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Argélia: Legislativas de novo confrontadas com desafio da abstenção

A campanha para as eleições legislativas de sábado na Argélia, um escrutínio destinado a fornecer uma nova legitimidade ao regime mas boicotado por parte da oposição, decorreu com pouca mobilização popular num clima de repressão ao movimento 'Hirak'.

Argélia: Legislativas de novo confrontadas com desafio da abstenção
Notícias ao Minuto

08:16 - 11/06/21 por Lusa

Mundo Argélia

Cerca de 24 milhões de eleitores são chamados a eleger os 407 novos deputados da Assembleia Popular Nacional (APN, Câmara baixa do parlamento) para um mandato de cinco anos.

A campanha eleitoral terminou na terça-feira e o principal desafio para o poder será a taxa de participação, num país em crise económica desde fevereiro de 2019 e onde prevalecem fortes tensões sociais.

Ao escrutínio apresentam-se 1.500 listas, com mais de metade a afirmarem-se como "independentes", cerca de 13.000 candidatos.

Pela primeira vez regista-se a participação de elevado número de candidatos independentes face aos apresentados pelos partidos tradicionais, muito desacreditados e considerados responsáveis pela crise política instalada na Argélia.

Diversas projeções apostam numa vitória destes setores independentes, de filiação difusa, que poderão constituir uma nova força política na futura Assembleia Popular Nacional (APN, o parlamento), com o eventual aval do poder.

Os vencedores das últimas legislativas (2017), a Frente de Libertação Nacional (FLN) e a União Nacional Democrática (RND), parceiros numa aliança presidencial que apoiou o ex-chefe de Estado Abdelaziz Bouteflika, deposto em abril de 2019, registam hoje escassa credibilidade.

Até ao final da campanha, os partidos pró-governamentais e os 'media' oficiais apelaram à "participação em força neste escrutínio crucial para a estabilidade do país".

Em Argel, a mais importante circunscrição do país com 34 lugares de deputados em disputa (num total de 407), a maioria dos 'placards' eleitorais permaneceram vazios durante a maior parte do período eleitoral, e alguns cartazes expostos foram de imediato rasgados ou riscados, tornando-se ilegíveis, indicou a agência noticiosa AFP.

"Incolor, inodora e sem sabor", resumiu o diário francófono El Watan, em reportagem dedicada à campanha eleitoral.

Estas eleições deveriam decorrer em 2022 mas foram antecipadas, e surgem como uma tentativa do poder de retomar o controlo perante o regresso à rua do movimento de contestação do 'Hirak' desde final de fevereiro passado.

Apesar de dois rotundos fracassos -- as presidenciais de 2019 e o referendo constitucional de 2020, assinaladas por abstenção recorde --, o regime está determinado em concretizar o seu "roteiro" eleitoral, sem atender às reivindicações da rua, que continua a exigir um Estado de direito, transição democrática ou justiça independente.

As autoridades não escondem o receio de uma nova deserção eleitoral da população da Cabília (nordeste), região tradicionalmente rebelde de maioria berbere, onde a participação foi praticamente nula nos escrutínios de 2019 e 2020.

Um cenário que não pode ser excluído, após a União para a Cultura e a Democracia (RCD, na sigla em francês) e a Frente das Forças Socialistas (FFS), os dois partidos mais implantados na Cabília, terem decidido não participar no escrutínio.

No entanto, o Movimento da Sociedade para a Paz (MSP) e outras formações islamitas legais optaram pela participação com o objetivo de "contribuir para a rutura e mudanças desejadas".

Assim, o líder do MSP, Abderrezak Makri, já se manifestou "disponível para governar" em caso de vitória.

Em entrevista ao diário argelino Horizons, o ministro da Comunicação e porta-voz do Governo, Ammar Belhimer, apelou que seja judicialmente reprimida "e da forma mais severa qualquer obstrução e qualquer ação destinada a impedir os cidadãos de exercerem um ato tão fundamental que é o ato eleitoral".

Com a aproximação do escrutínio, o regime decidiu terminar com o 'Hirak', o inédito levantamento popular antissistema, que também apelou ao boicote eleitoral e agora acusado de ser constituir um "magma contra-revolucionário" instrumentalizado por "setores estrangeiros" hostis à Argélia.

O 'Hirak', que iniciou os seus protestos de massas semanais em fevereiro de 2019 e registou uma pausa de cerca de um ano devido à pandemia, tem exigido uma alteração radical do sistema instalado no país na sequência da independência em 1962, com largo predomínio da hierarquia militar, acusada de ter renunciado aos valores originais da revolução argelina e sinónimo de autoritarismo e corrupção.

As suas manifestações, em particular as que decorriam todas as sextas-feiras após a grande oração semanal, foram proibidas, e desencadeados processos judiciais dirigidos a opositores políticos, militantes do 'Hirak', advogados e jornalistas.

Este tema também mereceu uma abordagem do Presidente argelino, Albdemadjid Tebboune em entrevista concedida na terça-feira ao semanário francês Le Point.

Apesar de uma campanha eleitoral muito pouco participada, Tebboune assegurou existir "um entusiasmo, em particular entre os jovens" e acrescentou "não existir outra alternativa".

Em simultâneo, considerou que o 'Hirak', perdeu a sua legitimidade.

"Hoje, no que resta do 'Hirak', encontramos tudo, há quem grite 'Estado islâmico', e outras respondem 'não ao Islão'. Os manifestantes talvez exprimam revolta, mas não é o 'Hirak' original. É muito heteróclito", argumentou.

Interrogado sobre a vaga de repressão que atinge os militantes e ativistas, para além de opositores políticos e jornalistas, denunciou "uma minoria que recusou a eleição".

"Penso que qualquer argelino tem o direito de se exprimir, mas recuso o 'diktat' de uma minoria", respondeu o chefe de Estado, eleito em dezembro de 2019 com a abstenção recorde de 60%.

O Governo garante ter respondido às principais reivindicações do movimento de contestação "num prazo recorde". Mas segundo organizações de defesa dos direitos humanos, mais de 200 pessoas estão atualmente detidas por envolvimento no movimento de protesto ou por factos relacionadas com a liberdade individual.

Leia Também: ONG denuncia "escalada da repressão" na Argélia antes das legislativas

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