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Moçambique: Conflitos podem eclodir noutras províncias, diz ativista

Os conflitos armados podem eclodir noutras províncias de Moçambique, além de Cabo Delgado, devido à violação dos direitos das comunidades na implementação de projetos de extração de recursos naturais, considerou Alda Salomão, ativista ambiental moçambicana, em entrevista à Lusa.

Moçambique: Conflitos podem eclodir noutras províncias, diz ativista
Notícias ao Minuto

10:08 - 11/05/21 por Lusa

Mundo Ataques Moçambique

"Não me admiraria termos conflitos idênticos aos de Cabo Delgado em qualquer parte deste país, [porque] na vertente de má governação de recursos naturais, nós temos todos os ingredientes para conflitos e revoltas em todas as províncias deste país", afirmou.

Alda Salomão é fundadora da organização não governamental (ONG) Centro Terra Viva (CTV) e um dos rostos mais conhecidos na defesa dos direitos das comunidades do distrito de Palma, província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, que acolhe grandes projetos de gás natural, o maior dos quais foi suspenso por tempo indeterminado, na sequência de um ataque armado à vila por rebeldes, a 24 de março.

Para a ativista, os eventuais conflitos armados podem não ter motivação no "fundamentalismo islâmico" como parece ser o caso de Cabo Delgado, mas resultarem de tensões causadas por má gestão dos processos de implementação de projetos do setor extrativo.

"Penso que isso [que está a acontecer em Cabo Delgado] devia ser lição para todas as províncias deste país, porque nós temos recursos valiosos em todas", afirmou.

E todas as zonas com recursos naturais, continuou, têm em comum a violação dos direitos das comunidades, nomeadamente a expropriação de terra sem justa compensação, pobreza, falta de infraestruturas de qualidade, privação de meios de sobrevivência, desemprego e desrespeito pela legislação ambiental.

A assessora jurídica do CTV, doutora em Geografia Humana e Planeamento Espacial na Universidade de Utrecht, da Holanda, apontou o caso de comunidades de áreas de extração de pedras preciosas, que são empurradas para a ilegalidade e criminalizadas com a chegada de investidores, depois de séculos de "garimpo".

A província de Tete, norte de Moçambique, é também palco de tensões crónicas entre as comunidades e as empresas de produção de carvão, devido a divergências sobre os benefícios da exploração de recursos naturais, acrescentou.

Alda Salomão considerou que os direitos legítimos das comunidades sobre a terra e a justa compensação têm sido sistematicamente violados, porque "alguns agentes do Estado são subservientes aos investidores, para protegerem interesses particulares".

"Em muitos casos, são os agentes do próprio Governo que dizem às empresas: ´não se preocupem com a consulta comunitária, nós vamos resolver isso com as comunidades`", acusou.

A forma que os funcionários do Estado encontram para aplacar as preocupações das comunidades, prosseguiu, é o recurso à polícia para a intimidação e instrumentalização dos líderes comunitários.

"É um problema de subserviência [dos agentes do Estado] a agendas ocultas e estranhas [ao interesse público]. Não é porque o Estado não tenha capacidade de se organizar e impor-se" na negociação dos direitos das comunidades, declarou.

A fundadora do CTV considerou que pela sua pujança financeira e técnica e pelas vantagens que procuram, as multinacionais estão preparadas para cumprir as leis do país, mas são induzidas ao desrespeito dos direitos das comunidades por representantes do Estado interessados em tirar ganhos particulares.

"Todas estas empresas vêm para Moçambique preparadas para observar a legislação nacional, se ela for imposta, só não a observam quando encontram espaço, internamente", observou.

Alda Salomão criticou a arrogância do Governo nas relações com as comunidades, que resultam na marginalização do princípio de consulta pública no processo de aprovação de projetos económicos em áreas com direitos legítimos preexistentes, como a ocupação legítima da terra.

Porque os atropelos na implementação de projetos de exploração de recursos naturais são a nota dominante, o país deve fazer uma reavaliação dos processos que envolveram todos os empreendimentos e corrigir os aspetos que estão errados, para evitar a erupção de cenários de violência como a que está a acontecer em Cabo Delgado.

"Numa abordagem preventiva, vale a pena que todas as províncias avaliem em que medida é que estes investimentos estão realmente a contribuir para a promoção do desenvolvimento socioeconómico, em que medida é que as promessas de emprego e outros benefícios que foram feitos no momento de ocupação de terras pelos projetos que estão a ser honrados", defendeu Alda Salomão.

Grupos armados aterrorizam Cabo Delgado desde 2017, sendo alguns ataques reclamados pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico, numa onda de violência que já provocou mais de 2.500 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e 714.000 deslocados, de acordo com o Governo moçambicano.

O mais recente ataque ocorreu em 24 de março contra a vila de Palma, provocando dezenas de mortos e feridos, num balanço ainda em curso.

As autoridades moçambicanas recuperaram o controlo da vila, mas o ataque levou a petrolífera Total a abandonar por tempo indeterminado o recinto do projeto de gás com início de produção previsto para 2024 e no qual estão ancoradas muitas das expectativas de crescimento económico de Moçambique na próxima década.

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