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Fome continua a desafiar a pandemia nos arredores de Maputo

Falta de comida na mesa faz com que Maria Aida, 60 anos, saia de casa todos os dias com destino ao mercado de Laulane, Maputo.

Fome continua a desafiar a pandemia nos arredores de Maputo
Notícias ao Minuto

06:00 - 22/11/20 por Lusa

Mundo Covid-19

A rotina está traçada, mesmo sabendo que os mercados são os locais de maior propagação de covid-19 na capital moçambicana e que ela já está numa idade considerada de risco.

"Eu nunca parei de vender aqui no mercado, mesmo com a doença. Porque o que incomoda mais é a fome. O meu marido também parou de trabalhar por causa da pandemia. E se eu fizer o mesmo? O que nós vamos comer", questiona a comerciante.

Com parte considerável das pessoas a viverem na miséria ou no seu limiar, o recurso ao comércio informal para fugir da pobreza é comum em mercados da periferia de Maputo.

"Nós estamos sem o que comer", tal e qual, diz Mónica Macuácua, outra comerciante ambulante que há 10 anos "foge" da polícia municipal com sacos de feijão e amendoim à cabeça, no interior do mercado Grossista do Zimpeto.

Os três filhos de Mónica Macuácua dependiam todos do pequeno negócio informal, em que não há faturas, nem fiscalidade.

Nos últimos meses "a situação ficou muito mais complicada", principalmente com as restrições na fronteira com a África do Sul por causa da pandemia.

As bancas do mercado grossista do Zimpeto, famosas por terem quase sempre batatas e cebolas frescas, ressentiram-se, tendo em conta que o mercado interno não consegue alimentar um dos principais pontos de abastecimento da capital moçambicana.

Horácio Orlando, 38 anos, tem na sua pequena banca várias roupas usadas que esperam por clientes que nunca chegam e que serviriam para financiar os estudos.

"Antes do coronavírus, eu conseguia vender 50 pares de meias usadas por dia. Era suficiente para garantir sustento em casa. Hoje, fico dois dias sem clientes. Por outro lado, no local onde nós compramos as roupas para revender aqui, os preços dispararam", lamentou.

Horácio tinha os olhos na sua formação, mas com o impacto da covid-19 nas contas teme pelo seu futuro devido a falta de dinheiro para custear os estudos, além do facto da sua escola estar ainda encerrada.

Os "sonhos esperam" e as portas fecham-se.

Carlota Mondlane, 59 anos, passou os últimos dois anos vendendo limão porta a porta para fugir da fome em Maputo, mas desde que a pandemia chegou falta-lhe dinheiro porque os clientes não querem mais receber visitas de "estranhos".

"As pessoas pararam de abrir-me as portas. Eu batia e ninguém atendia. Têm medo da doença", lamenta a comerciante informal, enquanto reorganiza os seus produtos na sua pequena banca improvisada no meio da Praça da Juventude, nos subúrbios de Maputo.

O primeiro caso de covid-19 em Moçambique foi anunciado a 22 de março e em 01 de abril começou o estado emergência que havia de durar até setembro, com um conjunto de restrições que abalaram fortemente vários setores da economia, principalmente o informal.

Com as portas a fecharem-se na sua cara, como tantos outros vendedores informais, Carlota Mondlane preferiu sentar-se num ponto específico e adicionou à sua pequena banca, além de limão, tomate, repolho e cebola, tudo na ambição de conseguir sustento para os filhos e o seu marido, antigo militar desempregado, mas nada corre bem.

"Desde que a vida mudou, com a entrada da doença, não consigo fazer nada. Tenho sete filhos e eles têm de ter alguma coisa para comer", conta a comerciante.

Os desafios que Carlota enfrenta não são uma novidade nos subúrbios de Maputo, onde mais do que em meras abstrações numéricas o impacto da crise provocada pelo novo coronavírus é visto na falta de comida no prato para as famílias mais vulneráveis.

Lígia Amade, 42 anos, também luta para ganhar a vida vendendo "palha de aço", entre o medo de contrair o novo coronavírus ou perder os seus produtos para a polícia municipal.

"Deste negócio de venda de palha de aço consegui erguer um pequeno salão de beleza em casa, mas a pandemia chegou e nem consegui terminar a obra. Agora, nesta condição, nem consigo colocar a comida na mesa. Pior é o medo de apanhar a doença no meio desta multidão", afirma.

Na azáfama de Mercado Grossista do Zimpeto, apesar de quase todos terem máscaras, o distanciamento social é uma ilusão e na luta pelo cliente vale tudo.

Há tímidas iniciativas de prevenção, que incluem a lavagem obrigatória das mãos para quem entra no mercado, mas a proximidade entre as comerciantes contraria as recomendações relativas à prevenção da doença, assim como a falta de cuidado com o dinheiro que circula de mão em mão.

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