Abdulrazak Gurnah pede à Europa que mude a visão sobre refugiados
O escritor tanzaniano Abdulrazak Gurnah, hoje distinguido com o Prémio Nobel da Literatura, apelou à Europa para mudar a sua visão sobre os refugiados de África e a crise migratória.
© Getty
Mundo Nobel
"Muitas destas pessoas que vêm, vêm por necessidade, e também, francamente, porque têm algo para dar. Não vêm de mãos vazias", disse o escritor, em entrevista à Fundação Nobel, sublinhando que são "pessoas talentosas e enérgicas".
Se a Academia o coloca na tradição literária em língua inglesa sob o patrocínio de Shakespeare e V.S. Naipaul, "deve ser sublinhado que ele rompe conscientemente com a convenção, derrubando a perspetiva colonial para enfatizar a das populações locais", de acordo com o júri do Nobel.
O seu trabalho afasta-se das "descrições estereotipadas e abre os olhos para uma África Oriental culturalmente diversa e pouco conhecida em muitas partes do mundo", explicou.
Até à sua recente reforma, foi professor de literatura inglesa e pós-colonial na Universidade de Kent, no Reino Unido, sendo um conhecedor do trabalho do Prémio Nobel nigeriano Wole Soyinka e do de Ngugi wa Thiong'o, do Quénia, apontado como um dos favoritos para o Nobel este ano.
Abdulrazak Gurnah é também o primeiro autor africano negro a receber o prémio literário de maior prestígio desde Soyinka, em 1986.
A notícia do prémio foi recebida com surpresa e muitos críticos e editores confessaram não conhecer o escritor, que não figurava sequer na lista das casas de apostas.
Também o seu editor na Suécia, Henrik Celander, confessou à imprensa que nunca imaginou que ele iria ganhar o "Santo Graal" literário.
De surpresa foi também apanhado o próprio Abdulrazak Gurnah, quando a Academia Sueca o contactou: "Pensei que era uma piada".
O Prémio Nobel da Literatura, frequentemente criticado pelo seu eurocentrismo, tem procurado alargar os horizontes geográficos desde 2019, embora o presidente do comité Nobel, Anders Olsson, tenha tido o cuidado de reafirmar, no início da semana, que o "mérito literário" continuava a ser "o critério absoluto e único".
Ao atribuir o prémio a um autor cuja obra está largamente centrada em questões coloniais e pós-coloniais, e no tema da emigração, o Prémio Nobel está a consagrar temas muito atuais.
A verdade é que, historicamente, o prémio é muito ocidental, já que dos 117 laureados anteriores, 95 (mais de 80%) foram europeus ou norte-americanos.
Abdulrazak Gurnah, nascido em Zanzibar, mas exilado no Reino Unido há meio século, foi hoje distinguido com o Prémio Nobel da Literatura pelas suas histórias sobre a era colonial e pós-colonial na África Oriental e o difícil destino dos refugiados apanhados entre dois mundos.
O escritor, mais conhecido pelos seus romances "Paradise" (1994) e "Junto ao Mar" (o único editado em Portugal), foi premiado pelo seu "relato empático e intransigente dos efeitos do colonialismo e do destino dos refugiados apanhados entre culturas e continentes", de acordo com a Academia Sueca que atribui o prémio.
Com origens familiares na Península Arábica, fugiu de Zanzibar, um arquipélago no Oceano Índico, para Inglaterra no final dos anos 1960, depois de o antigo protetorado britânico ter conquistado a independência e se ter juntado à Tanganica para formar a Tanzânia, numa altura em que a minoria árabe era perseguida.
Gurnah só regressou a Zanzibar em 1984, pouco antes da morte do seu pai.
Embora escreva desde os seus 21 anos, Abdulrazak Gurnah publicou dez romances desde 1987, bem como contos curtos..
O autor escreve em inglês, embora a sua primeira língua seja o suaíli.
Instituído em 1901, o Prémio Nobel da Literatura distinguiu até à data 118 escritores, dos quais, 102 homens e 16 mulheres.
No ano passado, a poetisa americana Louise Glück recebeu o prémio pela sua obra de "beleza austera".
Depois das distinções nas áreas de ciências no início da semana, a época Nobel continua na sexta-feira em Oslo, com o anúncio do Premio Nobel da Paz, e termina na segunda-feira com o da Economia.
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