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Turquia adotou "retórica nacionalista" e novo multilateralismo

O académico turco Husseyin Bagci considerou hoje que a Turquia alterou a sua "retórica islâmica" para uma "retórica nacionalista", com o seu multilateralismo a concentrar-se na região da Ásia central e Cáucaso em detrimento do Médio Oriente.

Turquia adotou "retórica nacionalista" e novo multilateralismo
Notícias ao Minuto

21:45 - 24/11/21 por Lusa

Mundo Turquia

"A retórica da Turquia alterou-se, e da inicial retórica islâmica temos agora uma retórica mais nacionalista", assinalou Husseyin Bagci, diretor do Departamento de Relações Internacionais da Faculdade de Economia e Ciências Administrativas da Middle East Technical Universtiy (METU) em Ancara, e que hoje participou num dos painéis da IV Conferência Internacional promovida pelo Observare, o centro de estudos em Relações Internacionais da Universidade Autónoma de Lisboa.

"Agora, a Turquia está a tentar contribuir para esses países através da educação, relações económicas, e tem uma estratégia política e económica para essa parte do mundo", indicou numa referência aos países turcófonos da Ásia Central e ao Azerbaijão, todas ex-repúblicas soviéticas.

Na perspetiva do investigador, que interveio por via digital a partir de Ancara, a Rússia também possui óbvios interesses geopolíticos e permanece muito atenta às iniciativas da Turquia, e também da China, nessa vasta região.

"A Rússia e a China têm agora o 'bloco' do Estado turco entre elas, não numa perspetiva militar, nem a um nível económico como sucede com os países da ASEAN [Associação das Nações do Sudeste Asiático], mas neste caso o multilateralismo turco pode ser muito bem-sucedido", disse.

No entanto, e no início da sua intervenção, Husseyin Bagci começou por admitir o que designou por "erosão do multilateralismo", considerado "um dos maiores riscos num mundo onde hoje existem mais Estados-nações e que se tornou mais complexo", antes de recorrer a vários exemplos para recordar que EUA e a China são dois importantes países com abordagens diferentes face ao multilateralismo.

"O balanço de poder registava-se no século XIX quando existiam diversos impérios - russo, otomano, austro-húngaro. De momento não existe balanço de poder entre potências, ou grandes potências, à exceção talvez de três países, Rússia, China e Estados Unidos", indicou.

Neste contexto, considerou que a Turquia do Presidente Recep Tayyip Erdogan se tem posicionado "de forma equidistante" face a estes três grandes poderes internacionais, e sem esquecer a União Europeia com quem Ancara mantém relações instáveis.

"Estes três poderes estão todos na parte norte do mundo, a parte sul do mundo não tem grandes potências. E isso é importante devido às críticas que consideram as Nações Unidas dominadas por poucas potências, por cinco potências. O Presidente turco Recep Tayyip Erdogan tem criticado fortemente esta situação, referido que o mundo atual já não é comparável ao que surgiu após 1945", assinalou.

O académico e investigador admitiu que numa situação "pós-Covid-19" sejam possíveis mais discussões sobre a forma de moldar a ordem mundial, pelo facto de o atual modelo não responder aos principais problemas.

"Na ONU, na Conferência islâmica, em diversos organismos internacionais, a nível interno, Erdogan sempre criticou a estrutura das Nações Unidas, que não representa a maioria dos países", recordou, antes de enfatizar que "são os acontecimentos que definem as mudanças", tantas vezes imprevisíveis, como se verificou com a designada Primavera Árabe.

Num regresso ao multilateralismo turco, Husseyin Bagci também recorreu ao significado da presença da Turquia na NATO que ocorreu -- juntamente com a Grécia -- em 1952, há quase 70 anos.

"Hoje, a segurança europeia depende de quatro países não-europeus, que não pertencem à União Europeia, os Estados Unidos, o Reino Unido que abandonou a UE, a Turquia e a Rússia", referiu, sem deixar de espelhar algumas contradições internas: "A NATO considera que não é necessária a duplicação da segurança europeia, e quer assumir-se como a estrutura estratégica da segurança europeia".

Na sua exposição, Husseyin Bagci faz ainda alusão ao processo de Astana, desencadeado em janeiro de 2017 pela Rússia e Irão, aliados do regime de Síria, e pela Turquia, apoiante de forças rebeldes sírias, mas definido como "um dos mais recentes e importantes projetos multilaterais".

Nessa perspetiva, e recorrendo às resoluções da ONU, considerou também "legítima a presença da Turquia na Síria", pelo facto de um país poder "adotar" medidas caso exista uma "ameaça terrorista".

Uma "cooperação" entre Moscovo e Ancara que o académico estendeu até ao recente conflito entre a Arménia e o Azerbaijão em torno do enclave do Nagorno-Karabakh, e quando os dois países optaram por atuar "numa perspetiva de consenso político", apesar da persistência de uma elevada tensão.

A situação no Mediterrâneo oriental e o contencioso entre a Turquia e diversos países da área (em particular Grécia Chipre, Israel e Egito) foi outro tema assinalado pelo professor universitário turco, que também denotou uma "revitalização" em toda essa área.

"Hoje, o ministro dos Negócios Estrangeiros dos Emirados Árabes Unidos deslocou-se à Turquia, a primeira visita em nove anos, e assiste-se a uma revitalização em toda essa área", assegurou, num processo que englobará os restantes países da zona, incluindo a Líbia, e na sequência do contestado acordo marítimo entre a Turquia e o ex-Governo de Acordo Nacional liderado por Fayez al-Saraj em novembro de 2019.

"Em 24 de dezembro vão decorrer eleições na Líbia e em definitivo a Turquia não desempenha uma função decisiva, mas é importante nesse país. E na minha perspetiva não é apenas a única responsável pela turbulência na área, porque existem muitos outros", asseverou.

Pela sua situação geopolítica, e a sua particular perspetiva multilateralista, a Turquia também tem mantido contactos regulares com os talibãs, após a sua tomada do poder no Afeganistão em Agosto, e com o vizinho Paquistão, uma abordagem que "ainda não é muito bem compreendia" a nível externo.

"Mas estou seguro de que nas próximas semanas e meses" as posições turcas "terão outro valor, a nível diplomático, político, militar e económico. É um outro nível do multilateralismo turco".

Perante este panorama, e apesar dos "múltiplos desafios" enfrentados pelo multilateralismo turco, Husseyin Bagci concluiu com uma ambição: "tivemos falhanços e sucessos, mas espero que se tenham extraído lições de todos estes erros em particular no Médio Oriente e que se torne num fator multilateral mais positivo da política externa da Turquia".

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