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Repressão de argelinos. Emmanuel Macron denuncia "crimes indesculpáveis"

O Presidente francês Emmanuel Macron denunciou hoje os "crimes indesculpáveis para a República" por ocasião de uma cerimónia oficial que assinalou os 60 anos da sangrenta repressão de manifestantes argelinos em 17 de outubro de 1961 em Paris.

Repressão de argelinos. Emmanuel Macron denuncia "crimes indesculpáveis"
Notícias ao Minuto

20:43 - 16/10/21 por Lusa

Mundo França

As declarações inserem-se numa iniciativa iniciada por Macron e que pretende serenar as memórias sobre a guerra da Argélia e tentar reconciliar os dois países. As relações entre a França e a Argélia permanecem assoladas por este violento conflito que opôs o Estado francês aos independentistas argelinos da Frente de Libertação Nacional (FLN) ente 1954 e 1962.

Perante familiares das vítimas, por vezes em lágrimas, Macron participou -- um gesto inédito para um Presidente francês -- numa homenagem nas margens do Sena, junto à ponte de Bezons, por onde desfilaram há 60 anos os manifestantes argelinos provenientes do subúrbio degradado de Nanterre após um apelo do ramo da FLN instalado em França.

Nessa noite, uma repressão -- "brutal, violenta, sangrenta", segundo as palavras do Presidente -- abateu-se sobre os manifestantes que protestavam contra a proibição imposta aos imigrantes argelinos de saírem das suas casas após as 20:30, refere a agência noticiosa AFP.

"Cerca de 12.000 argelinos foram presos e transferidos para centros de triagem no estado de Coubertin, para o Palácio dos Desportos e outros locais. Além de numerosos feridos, algumas dezenas foram mortos e os seus corpos despejados no Sena", reconheceu hoje pela primeira vez a Presidência francesa, em comunicado. Até ao momento, o balanço oficial apenas se referia a três vítimas.

"Numerosas famílias nunca mais encontraram os corpos dos seus próximos", sublinhou ainda o comunicado do Eliseu.

Em 2012, o ex-Presidente François Hollande tinha denunciado uma "repressão sangrenta". Hoje, o seu sucessor foi mais longe, sem fazer um discurso, mas através do comunicado emitido pela presidência. O chefe de Estado, refere o texto, "reconheceu os factos: os crimes cometidos nessa noite sob a autoridade de Maurice Papon são indesculpáveis para a República", numa referência ao então responsável pela polícia de Paris.

A evocação de Maurice Papon com único responsável de uma "tragédia durante muito tempo silenciada, negada ou ocultada" motivou críticas de diversos responsáveis de associações, como Mehdi Lallaoui, presidente da "Em nome da memória".

"É uma ocasião perdida, muito longe daquilo que esperávamos. Os assassinos não foram designados. Apenas Maurice Papon. É insuportável permanecer nesta negação, que não se possa designar a polícia parisiense e que não se posa citar Michel Debré, primeiro-ministro à época, ou o general De Gaulle", disse, citado pela AFP.

"A palavra polícia não surge no comunicado", assinalou, por sua vez, o historiador Emmanuel Blanchard, ao sublinhar que "esta repressão não pode ser simplesmente entendida como a consequência do sistema Papon".

Mimouna Hadjam, porta-voz da associação Africa93, referiu que Papon não atuou sozinho: "Torturaram, massacraram no coração de Paris, eles estavam ao corrente".

No campo político, enquanto a esquerda exigiu o reconhecimento de um "crime de Estado" - reivindicação de uma manifestação prevista para domingo em Paris -, a chefe da extrema-direita, Marine Le Pen, criticou estes "remorsos repetidos de forma insustentável". Eric Ciotti, deputado dos Les Républicans (direita), fustigou em paralelo "a propaganda vitimizadora antifrancesa do Presidente Macron".

Esta atitude, a seis meses das eleições presidenciais, assinala uma nova fase na batalha em torno da memória conduzida por Macron. "Houve Maurice Audin, Ali Boumendjel, o perdão aos harkis... Avançámos mais em seis meses do que em 60 anos", assegurou, por seu turno, o historiador Benjamin Stora, que em janeiro entregou ao chefe de Estado um relatório encomendado pelo Eliseu sobre a colonização e a guerra da Argélia (1954-1962).

Nessa ocasião, Macron comprometeu-se a participar "em três jornadas comemorativas": a primeira decorreu em setembro por ocasião do dia nacional de homenagem ao Harkis (os argelinos que combateram pelo exército francês, com milhares mortos pelo regime argelino pós-colonial), a segunda ocorreu hoje e a terceira está prevista para março de 2021, pelos 60 anos dos Acordos de Evian, que puseram termo à Guerra da Argélia.

Estas cerimónias decorreram num contexto de tensões entre Paris e Argel, após declarações de Macron divulgadas pelo diário Le Monde em que acusou o sistema "político-militar" argelino de tentar obter um "benefício memorial" ao apresentar ao seu povo uma "história oficial" que "não se apoia nas verdades".

No Eliseu, assegura-se que o chefe de Estado pretende sobretudo "olhar a História de frente", como o fez no Ruanda ao reconhecer as "responsabilidades" da França no genocídio dos Tutsi em 1994.

Leia Também: França "ao lado" da Guiné na luta contra corrupção e tráfico de droga

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