Dez anos após a morte de Kadhafi, a Líbia ainda procura estabilidade
Dez anos depois da morte de Muammar Kadhafi e da Líbia ter mergulhado no caos, o país continua a lutar para conseguir uma transição para a democracia e os desacordos entre campos rivais ameaçam sabotar as presidenciais de dezembro.
© Getty Images
Mundo Líbia
Cumprem-se 10 anos na quarta-feira que o "Guia" Kadhafi, perseguido até ao seu feudo em Sirte (norte, a 360 quilómetros da capital líbia), foi linchado por combatentes antes de ser executado, a 20 de outubro de 2011, e o seu corpo exposto num mercado.
Segundo a sua própria lenda, Muammar Kadhafi nasceu numa tenda beduína no deserto de Sirte, a 07 de junho de 1942, recebeu educação religiosa e entrou no exército em 1965.
Aos 27 anos, liderou um golpe que derrubou o rei Idris em setembro de 1969, sem derramamento de sangue, e em 1977 proclamou a "Jamahiriya", "um Estado de massas" que governava através de comités populares eleitos. No seu "Livro Verde" preconiza uma democracia direta, conjugando socialismo e pensamento islâmico.
De estilo imprevisível, usando ora vestes tradicionais ora uniformes militares, gostava de receber na sua tenda, rodeado de mulheres soldados, as suas amazonas.
Foi acusado de "terrorismo" e tornou-se o principal inimigo dos ocidentais.
A capital líbia foi bombardeada pelos Estados Unidos em abril de 1986 e o país foi alvo de vários embargos depois de um atentado contra um avião norte-americano que sobrevoava Lockerbie, na Escócia (270 mortos em 1988) e um avião francês no Níger (170 mortos em 1989). Tripoli reconheceu responsabilidade e pagou indemnizações às famílias das vítimas.
Em 2003, a Líbia anunciou o desmantelamento dos seus programas secretos de armamento e nos anos seguintes Kadhafi começou a ser recebido de 'braços abertos' em capitais ocidentais como Paris e Roma.
Após 42 anos de governo autoritário, Kadhafi foi levado pelos "ventos" da Primavera Árabe aos 69 anos. Uma polémica intervenção internacional sob a égide da NATO contribuiu para a sua queda.
Mas longe de responder às aspirações dos manifestantes, a intervenção leva o país do norte de África a mergulhar numa espiral de violência e divisões internas, alimentadas pela interferência estrangeira.
Após anos de confrontos, um governo de transição foi estabelecido em março, sob os auspícios da ONU, para conduzir a Líbia a eleições presidenciais marcadas para 24 de dezembro.
"A situação melhorou claramente. O cessar-fogo acordado em outubro de 2020 continua em vigor e o Governo de Unidade Nacional (GUN) firma-se como único governo líbio", declara o investigador Hamish Kinnear, do instituto Verisk Maplecroft, à agência France-Presse.
No entanto, Kinnear adianta que "os próximos seis meses dirão (...) se se trata de um progresso real em direção a uma solução política".
Para o universitário líbio Mahmud Khalfallah, a votação por si só "não é suficiente para se conseguir uma solução definitiva".
"O país não tem experiência e o caminho para a mudança é longo", considera, enumerando as condições para pacificar ao Líbia: "fim das ingerências, maturidade dos eleitores na escolha dos seus representantes longe de qualquer tribalismo ou regionalismo, aceitação dos resultados por todos".
E as divisões continuam em alta, como mostrou a recente polémica sobre uma lei que rege o escrutínio presidencial, feita sob medida para permitir a candidatura do homem forte do Leste, o marechal Khalifa Haftar, segundo a AFP.
O texto, ratificado pelo parlamento em Tobruk (leste), foi rejeitado pelo Alto Conselho de Estado, o equivalente a um Senado, sediado em Tripoli (oeste).
Para a comunidade internacional, a prioridade é a realização de eleições, apesar das falhas do processo político.
Os líbios, por seu turno, aspiram a "uma vida melhor e à estabilidade através das eleições", considera o analista líbio Ahmed el-Rachrach.
O reinado de Kadhafi foi marcado sobretudo por uma repressão implacável a qualquer sinal de protesto, mas os líbios desfrutaram de uma certa prosperidade graças ao maná petrolífero. Nos anos 2000, o produto interno bruto (PIB) por habitante era o mais elevado do continente.
A guerra trouxe, além da morte e da destruição de infraestruturas, os crónicos cortes de energia e a inflação.
Em Tripoli, uma década de caos "afetou a vida dos líbios psicológica e economicamente", diz Issam el-Mejri, empresário que espera ver o futuro governo "desarmar" as milícias" e "lutar contra a inflação".
Faraj Najib, comerciante em Benghazi (leste), berço da revolta de 2011, quer manter-se otimista: "as eleições são um raio de esperança para os líbios que empobreceram de forma significativa".
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