A cerimónia terá lugar em Juba, a capital do vizinho Sudão do Sul, cujos líderes lutaram durante 40 anos contra o poder em Cartum, antes de conquistarem a independência em 2011, com o saldo sangrento dos dois milhões de mortos e quatro milhões de desalojados. Hoje, as relações entre os líderes dos dois países são calmas e mesmo amistosas.
As autoridades de Cartum, que integram militares e civis na sequência da revolta popular que pôs fim à ditadura de 30 anos de Omar al-Bashir, em abril de 2019, fizeram da paz com os rebeldes a prioridade.
À partida para Juba, o primeiro-ministro sudanês, Abdallah Hamdok, considerou esta sexta-feira que o acordo de paz que hoje será assinado pelo executivo de transição que dirige e por cinco movimentos armados é uma oportunidade única para o Sudão desde a sua independência.
Hamdok - que dirige o governo de transição acordado com os militares após a queda do ditador Omar al-Bashir -- considerou que o acordo representa uma oportunidade para o alcance de "um equilíbrio entre a paz global e a transição para a democracia", que pode conduzir à estabilidade política e ao desenvolvimento no Sudão, pela primeira vez desde a sua independência em 1956.
"O maior desafio agora é trabalhar com os nossos parceiros locais e internacionais para preservar e promover o acordo e os seus benefícios para o nosso povo, e implementá-lo no terreno", acrescentou Hamdok através da rede social Twitter.
"Este é um dia histórico. Esperamos que a assinatura ponha fim aos combates para sempre e abra o caminho ao desenvolvimento", disse em declarações à agência France-Presse na passada quinta-feira Souleiman al-Dabailo, membro da comissão de paz do Governo sudanês.
"O acordo será assinado por todos os movimentos rebeldes, exceto dois, mas esperamos que a assinatura os encoraje a juntarem-se ao processo porque o documento aborda os problemas de forma realista e, se implementado à letra, conduzirá à paz", acrescentou Dabailo.
O texto será assinado pelo poder em Cartum e, no lado rebelde, pela Frente Revolucionária do Sudão (RSF, na sigla em inglês), uma aliança de cinco grupos rebeldes e quatro movimentos políticos das regiões de Darfur (oeste), Kordofan do Sul (sul) e Nilo Azul (sul).
Duas fações armadas, o Movimento de Libertação do Sudão (SLM), uma filial de Abdelwahid Nour em Darfur, e a SPLA-Norte, de Abdelaziz al-Hilu, no Kordofan do Sul e Nilo Azul, recusaram-se até agora a assinar o acordo de paz.
A guerra em Darfur fez, pelo menos, 300.000 mortos e provocou a deslocação de 2,5 milhões pessoas desde o seu início, em 2003, de acordo com a ONU, e afetou cerca de um milhão de pessoas nas outras duas regiões.
O acordo estende-se por oito protocolos: propriedade da terra, justiça transitória, reparações e compensações, desenvolvimento do setor nómada e pastorício, partilha de riqueza, partilha de poder e regresso dos refugiados e pessoas deslocadas.
Também estipula o eventual desmantelamento de grupos armados e a integração dos seus efetivos no exército, que deve ser representativo de todas as componentes do povo sudanês.
"Este dia marca o sucesso da nossa revolução e da nossa luta contra o antigo regime. O acordo ataca as raízes da crise e abre o caminho para a democracia", disse à AFP o porta-voz da FRS, Oussama Said.
Para Said, o acordo respalda as palavras de ordem da revolução "liberdade, paz e justiça" e "leva a julgamento aqueles que cometeram crimes contra os sudaneses".
Mas o caminho está cheio de obstáculos. De acordo com Osman Mirghani, editor do diário sudanês Al Tayyar, o acordo prevê a partilha do poder entre as autoridades e os signatários rebeldes, mas "o que acontece com os não signatários" oferece razões de preocupação, como o provam o ataque a uma força do exército sudanês no início desta semana levado a cabo pelo Movimento de Libertação do Sudão (SLM, na sigla inglesa) de Abdelwahid Nour, em Baldong, nas montanhas Marra, no centro da região de Darfur.
"O acordo vai ser muito caro", disse, por outro lado, o investigador sudanês Jean-Baptiste Galoppin. "Sem ajuda externa, o Governo não será capaz de o financiar porque a economia está em colapso. A prioridade financeira será provavelmente a integração de milhares de combatentes, à custa da sua desmobilização ou compensação das vítimas dos conflitos", acrescentou.
"Existe o risco de uma grande parte de as provisões no acordo permanecerem letra morta. Mas não é essa a questão. O que está em jogo é uma reorganização do equilíbrio nacional de poder entre as regiões", acrescentou o investigador.