minas de coltan, procurado por causa da sua condutibilidade, mas também de cobalto, utilizado nas baterias", descreveu o médico.

"Conseguimos que a União Europeia aprovasse no ano passado a lei de monitorização do trânsito dos minerais de conflito, mas penso que hoje podemos pedir a países como a França e aos países membros União Europeia para serem consequentes com essa lei", disse.

O médico acusou que "as multinacionais que exploram e utilizam estes minerais se servem, por vezes, de caminhos complicados, que passam muitas vezes pela Ásia, antes de chegarem à Europa".

Por outro, deixou ainda no ar ter a "sensação de que há convenções que estão a ser assinadas entre Estados para contornar esta lei com o objetivo de branquear o percurso desses minerais antes de chegarem à Europa".

Mukwege apelou à França e aos poderes na ONU para "desenterrarem", tirarem da gaveta o "Mapping Report", o relatório das Nações Unidas de mapeamento das atrocidades cometidas na RDCongo na guerra entre março de 1993 e junho de 2003, por forma a conduzir perante a justiça os autores dos crimes aí descritos, nomeadamente aqueles perpetrados contra as mulheres.

"Mulheres violadas e obrigadas a desfilar nuas na comunidade, em seguida empaladas, atiradas para buracos aos gritos e enterradas vivas. Isto aconteceu. Está documentado no 'Mapping Report' e o mundo fecha os olhos", disse aos deputados franceses.

"Deixa-nos siderados que o mundo seja informado deste tipo de situações e não reaja. Não acredito que seja porque se trata de mulheres. Creio que há interesses geoestratégicos que fazem com que se ignorem atos como estes, mas nenhum interesse geoestratégico pode permitir que deixemos em posições de comando de tropas, polícia ou em postos políticos num qualquer país gente que enterrou mulheres vivas", afirmou.

Embora sem se referir expressamente ao seu país, deixou críticas neste domínio ao anterior Presidente, Joseph Kabila, assim como ao atual, Felix Tshisekedi.

"Exigimos que este relatório, feito por mais de 100 especialistas das Nações Unidas, de forma séria e com métodos escrutinados, seja desenterrado, seja retirado da gaveta onde se encontra nas Nações Unidas e possa levar a interrogatório os autores desses atos ignóbeis", declarou Denis Mukwege.

Segundo o médico, a violência sexual é utilizada como uma estratégia de terror, com frequência, de forma massiva, metódica e sistemática. É também "cometida em público". "Os grupos armados que praticam as violações sexuais procuram exatamente que as famílias e a comunidade assistam a estes atos ignóbeis contra as mulheres", frisou.

Finalmente, são praticadas de forma metódica e sistemática. "Os grupos armados que cometem violações sexuais fazem-no sempre da mesma maneira. Quando hoje ouço uma queixa de violação consigo logo identificar o grupo que a praticou. Há grupos que, depois das violações, destroem o aparelho genital das mulheres, outros queimam, outros usam produtos cáusticos para destruir o aparelho genital das mulheres, e outros ainda violam apenas as crianças", ilustrou o médico.

"Publiquei um estudo em que dei conta de que mais de 3.000 crianças foram violadas [na RDCongo], 200 das quais com menos de 5 anos, que ficaram com lesões genitais graves. Estes, os mais novos, todos eles foram violados por um grupo armado específico. Portanto, há um método para a violação, mas também para a tortura das mulheres violadas", descreveu o Prémio Nobel.

"São também sistemáticas e não têm em consideração a idade das pessoas violadas. A menina mais jovem que tratei tinha 6 meses. E quando temos um bebé de 6 meses destruído nos braços... Enquanto pai, enquanto avô, mesmo como médico, acho que foi a primeira vez que senti que o meu lugar não era no bloco operatório", confessou.

Leia Também: Comité do Nobel denuncia "julgamento político" contra Suu Kyi

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