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ONG denuncia abusos sexuais em Cabo Delgado e critica silêncio

O Centro de Integridade Pública (CIP), ONG moçambicana, denunciou hoje num relatório alegados abusos sexuais de mulheres deslocadas em Cabo Delgado, norte do país, em troca de ajuda humanitária, considerando haver silêncio do Governo e Nações Unidas sobre o assunto.

ONG denuncia abusos sexuais em Cabo Delgado e critica silêncio
Notícias ao Minuto

09:58 - 26/10/20 por Lusa

Mundo Abusos sexuais

"Em todas as casas em que entrámos, dezenas e dezenas, em muitos bairros, esta questão foi sempre confirmada: em todas, as pessoas conheciam esse tipo de casos", disse à Lusa o investigador Borges Nhamire, um dos coautores de um relatório sobre deslocados do conflito de Cabo Delgado, hoje divulgado.

Os alegados abusos "são perpetrados pelas autoridades locais, que têm o poder de elaborar as listas dos deslocados que devem receber os socorros", lê-se no documento, segundo o qual, "em troca da inclusão nas listas, as lideranças locais exigem favores sexuais de mulheres e meninas vulneráveis".

A situação foi detetada sobretudo nos bairros de Pemba, capital da província, e menos frequentemente na província de Nampula e na generalidade dos campos de deslocados, mais organizados.

Segundo Borges Nhamire, as queixas que têm sido feitas pelos deslocados não têm tido consequências na punição dos infratores.

Por outro lado, o CIP refere que organizações governamentais e agências das Nações Unidas têm feito do assunto "um tabu", em vez de o denunciarem à luz do dia para que todos ficassem cientes de uma "tolerância zero" para o abuso sexual.

"O assunto tem sido tratado como um grande tabu pelas autoridades governamentais e pelas agências das Nações Unidas que coordenam a assistência aos deslocados em Cabo Delgado. O abuso de mulheres nunca foi relatado nos relatórios das agências da ONU", lê-se na publicação do CIP.

Borges Nhamire referiu à Lusa que a questão foi colocada a três organizações das Nações Unidas, o Programa Alimentar Mundial (PAM), a Organização Internacional das Migrações (OIM) e o Alto-Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR) "e não responderam", nem acerca deste assunto, nem de outros, "e não é da natureza destas organizações não responderem".

"As três optaram pelo silêncio: mandámos 'emails', cartas, fizemos telefonemas e nunca aceitaram responder. O assunto está a ser tratado como tabu", detalhou.

Se o tema não é tratado abertamente, os autores "vão pensar que podem, no escuro, abusar das mulheres e que não há risco", alertou, realçando que o contexto local é de pessoas "que não conhecem as leis internacionais, nem os limites do que podem ou não fazer". 

Nhamire reconheceu que o contexto não é fácil.

As autoridades "permitem que as ONG trabalhem desde que não contrariem a boa imagem do Estado ou das instituições governamentais" e "levantar este assunto estaria a pôr em causa a boa imagem. Por isso, muitas pessoas não falam disso".

No entanto, "o silêncio nunca é a melhor opção, porque o custo que tem para a vida das pessoas é muito alto", sobretudo para quem já é vítima de um conflito armado e que "não deve ser vítima duas vezes".

Borges Nhamire considerou importante que o Governo faça "um trabalho de base", referindo que está pouco presente em Cabo Delgado, segundo detalha o relatório: "há autoridades locais e voluntários", mas que "não têm vínculo com administração pública".

As próprias agências humanitárias não têm autoridade para punir os prevaricadores, acrescentou.

A par de denúncias de abusos sexuais, o CIP relata ainda queixas de desvio de ajuda humanitária pelos chefes locais.

A Lusa tentou obter reações por parte do Instituto Nacional de Gestão de Calamidades (INGC) moçambicano e das Nações Unidas em Moçambique ao relatório do CIP, mas, em ambos os casos, eventuais declarações foram remetidas para mais tarde.

O relatório daquela organização refere no título que os deslocados internos em Moçambique cresceram 2700% em dois anos e que representam atualmente 1,4% da população do país - 424.002 pessoas de uma população total de 29 milhões.

O conflito armado em Cabo Delgado dura há três anos, provocando entre 1.000 e 2.000 mortos, e alguns dos ataques da insurgência têm sido reivindicados desde junho de 2019 pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico, sendo que a verdadeira origem da violência continua sob debate.

Este ano, as incursões e a ocupação de vilas durante alguns períodos agravaram-se.

A diplomacia da União Europeia (UE) garantiu na quarta-feira "acompanhar de forma próxima" a onda de violência em Cabo Delgado, indicando que elegerá em "próximos diálogos políticos" com o Governo moçambicano a ajuda a disponibilizar.

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