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Etiópia: Antigo reino Kaffa sonha vir a ser o 11.º estado etíope

O antigo reino de Kaffa, sudoeste da Etiópia, poderá vir a constituir, com outras cinco zonas administrativas, a 11.ª região do país, após um referendo para contrariar a "negligência" a que se consideram votadas por Adis Abeba.

Etiópia: Antigo reino Kaffa sonha vir a ser o 11.º estado etíope
Notícias ao Minuto

13:03 - 28/09/21 por Lusa

Mundo Adis Adeba

No passado, o palácio de bambu do antigo reino de Kaffa, no sudoeste da Etiópia, acolhia grandes festas e as suas salas estavam repletas de ouro e peles de boi, mas hoje os descendentes mal conseguem manter o edifício.

Os líderes do que se tornou a zona administrativa Kaffa não têm recursos para as necessidades mais rudimentares.

Para os seus habitantes, o declínio de Kaffa, um reino de florestas, antes chamado o "Tibete de África", mostra até que ponto a região das Nações, Nacionalidades e Povos do Sul (SNNP, na sigla em inglês), a que pertence, tem vindo a ser negligenciada por Adis Abeba.

Os líderes de Kaffa depositam, por isso, todas as esperanças no referendo que esta quinta-feira irá propor a criação de uma nova região, a 11ª da Etiópia, chamada Sudoeste, e constituída por Kaffa e outras cinco zonas administrativas vizinhas.

Formar uma região própria, argumentam, vai trazer-lhes mais fundos e mais controlo sobre as suas despesas.

"No resto do país, tudo está a crescer e a mudar. Quando comparo Kaffa com outros lugares, [estamos] atrás", diz Girma Kidane Gallito, um descendente do último rei de Kaffa, citado pela agência France-Presse.

Os funcionários locais garantem que a votação será pacífica.

Nos últimos anos, as tensões e a violência regionais abalaram o país, a começar desde logo pela SNNP, mas também na Oromia, a região mais populosa da Etiópia, para além do grande desafio que o governo federal enfrenta no Tigray, no norte do país, onde decorre uma guerra desde o início de novembro último entre as tropas federais e as forças afetas à Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF, igualmente na sigla em inglês).

Este partido, que controlou durante décadas o poder em Adis Abeba, criou uma separação regional de facto, que os habitantes de Kaffa criticam.

Pouco depois de tomar o poder na Etiópia no início dos anos 1990, a Frente Democrática Revolucionária Popular Etíope (EPRDF), uma coligação dominada pela TPLF, dividiu o país em regiões étnicas, constituindo nove estados semiautónomos.

Embora a Constituição de 1995 permita a qualquer grupo étnico convocar um referendo para formar um novo estado, o governo federal há muito que resiste a qualquer movimento deste tipo, por vezes de forma violenta.

Em 2018, as reformas lançadas por Abiy Ahmed, nomeado primeiro-ministro etíope em abril desse ano, após fortes ondas de protestos contra o governo federal, reavivaram as ambições autonómicas na SNNP, um mosaico de grupos étnicos.

Em breve, mais de 10 grupos étnicos juntaram-se no apelo a um refendo para autonomizar a região, ameaçando desestabilizar esta parte do território onde vivem cerca de um quinto dos 110 milhões de habitantes da Etiópia.

Em 2019, a região de Sidama deixou a SNNP e criou o 10.º estado da Etiópia, na sequência de um referendo precedido de violência. Já os Wolaita, cuja região também é palco de conflitos, continuam à espera de um referendo.

No antigo reino Kaffa, em contrapartida, as ambições autonómicas têm permanecido até agora pacíficas.

Em 2019, o primeiro-ministro, que esse ano recebeu o Prémio Nobel da Paz em reconhecimento da paz alcançada com a Eritreia e das reformas e abertura democrática internas, visitou Bonga, a maior cidade de Kaffa, onde se dirigiu a uma enorme multidão vestida com as tradicionais cores locais, azul, vermelho e verde.

Abiy Ahmed advertiu na altura que a criação de uma nova região não iria resolver, por um golpe de magia, os problemas de Kaffa, mas o acordo para a realização de um referendo não demorou.

Prevê-se que a proposta para a criação de uma nova região administrativa venha a ser apoiada pela esmagadora maioria dos cerca de 900.000 eleitores, um mérito atribuído ao primeiro-ministro.

O antigo governo federal, dominado pela TPLF, "não tinha qualquer desejo de responder a qualquer exigência de liberdade", argumenta o diretor da escola Berhanu Woldie, em declarações à AFP. "Era um regime repressivo, não eram bons líderes", acrescenta.

A popularidade de Abiy Ahmed nesta região é-lhe útil na guerra contra os líderes tigray. Milhares de homens jovens e mulheres de Kaffa juntaram-se ao exército federal e a região doou gado, que foi enviado para a frente, segundo Tekalign Haileyesus, que trabalha na administração de Kaffa.

Para além dos cartazes de apoio ao referendo - retratando seis mãos unidas --, outros cartazes com a cara de Abiy ao lado de unidades militares de elite, pintados com slogans como "Sou um soldado para o meu país", dão cor às ruas de Bonga.

Kulle Karsha, analista e professor na Universidade de Hawassa, no novo estado de Sidama, considera que a manutenção da popularidade do primeiro-ministro depende dos benefícios que a nova região venha a perceber.

"Se as infraestruturas básicas forem instaladas e a voz do povo for ouvida, não há porque temer a desintegração" do país, afirma. Agora, se o desejo de empoderamento não se traduzir numa vida melhor, "então a instabilidade ou as crises virão", remata o académico.

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