Sudão: Comités de resistência rejeitam plano de conversações da ONU
Uma ativista dos comités de resistência do Sudão, que têm convocado protestos contra o golpe de Estado, diz que os manifestantes rejeitam a iniciativa das Nações Unidas de lançar um "processo político intra-sudanês" para resolver a crise política.
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Em declarações à Lusa por telefone a partir de Cartum, Gihan Eltahir disse que os manifestantes que têm saído às ruas desde o golpe de Estado de 25 de outubro têm enviado "uma mensagem clara à comunidade internacional e à ONU": "Não é isso que os sudaneses querem, é exatamente o oposto do que a rua quer".
O chefe da missão da Organização das Nações Unidas (ONU) no Sudão, Volker Perthes, anunciou no sábado o lançamento de um "processo político intra-sudanês" para resolver a crise na transição democrática no país.
Em conferência de imprensa hoje, Perthes explicou que o processo de "discussões indiretas" vai começar com reuniões "individuais" entre a ONU e as partes sudanesas para "ajudar os sudaneses a alcançar um acordo sobre uma saída para a crise.
No entanto, segundo Gihan Eltahir, os manifestantes querem "os militares fora de cena e ponto".
"Temos expressado isto várias vezes e esta manifestação nunca parou desde o golpe de 25 de outubro", sublinhou a ativista.
Segundo Elthair, esta não é a primeira vez que a rua discorda das posições do representante da ONU no país, recordando que Volker Perthes apoiou o acordo entre o primeiro-ministro deposto no golpe de Estado, Abdalla Hamdok, e os militares, acordo esse que nunca foi aceite pelos manifestantes.
O Sudão vive um impasse político desde o golpe militar de 25 de outubro de 2021, que ocorreu dois anos após uma revolta popular, protagonizada já então pelos comités de resistência, para remover o autocrata Omar al-Bashir e o seu Governo islamita em abril de 2019.
Sob pressão internacional, os militares reinstalaram em novembro o primeiro-ministro deposto no golpe, Abdalla Hamdok, para liderar um Governo tecnocrata, mas o acordo não envolveu o movimento pró-democracia por detrás do derrube de Al-Bashir.
Desde então, Hamdok não conseguiu formar Governo perante protestos incessantes, não só contra o golpe de Estado, mas também contra o seu acordo com os militares e acabou por se demitir em 02 de janeiro.
Para Eltahir, a proposta do representante da ONU no Sudão é comparável à política de apaziguamento na II Guerra Mundial: "No passado a comunidade internacional tentou chegar a acordo com Hitler (...) e isso acabou no pior crime da história", sublinhou.
A ativista disse que não se pode confiar nos militares cumprirem acordos, porque eles já quebraram acordos antes "e isso teve um preço elevado", nomeadamente os 60 mortos que a repressão dos protestos dos sudaneses fez desde o golpe de Estado.
"Se se entra em negociações com assassinos, o que eles vão fazer é continuar a matar (...) e a comunidade internacional tem de perceber isso", reiterou.
Os comités de resistência exigem que a comunidade internacional aumente a pressão sobre os militares e sobre os países que os apoiam de forma a pôr fim ao regime no poder e defendem a iniciativa do senador norte-americano Chris Coons, que propôs a imposição de sanções aos militares responsáveis por obstruírem o processo democrático sudanês.
Além dos comités de resistência, outras partes civis reagiram com pouco entusiasmo ao anúncio de Perthes.
"Estamos prontos a participar nas conversações, na condição de que o objetivo seja retomar a transição democrática e suprimir o regime do golpe de Estado, mas estamos contra se estas negociações visarem legitimar o regime", disse à France-Presse um porta-voz das Forças da Liberdade e Mudança, coligação de grupos civis e rebeldes, incluindo a Associação de Profissionais Sudaneses, Iniciativa Não à Opressão contra as Mulheres, e os comités de resistência sudaneses que em 2019 ajudaram a derrubar Al-Bashir.
No domingo, a Associação de Profissionais Sudaneses declarou que "rejeita completamente" essas negociações, noticiou também a agência francesa.
O representante da ONU disse que não teve "qualquer objeção" da parte dos militares por detrás do golpe de Estado.
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