Parlamento cabo-verdiano trava proposta do Governo para aumentar dívida
O parlamento cabo-verdiano rejeitou hoje a proposta governamental para "flexibilização temporária" das regras orçamentais devido à pandemia, permitindo um aumento do endividamento interno, que o executivo considerava crucial para manter as medidas de mitigação da crise.
© Lusa
Mundo Cabo Verde
A proposta de lei de flexibilização temporária das regras orçamentais devido à pandemia de covid-19 foi apresentada pelo Governo à Assembleia Nacional, alegando a crise financeira provocada pela ausência de retoma do turismo, mas carecia de uma maioria de dois terços dos deputados, tendo reunido 41 votos a favor, do MpD (maioria) e da UICD (oposição), dos 46 que necessitava para fazer passar a medida, além de um voto contra.
Em causa estava a intenção de aumentar em 2021 de 3% para 5% do PIB o limite do endividamento interno - para chegar a quase 80 milhões de euros - e autorizar um saldo corrente global orçamental negativo de até 13 mil milhões de escudos (117,1 milhões de euros), para compensar a queda no PIB projetado e na arrecadação de receitas, mas na votação na generalidade a abstenção dos 27 deputados do Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV) acabou por travar a proposta governamental.
Esta votação terminou, ao final do dia, com várias horas de debate no parlamento, depois de o Governo e a maioria que o suporta ter dramatizado a necessidade deste aumento do endividamento interno, no quadro da proposta do Orçamento Retificativo para este ano que está a ser discutido em simultâneo.
Isto, alegou o Governo, para manter os apoios às empresas, famílias e economia, face à queda de 12,2% na previsão de arrecadação de receitas do Estado, tendo em conta o inicialmente estimado, pela ausência de retoma económica, e alegando que é um mecanismo mais rápido do que a negociação de empréstimos concessionais com entidades internacionais.
Do lado do PAICV, a posição assumida na votação foi explicada com a possibilidade de o Governo eliminar "gorduras e despesas" para financiar o Orçamento Retificativo para este ano, enquanto os deputados do Movimento para a Democracia (MpD) alegaram "vingança" do maior partido da oposição pela recondução do partido na liderança de Cabo Verde nas eleições legislativas de abril último, para ter "ganhos políticos baratos".
Durante o debate desta proposta, o vice-primeiro-ministro e ministro das Finanças, Olavo Correia, defendeu que a mesma permitiria ao Estado "continuar a intervir nas esferas económica, social e sanitária", no quadro da pandemia.
"O Governo precisa de meios financeiros para intervir já", afirmou Olavo Correia, alegando ser incompreensível que os parceiros internacionais estejam a "colaborar" com a concessão de moratórias ao crédito do Estado e que "no plano interno" não se faça o trabalho de mitigar as consequências económicas da pandemia.
Mantendo sempre o apelo ao voto a favor do PAICV, Olavo Correia afirmou mesmo que esta medida, temporária, foi adotada em todo o mundo como forma de compensar a queda de receitas e para evitar o agravamento da crise, argumento que o maior partido da oposição, e que esteve no poder de 2001 a 2016, não aceitou, recusando contribuir para um novo aumento da dívida pública, que segundo a proposta levada ao parlamento previa um 'stock' global equivalente a mais de 158% do PIB até final do ano.
Na proposta de lei do Orçamento Retificativo para este ano, que deverá ser votado na quinta-feira, estava prevista a autorização para o Governo aumentar o endividamento interno líquido para 8.800 milhões de escudos (79,7 milhões de euros), um crescimento de 50% face ao regime em vigor, "para fazer face às necessidades de financiamento" do Estado e contando com esta alteração legal, que fica agora por resolver.
O endividamento interno é feito, por norma, através da emissão de bilhetes do Tesouro (maturidades mais curtas) e de obrigações do Tesouro (maturidades mais longas).
Nos documentos de suporte à proposta de lei do Orçamento do Estado é apontado que o valor do endividamento interno líquido corresponderia a 5% do PIB esperado para este ano, quando a Lei de Bases do Orçamento prevê atualmente 3%, pelo que implicaria esta alteração, hoje rejeitada.
Cabo Verde vive uma profunda crise económica e social e registou em 2020 uma recessão económica histórica de 14,8% do PIB, quando antes da pandemia previa crescer mais de 6%.
Nesta proposta de revisão do Orçamento do Estado, é revisto em baixa o crescimento esperado do PIB para de 3,0% a 5,5%, quando no Orçamento ainda em vigor é previsto um crescimento económico de 6,8% a 8,5%.
A proposta orçamental está orçada em cerca de 78 mil milhões de escudos (707,4 milhões de euros), entre despesas e receitas, incluindo endividamento, um aumento de 0,1% na dotação inscrita no Orçamento ainda em vigor.
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