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Afeganistão: Conflito termina sem garantias e com muitas incertezas

A guerra de 20 anos no Afeganistão terminará com resultados indecisos e sem garantias de estabilidade política, com a retirada este ano das forças militares norte-americanas após um pacto inseguro com os talibãs.

Afeganistão: Conflito termina sem garantias e com muitas incertezas
Notícias ao Minuto

09:22 - 30/04/21 por Lusa

Mundo Afeganistão

"O ano de 2011 será crítico para o Afeganistão", escreveu Vitalino Canas, relator especial do Comité sobre a Dimensão Civil de Segurança da NATO, na altura em que passavam 10 anos sobre a chegada das tropas da coligação internacional àquele país, na sequência dos ataques terroristas de 11 de setembro de 2001.

O relator português argumentava que, nesse ano, o Afeganistão "testemunhava o início da retirada da comunidade internacional e a transição para a responsabilidade total afegã para a segurança do país", que deveria ficar terminada em 2014.

O Presidente norte-americano, Joe Biden, prometeu que os soldados norte-americanos sairão do Afeganistão até ao dia 11 de setembro deste ano, confiando em que os talibãs saberão entender-se com as forças governamentais afegãs, depois de duas décadas de um conflito sem resultados assertivos.

A Força Internacional de Assistência de Segurança (ISAF, na sigla em inglês), que viria a ser substituída pela Missão de Apoio Resoluto (RS), em 2014, teve por objetivo central inicial retirar pela força militar os rebeldes talibãs do poder - para impedir a base de suporte ao movimento terrorista Al-Qaida, responsável pelos ataques terroristas nos EUA em 2001 -- mas sem nunca perder de vista a estabilização política da região.

Dez anos depois do relatório de Vitalino Canas - antigo deputado e governante socialista - os analistas reconhecem ainda hoje as mesmas exatas dificuldades que foram detetadas pelos observadores da NATO no desenvolvimento da intervenção internacional.

Um dos problemas mais difíceis com que a coligação internacional se deparou foi a de constantes choques institucionais entre os ramos executivo, legislativo e judicial do Estado, no Afeganistão, que dificultaram a prossecução de objetivos de estabilidade política.

Por outro lado, o clima de guerrilha entre as forças governamentais e o grupo talibã ainda hoje permanece como uma ameaça de eternização do conflito, apesar dos esforços dos Estados Unidos que, nos últimos meses, tentaram um acordo de paz, assinado no Qatar, procurando comprometer os rebeldes com um projeto de erradicação de movimentos terroristas no território.

Um dos sinais mais promissores da missão ocidental no Afeganistão foi a eleição livre da Assembleia Nacional, em 2005, conseguindo cumprir um mandato até 2010, embora sempre sob suspeita de apoiar decisões governamentais ineficazes ou ficar ao lado de ministros que acabavam envolvidos por frequentes casos de corrupção, legitimando uma deformação do sistema político.

Ao mesmo tempo, no campo militar, a NATO deparou-se com a reorganização dos talibãs que, depois de uma derrota inicial, se reorganizaram, sob a liderança de Mullah Omar, e optaram por um modelo de guerrilha que já tinha funcionado eficazmente contra a invasão russa (1979-1989).

"A insuficiência numérica dos contingentes internacionais foi um dos principais obstáculos à eficácia da atuação da NATO. Entre as diversas razões que a explicam, há que ter em conta a estratégia de "light footprint" adotada inicialmente pelos EUA no Afeganistão. Esta estratégia foi implementada porque os Estados Unidos queriam evitar a repetição da experiência soviética de invasão do Afeganistão. Uma presença militar massiva, poderia ser o chamariz para a guerrilha mobilizar a resistência à presença estrangeira em nome da defesa do Islão e do nacionalismo afegão", explicou à Lusa Maria do Céu Pinto Arena, especialista em Médio Oriente e professora da Universidade do Minho.

Entre 2003 e 2005, já sob controlo da NATO, a coligação internacional conjugou esforços com as forças afegãs contra os talibãs, apostando na capacidade de surpresa de aparelhos aéreos não tripulados ('drones') e em operações de captura de células terroristas.

A partir de 2006, a coligação internacional, que chegou a contar com soldados de 43 países, mudou a sua estratégia de combate, apostando mais fortemente em operações de contra-insurgência, tentando travar as ações de violência dos talibãs contra civis.

Em 2008, dá-se um substancial reforço do efetivo militar norte-americano, com mais 20.000 soldados, atingindo quase 50.000 em junho desse ano, quando o Presidente George Bush retirava forças do Iraque para reforçar a presença no Afeganistão.

Paralelamente, a NATO exercia a sua influência política para tentar dar consistência a um modelo administrativo muito centralizado, que dava pouca autonomia às 34 províncias e quase 400 distritos do país, o que enfraquecia a capacidade de liderança do Governo e fragilizava as iniciativas de estabilização social por um país que denotava sinais de rápido desgaste, ao fim de 10 anos de conflito.

Outra debilidade era a capacidade de formar forças de segurança autónomas e um corpo de funcionários públicos no Afeganistão, um esforço que começou a ser intensificado a partir de 2010, mas que esbarrava, uma e outra vez, contra um muro de problemas logísticos e burocráticos, apesar do empenho de uma recém-criada Comissão de Reforma Administrativa.

A luta contra a corrupção no sistema político afegão revelava-se progressivamente mais difícil, perante uma população que se tinha habituado a esquemas de suborno para sobreviver às dificuldades económicas.

Ao longo dos 20 anos de conflito, a NATO deparou-se ainda com o problema da relação próxima entre o narcotráfico e o poder político no Afeganistão, uma questão que foi sendo controlada, mas nunca totalmente debelada.

A produção de ópio foi parcialmente reduzida, em particular nos últimos anos, apesar da descida do preço da produção de cereais, que tentava muitos agricultores a sentirem-se tentados pelo cultivo de plantas para o negócio das drogas.

A fase final da presença militar estrangeira que agora termina centrou-se nos planos de reconciliação e reintegração, permitindo o regresso dos talibãs, que se sentaram à mesa das negociações a partir de 2015, para logo as abandonar e tentar novas ofensivas, em particular na província de Helmand.

O sucesso relativo da coligação internacional teve um sinal importante num acordo de paz em 2016, entre as forças afegãs e o movimento de milícias Hezb-i-Islami, que implicavam o levantamento de sanções das Nações Unidas e dos EUA contra um dos seus líderes mais destacados.

Com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, em 2017, inicia-se o processo de retirada das forças militares norte-americanas, cumprindo uma promessa eleitoral de rejeitar "guerras infindáveis".

O Governo afegão saudou o plano de Trump e prometeu esforços de reconciliação com os talibãs, que ainda prosseguem, enquanto os últimos soldados norte-americanos se aplicam na formação das forças de segurança locais, que possam garantir uma defesa eficaz contra uma sempre imprevisível ação dos movimentos rebeldes.

Leia Também: Afeganistão. NATO diz que retirada de tropas começou de forma coordenada

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