Cabo Verde. Advogado assume que planeou e concretizou fuga de condenado
O deputado e advogado Amadeu Oliveira, crítico do sistema de Justiça cabo-verdiano, assumiu hoje no parlamento que planeou e concretizou a fuga do país de um condenado por homicídio, assumindo-se "estupefacto" por ainda não ter sido preso.
© Lusa
Mundo Cabo Verde
"Eu já ofereci a minha cabeça para ser preso. Até estou estupefacto porque é que ainda não fui preso. Porque confesso: Eu, Amadeu Oliveira, como defensor oficioso nomeado pelo Estado, concebi, estudei, matutei, planei e executei o plano de saída de Arlindo Teixeira", afirmou o deputado e ativista, ao intervir durante a sessão parlamentar que arrancou hoje na Assembleia Nacional, na Praia.
O deputado, eleito em abril nas listas da União Caboverdiana Independente e Democrática (UCID), foi visado por esta atuação no arranque dos trabalhos parlamentares, com o Partido Africano da Independência de Cabo Verde (PAICV, oposição), a considerar o caso como "vexatório" e a pedir responsabilidades ao Governo e à Polícia Nacional, tendo em conta que o arguido em causa, emigrante em França, tinha sido colocado em prisão domiciliária, na ilha de São Vicente, de onde conseguiu fugir em 27 de junho, gerando uma onda de indignação e dúvidas em Cabo Verde.
"Eu tomei essa decisão [de planear a fuga] em 18 de junho. Em menos de dez dias já estava executado", afirmou Amadeu Oliveira, que acompanhou o arguido na fuga de Cabo Verde.
"Tentem procurar as razões verdadeiras e subjacentes que levam um defensor oficioso a correr tamanho risco", reagiu ainda o deputado às críticas do PAICV, rejeitando que se "crucifique" o primeiro-ministro e a polícia por este caso.
"Estudei durante seis anos as falhas, as fraudes, os atrasos do Supremo Tribunal de Justiça. Detetei falhas graves e utilizei essas falhas, do Supremo, não da Polícia Nacional (...) A Polícia foi impecável e fez o seu trabalho, as falhas estão no sistema judicial, as falhas estão no Supremo Tribunal de Justiça [STJ]", insistiu, apelando a uma "inspeção séria" para apurar as "falhas" no sistema judicial do país.
A comissão permanente do parlamento cabo-verdiano analisou e aprovou na segunda-feira, por unanimidade, a decisão de autorizar o levantamento da imunidade parlamentar ao deputado Amadeu Oliveira para que seja detido fora do flagrante delito, conforme solicitação feita pela Procuradoria-Geral da República (PGR) em 01 de julho.
A PGR cabo-verdiana pediu autorização ao parlamento para deter o deputado Amadeu Oliveira, acusando-o de um crime de ofensa a pessoa coletiva e dois de atentado contra o Estado de Direito.
Em comunicado, a PGR explicou que em causa está o envolvimento do também advogado de defesa na saída do país de um arguido, condenado a nove anos de prisão, pela prática de um crime de homicídio simples, e que aguardava os demais tramites processuais sob a medida de coação de obrigação de permanência na habitação, determinada pelo STJ.
Em 27 de junho, o arguido Arlindo Teixeira, condenado inicialmente a 11 anos de prisão por homicídio, saiu do país a partir de São Vicente num voo da TAP com destino a Lisboa, tendo depois seguido para França.
Arlindo Teixeira é constituinte do advogado e deputado Amadeu Oliveira, num processo que este considerou ser "fraudulento", "manipulado" e com "falsificação de provas".
O arguido saiu do país com auxílio anunciado publicamente pelo advogado de defesa, que disse que contactou um grupo de ex-militares fuzileiros navais para resgatar Arlindo Teixeira e fazê-lo sair do país por via marítima, mas nas vésperas mudou de estratégia e o seu cliente saiu por via aérea.
Na declaração política da sessão parlamentar que arrancou hoje, pela voz do deputado Démis Almeida, o PAICV questionou "como foi possível" que a Polícia Nacional, responsável por vigiar e contactar o arguido periodicamente, o deixasse a abandonar a habitação, circular pela cidade do Mindelo e passar o aeroporto.
"Os factos graves que subjazem a estas questões atiram para níveis rasos a credibilidade do sistema nacional de segurança interna e muito desprestigiam a segurança e a reputação das nossas fronteiras", afirmou o deputado do PAICV.
Na declaração lida por Démis Almeida, o PAICV acusa o Governo e a Polícia Nacional -- que anunciaram um inquérito a este caso -- de não terem adotado medidas para "correção das falhas grosseiras, apuramento de responsabilidades e aplicação de proporcionais sanções aos sujeitos que compuseram a cadeia de omissões e de decisões que permitiu que tal escândalo, sobre relatado, pudesse acontecer".
"O grupo parlamentar do PAICV exige que sejam apuradas responsabilidades e que essas responsabilidades sejam assumidas, para que jamais tal situação vexatória volte a suceder", disse.
Este caso está a suscitar várias reações em Cabo Verde, como a do Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, que considerou o caso de "muita gravidade" e pediu investigação célere e sanções aos responsáveis.
Segundo a PGR, em causa estão factos suscetíveis de integrarem, por agora, dois crimes de atentado contra o Estado de Direito, punidos com pena de prisão de dois a oito anos.
O procurador-geral da República, José Luís Landim, afirmou anteriormente que este caso é um "ataque grave" à justiça e à democracia cabo-verdiana.
Por sua vez, o primeiro-ministro, Ulisses Correia e Silva, pediu que sejam assacadas responsabilidades e garantiu que os responsáveis neste caso serão "devidamente sancionados".
O Bastonário da Ordem dos Advogados de Cabo Verde, Hernâni Soares, mostrou-se "incrédulo" com a fuga de Arlindo Teixeira para França, na companhia do advogado de defesa, considerando que é "incompreensível" e pediu esclarecimentos às autoridades.
Ainda segundo o Ministério Público, estão também em causa a denúncia do STJ relativamente a factos ocorridos nas instalações da instituição e imputados ao mesmo deputado, tendo ordenado a abertura de instrução criminal, que decorre na Procuradoria da República de Círculo de Barlavento.
Neste caso, a PGR referiu que impende sobre o advogado, um forte contestatário do sistema de justiça no país, o crime de ofensa a pessoa coletiva, previsto e punido pelo artigo 169.º do Código Penal.
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