Porta-voz diz que Suu Kyi foi "detida" pelas Forças Armadas do Myanmar
A chefe de facto do Governo birmanês (do Myanmar, antiga Birmânia), Aung San Suu Kyi, foi "detida" pelas Forças armadas birmanesas, indicou hoje o porta-voz do seu partido, a Liga Nacional para a Democracia (LND).
© Lusa
Mundo Myanmar
"Fomos informados que ela está detida em Naypyidaw [a capital do país], supomos que o Exército está em vias de organizar um golpe de Estado", indicou Myo Nyunt.
A mesma fonte admitiu que outros responsáveis do partido também foram detidos.
Um porta-voz militar que foi contactado declarou não estar disponível no imediato, referiu a agência France-Presse (AFP).
Desde há várias semanas que os militares denunciam irregularidades nas legislativas de 08 de novembro, que a LND venceu por larga vantagem.
Estas detenções surgem num momento em que o parlamento eleito nas anteriores eleições se preparava para iniciar dentro de algumas horas a sua primeira sessão.
Sob o pretexto da pandemia do novo coronavírus, as eleições "não foram nem livres nem justas", tinha assegurado na semana passada, em conferência de imprensa, o porta-voz do Exército, general Zaw Min Tun.
Os militares garantem ter recenseado milhões de casos de fraude, incluindo milhares de eleitores centenários ou menores.
No entanto, o Exército birmanês tinha afastado no sábado os rumores de um golpe militar que circulavam nos últimos dias, com um comunicado, em que afirmou a necessidade de "obedecer à Constituição", e garantindo defendê-la.
"Visto que o Tatmadaw [nome do Exército birmanês] é uma associação armada, deve obedecer à Constituição. Os nossos soldados devem obedecer e respeitar a Constituição mais do que outras leis existentes", afirmou a força militar.
No dia seguinte às eleições legislativas, o chefe do Exército birmanês, Min Aung Hlaing, afirmou, numa intervenção perante as Forças Armadas, que se deveria abolir a Constituição se a Carta Magna não for cumprida, o que foi interpretado como uma ameaça ao país, que esteve submetido a uma ditadura militar entre 1962 e 2011.
A Comissão Eleitoral de Myanmar negou que tenha existido qualquer fraude eleitoral nas eleições de novembro, ganhas pela NLD, liderada por Aung San Suu Kyi, que obteve 83% dos 476 assentos parlamentares.
A delegação da União Europeia (UE) e várias embaixadas, incluindo a britânica, norte-americana, australiana e de vários países europeus avisaram que reprovam "qualquer tentativa" para alterar os resultados eleitorais ou "impedir" a transição democrática.
"Pedimos a todos os militares e a todos os atores do país a aderirem às normas democráticas", indicaram num comunicado conjunto.
As supostas irregularidades foram denunciadas em primeiro lugar pelo Partido da Solidariedade e de Desenvolvimento da União (USPD, na sigla em inglês), a antiga força política no poder, criada pela então Junta Militar antes de esta se dissolver.
O USDP foi o grande derrotado das eleições, ao obter apenas 33 lugares no parlamento, tendo recusado aceitar os resultados, chegando mesmo a pedir a realização de nova votação, desta vez organizada pelo Exército.
Os militares, que fizeram a redação da atual Constituição tendente a criar uma "democracia disciplinada", detêm um grande poder no país, tendo, à partida, garantidos 25% dos lugares no parlamento, bem como os influentes ministérios do Interior, das Fronteiras e da Defesa.
Apesar do revés do USDP, o comandante do Exército afirmou poucos dias após a votação que os resultados deveriam ser aceites, quando já era conhecida a vitória do NLD.
Em novembro de 2020, o Centro Carter -- organização criada pelo antigo Presidente dos Estados Unidos Jimmy Carter, que enviou observadores às eleições --, emitiu um comunicado em que considerou as eleições livres e justas.
A vitória eleitoral de Suu Kyi, Prémio Nobel da Paz 1991, demonstrou a sua grande popularidade em Myanmar, apesar da má reputação internacional pelas políticas contra a minoria rohingya, a quem é negada a cidadania e o voto, entre outros direitos.
Estas foram as segundas eleições legislativas desde 2011, o ano da dissolução da Junta Militar que se manteve no poder durante meio século no país.
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