Primeiro-ministro da Etiópia rejeita "ingerência" internacional no Tigray
O primeiro-ministro etíope rejeita o crescente consenso internacional no apelo ao diálogo e uma paragem nos combates mortíferos na região do Tigray, considerando-o uma "ingerência", e afirma que o seu país irá lidar com o conflito sozinho.
© J. Countess/Getty Images
Mundo Abiy Ahmed
"Exortamos respeitosamente a comunidade internacional a abster-se de quaisquer atos de ingerência indesejados e ilegais", divulgou o gabinete do chefe do Governo etíope, Abiy Ahmed, esgotado que está o ultimato de rendição de 72 horas dado às forças da província autónoma do norte da Etiópia e quando os tanques das forças governamentais cercam já a capital do Tigray, Mekele.
"A comunidade internacional deve aguardar até que o Governo da Etiópia submeta os seus pedidos de assistência à comunidade das nações", acrescenta a declaração, citada pela agência Associated Press.
Segundo fontes diplomáticas, os membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas apoiaram esta terça-feira, numa reunião à porta fechada, um esforço a ser liderado pela União Africana para uma missão de três enviados de alto nível à Etiópia.
O líder regional do Tigray, Debretsion Gebremichael, ainda não reagiu.
Abiy, vencedor do Prémio Nobel da Paz no ano passado, insiste em chamar ao conflito uma "operação de imposição da lei", e considera que, uma vez expirado o ultimato que deu aos líderes da Frente Popular de Libertação do Tigray (TPLF, na sigla em inglês) para se renderem, é chegada a altura de os prender.
O Governo de Abiy avisou os meio milhão de habitantes de Mekele para se afastarem dos líderes da TPLF ou não haverá "misericórdia" - linguagem que a Alta-Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos, Michele Bachelet, e outras altas individualidades consideram que poderá levar a "mais violações do direito humanitário internacional".
As comunicações continuam quase completamente cortadas na região do Tigray, com uma população de seis milhões de habitantes, e não é claro quantas pessoas em Mekele, a capital da província, estão conscientes dos avisos e da ameaça de fogo de artilharia das forças da federação etíope.
A TPLF dominou o Governo da Etiópia durante mais de um quarto de século, mas foi posta de lado depois da tomada de posse em 2018 de Abiy, que procurou centralizar o poder num país há muito governado segundo linhas étnicas, dissolvendo a coligação governante, de raiz étnica, e criando um partido que acomodasse os diferentes poderes, o Partido da Prosperidade (PP).
A TPLF optou por não participar no PP e desafiou o Governo federal ao realizar eleições em setembro, que o executivo tinha adiado por causa da covid-19. Cada uma das partes considera agora a outra ilegal.
A comunidade internacional apelou ao restabelecimento urgente das comunicações na região do Tigray para que as reivindicações das partes beligerantes possam ser investigadas, e para que alimentos e outros bens de necessidade básica possam ser enviados, à medida que a fome ganha terreno na região.
As Nações Unidas não têm sido capazes de enviar mantimentos para Tigray desde que os combates começaram em 4 de novembro, depois de Abiy acusar a TPLF de atacar uma base militar federal.
Centenas, eventualmente milhares, de pessoas foram mortas em três semanas de combates. Mais de 40.000 refugiados fugiram para o Sudão e quase 100.000 refugiados eritreus em campos no norte de Tigray ficaram expostos às linhas de fogo.
A miséria alastra nos campos de refugiados no Sudão, que têm acesso a pouca comida, poucos medicamentos e abrigos insuficientes, e ainda pouco ou nenhum contacto com familiares e próximos deixados para trás no Tigray.
Entretanto, continuam os relatos de discriminação de pessoas da etnia tigray, detenções, buscas de casas, e mesmo congelamento de contas bancárias, dentro e fora da Etiópia. Três soldados ao serviço da força de manutenção da paz da ONU no Sul do Sudão (UNMISS) foram mandados para casa durante o fim-de-semana, anunciou a força através de um comunicado.
"Se o pessoal for discriminado devido à sua etnia ou qualquer outro motivo, isto poderá envolver uma violação dos direitos humanos ao abrigo do direito internacional", sublinhou o comunicado citado pela AP.
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