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Srebrenica não foi um genocídio mas existiram crimes, diz Gideon Greif

Os acontecimentos de Srebrenica na fase final da guerra na Bósnia implicaram crimes mas não foram um genocídio, disse à Lusa o historiador israelita Gideon Greif que liderou a equipa de investigação responsável por um extenso relatório recentemente divulgado.

Srebrenica não foi um genocídio mas existiram crimes, diz Gideon Greif
Notícias ao Minuto

19:18 - 11/10/21 por Lusa

Mundo Historiador

"Como qualquer historiador dissidente, quero descobrir a verdade. A comissão esteve integrada por dez pessoas sérias, cada um deles conhecidos por serem peritos no seu campo, fizemos os possíveis para chegar à verdade. Foi o nosso objetivo e julgo que o efetuámos de forma muito profissional, decente, honesta", indicou o historiador, 70 anos, atualmente investigador na Ono Academic College, uma universidade privada na cidade de Kiryat Ono, distrito de Telavive.

O relatório de 1.200 páginas, elaborado pela 'Comissão Internacional de Inquérito independente sobre o sofrimento de todos os povos na região de Srebrenica entre 1992 e 1995' e divulgado em finais de julho, contradiz a deliberação do extinto Tribunal Penal Internacional para a ex-Jugoslávia (TPIJ) ou o Tribunal Internacional de Justiça, que definiram Srebrenica como um genocídio.

Em paralelo, diplomatas norte-americanos, diversos membros da ONU ou o Centro Memorial do Genocídio de Srebrenica acusaram esta comissão de pretender "reescrever a história".

"Chegámos às nossas conclusões e todos os dez membros assinaram as conclusões finais. Pessoas do Japão, dos Estados Unidos, Israel, Alemanha, Áustria, Sérvia, tudo pessoas honestas, e um trabalho sério", indicou, em defesa da sua tese.

"Concluímos que não houve genocídio, houve um crime, mas não um genocídio. É diferente. Acreditamos que o que sucedeu em Srebrenica nunca poderá ser definido como um genocídio", insistiu o académico, especializado na história do Holocausto, em particular sobre o campo de concentração de Auschwitz, e que publicou recentemente três volumes em torno do campo de concentração de Jasenovac, que funcionou entre 1941 e 1945 na Croácia durante o regime ustasha de Ante Pavelic, aliado do III Reich durante a Segunda Guerra Mundial.

"Devo enfatizar que se houve algo próximo de um genocídio na região de Srebrenica, foram pelo contrário os sérvios bósnios a serem sistematicamente atacados e mortos em centenas de povoações desde o início da guerra na Bósnia em 1992 pelos bosníacos [muçulmanos bósnios]. Isso estará mais próximo de um genocídio face ao que aconteceu em Srebrenica. Isso é referido no livro, essas ações estão próximas do genocídio porque o objetivo era eliminar totalmente a população sérvia. Em Srebrenica não houve essa intenção", precisou.

Esta comissão de peritos, que foi incentivada e apoiada pelas autoridades da Republika Srpska (RS, a entidade sérvia da Bósnia), também concluiu que o número de vítimas no decurso do assalto sérvio bósnio ao enclave de Srebrenica não ultrapassou as 3.700, e indicou que a maioria foram soldados, e não civis.

"Os detalhes estão no nosso relatório. Está muito longe dos 8.200 mortos que foram divulgados. Mesmo que fossem 15.000 mortos, teríamos escrito o mesmo. Ninguém nos forçou a escrever, ninguém nos pressionou, e quando chegámos a essa conclusão acreditámos nela. Talvez dentro de dez anos exista outra comissão e concluam por uma opinião diferente. Acreditamos no que escrevemos, pensamos que o relatório é objetivo, científico, sério e apenas baseado em factos, nada mais", frisou Gideon Greif, também diretor do Centro cultural sérvio-israelita na Universidade de Belgrado, na Sérvia, e que se encontra em Portugal para uma série de conferências.

Entre as suas diversas obras sobre o Holocausto, o seu livro 'Jasenovac, Auschwitz of the Balkans - Ustasha Empire of Cruelty' é um dos três trabalhos que publicou sobre este campo de concentração ustasha, para além de continuar a escrever sobre Auschwitz e preparar um novo livro sobre o campo de Majdanek, na Polónia.

"Há muito para investigar e publicar, e vou continuar a expor as atrocidades do regime ustasha croata baseado em numerosas fontes ainda não publicadas", prometeu.

O historiador israelita explica que a sua longa investigação sobre Jasenovac se deve ao facto de ser muito um acontecimento muito pouco conhecido.

"Se perguntar a alguém na rua o que foi Jasenovac, olham para mim como se viesse de Marte ou Júpiter. Tenho a tendência para publicar sobre campos e atrocidades ainda desconhecidos para muita gente, é parte da nossa história e deve ser conhecido", justificou.

A "extrema crueldade" praticada em Jasenovac foi outro dos motivos que o levou a privilegiar este tema, também por uma "obrigação moral", como sustentou.

"Mesmo os membros das SS alemãs que visitavam o campo queixavam-se a Berlim que aquilo que viam ultrapassava a imaginação, era tão cruel que alguém devia travar os ustasha croatas".

O historiador recorre ao seu livro já citado para indicar que os croatas ustashas "desenvolveram 57, ou mais, métodos de morte. Gostavam de torturar, causar dor às pessoas de forma bárbara. As pessoas pensam que se for escondida debaixo do tapete, ninguém a descobrirá. Mas no fim, a verdade surge", frisou, para recordar que nesse campo de extermínio foram mortos centenas de milhares de sérvios, dezenas de milhares de judeus, e ainda milhares de rom (ciganos) e muitas outras pessoas", incluindo anti-fascistas e partisans, os membros da guerrilha comunista que tomará o poder e fundará a Jugoslávia socialista.

"Sinto ter uma obrigação moral de ser o eco dos mortos e torturados, falar por eles. E ainda há muito por descobrir. O período de 1933 a 1945 é muito pouco em termos de tempo histórico, mas nesses 12 anos foram cometidos inúmeros crimes e ainda existem muitos temas que devem ser investigados e publicados. Há milhares de livros sobre este tema, mas não são suficientes", concluiu.

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