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Visita papal ao Iraque não está amarrada a agendas políticas

A visita ao Iraque do papa Francisco transporta a autoridade acrescida de não estar amarrada a uma agenda política de controlo de uma região estratégica no Médio Oriente, dizem especialistas contactados pela agência Lusa.

Visita papal ao Iraque não está amarrada a agendas políticas
Notícias ao Minuto

08:52 - 03/03/21 por Lusa

Mundo Iraque

Um dos gritos de guerra dos 'jihadistas' lembra que a sua batalha vai "Desde Mossul a Jerusalém", referindo-se às ambições de conquista da área que se prolonga desde o centro do Iraque até ao mar Mediterrâneo, passando por Beirute, no Líbano, e Amã, na Jordânia.

"A visita do papa Francisco ao Iraque pode ter o mérito de acalmar as tensões políticas na região, lembrando que o caminho de Mossul até Jerusalém pode ser feito por um trajeto de paz e não com a destruição sangrenta proposta pelos fundamentalistas", disse à Lusa Luca Grassi, professor de estudos islâmicos na Universidade de Bolonha.

Grassi considera que a visita do chefe da igreja católica acontece num momento particularmente importante para o futuro da região, quer pelos esforços de reatamento das relações diplomáticas entre os países árabes e Israel (iniciados pelo Governo do ex-Presidente dos EUA Donald Trump), quer pela tentativa que diversos atores internacionais estão a fazer para impedir o recrudescimento do grupo 'jihadista' Estado Islâmico no Iraque e na Síria.

E a visita de Francisco tem uma outra vantagem: não está amarrada a uma agenda política de controlo global.

"Enquanto os Estados Unidos, o Canadá, Israel ou França, os 'players' ocidentais, podem formar as alianças que servem as suas agendas políticas, o Vaticano não tem uma agenda para a região", explica Michael Civita, diretor de comunicação da Associação Católica do Próximo Oriente.

"A ausência de uma agenda para o controlo político ou económico da região dá uma acrescida autoridade a esta visita papal", concorda Luca Grassi.

A autoridade espiritual do papa, como líder de 1,2 mil milhões de fiéis, será um alento para a população cristã na região, depois de anos de perseguições e massacres, disse à Lusa Maria Lozano, responsável de comunicação do departamento alemão da fundação Ajuda para as Igrejas Necessitadas, uma das instituições que tem ajudado na reconstrução do Iraque.

Mas essa autoridade espiritual arrastará também consigo um "formidável peso" político, com a atenção mediática global que vai implicar, expondo fraturas que ainda não cicatrizaram num país que há várias décadas se confronta com múltiplos conflitos militares, desde a invasão norte-americana, em 1991 e 2001, até à guerra iraquiana dos oito anos que lhes sucedeu, acrescentou Luca Grassi.

"Não esqueçamos de que estamos a falar de um país e uma região onde não é possível separar política de religião. No Ocidente, dizemos que tudo é político. No Médio Oriente, devemos dizer que tudo tem origem religiosa", explicou o professor de Bolonha, recordando as nunca estabilizadas tensões entre os xiitas e os sunitas muçulmanos.

Para dar uma dimensão ainda mais relevante à visita pascal que se inicia na sexta-feira, o Iraque atravessa uma profunda crise económica, em parte devida à descida do preço do petróleo, mas sobretudo por causa da quase total destruição das infraestruturas do país, após décadas de conflitos, com violentos confrontos terrestres e bombardeamentos aéreos.

Para tornar tudo ainda mais complexo, lembra Luca Grassi, junte-se a este cenário caótico o facto de duas potências regionais adversárias entre si -- o Irão e a Arábia Saudita -- estarem diretamente envolvidas nos conflitos no Iraque, agitando fantasmas de novas invasões e de novos conflitos.

"Cristãos e muçulmanos, quase em nível idêntico, têm um profundo respeito pelo papa", lembrou o académico italiano, salientando a capacidade que Francisco poderá ter na harmonização de diferendos religiosos e políticos, mais uma vez interligados.

Maria Lozano sublinha a importância simbólica da passagem do papa Francisco, no final da tarde de sábado, pela planície de Ur, o lugar de Abraão -- que recorda que as três principais religiões monoteístas (Cristianismo, Judaísmo e Islamismo) têm a mesma origem.

"É uma forma de Francisco recordar: temos raízes comuns!", concluiu Maria Lozano.

O assassínio do general iraniano Qassem Soleimani, em janeiro do ano passado, ou o ataque retaliatório dos EUA contra forças iraquianas apoiadas pelo Irão, na semana passada, são exemplos da instabilidade que o país continua a representar na região e perante as grandes potências mundiais, acrescentou Grassi.

E, nesse sentido, a visita do papa ultrapassa as agendas políticas de países como os EUA, a Rússia ou o Irão.

Michael Civita lembra que o papa Francisco tem feito um esforço para "desenvolver relacionamento com alguns dos estados do Golfo", com o objetivo de "assegurar não apenas a liberdade religiosa mas também liberdade de uma forma mais abrangente".

Internamente no Iraque, a escolha de cidades como Mossul, Erbil e Qaraqosh, no norte do país, para acolher parte importante da visita do papa revela igualmente a preocupação em estar em zonas particularmente afetadas pelos conflitos desde a década de 1970 ou por ataques terroristas intensificados a partir de 2004.

A forte presença do grupo 'jihadista' Estado Islâmico na planície de Nínive deixou marcas profundas, com a morte de mais de 70.000 pessoas e mais de 54 mil habitações destruídas, levando organizações internacionais a estimar que serão precisos mais de 800 milhões de euros para recuperar as infraestruturas básicas desta região.

Mais de quatro milhões de pessoas foram desalojadas, ao fim de três anos de conflitos com o EI, e o plano de visita do Vaticano no Iraque revela um roteiro que procura seguir os traços desta destruição e violência.

"Esse pode ser o grande trunfo desta visita: não vai procurar as cidades do sul, reconstruídas com dinheiro do petróleo; vai procurar as cidades do norte, destruídas pela intolerância e pela tirania", conclui Luca Grassi.

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