Hong Kong: Corrida aos jornais mostra defesa da liberdade de imprensa
O presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong disse hoje à Lusa que a corrida para comprar exemplares do jornal alvo de buscas na véspera mostra que a população está disposta a "defender a liberdade de imprensa".
© Getty Images
Mundo Hong Kong
"Foi um ataque à liberdade de imprensa, e as pessoas sentem que têm de fazer o que puderem para, com o dinheiro do próprio bolso, apoiarem vozes independentes", disse hoje à Lusa o presidente da Associação de Jornalistas de Hong Kong, Chris Yeung.
As filas para comprar o diário Apple Daily -- alvo de buscas na segunda-feira, numa operação policial que envolveu 200 agentes, após a detenção do seu proprietário, ao abrigo da polémica lei da segurança nacional -- começaram a formar-se pouco depois de os jornais chegarem aos pontos de venda, contou Chris Yeung, mas a mobilização começou antes.
"O apoio e a simpatia pelo jornal surgiram logo [que foi alvo de buscas], mas havia dúvidas sobre se iria ser publicado", recordou o responsável da associação de jornalistas.
Mais tarde, o diário "anunciou publicamente que ia continuar em atividade", levando a um apoio impressionante da população, disse Chris Yeung.
"Às primeiras horas do dia, pouco depois da meia-noite, quando os jornais são enviados para as bancas, as pessoas fizeram fila para arrebatarem alguns exemplares. Algumas compraram mais de uma centena, outras dezenas ou dúzias, para os distribuírem gratuitamente e mostrarem o seu apoio, não só ao jornal, como à liberdade de imprensa", disse.
O Apple Daily, considerado uma das vozes mais críticas de Pequim, antecipou a procura, imprimindo 550 mil exemplares, contra 70 mil em circunstâncias normais.
Na manchete, o jornal mostra uma foto de página inteira do seu proprietário, o magnata Jimmy Lai, escoltado pela polícia, com o título "O Apple [Daily] vai continuar a lutar".
Para o responsável da associação de jornalistas do território, "perante a perspetiva da erosão da liberdade de imprensa, há um sentimento de crise na sociedade de que tem de se fazer o que se puder para a defender", considerou.
Os receios manifestados pelos jornalistas de Hong Kong aquando da aprovação da lei da segurança nacional, no final de junho, confirmaram-se "muito mais cedo do que o esperado", lamentou Yeung.
"É muito pior do que pensávamos", criticou, apontando ainda que à associação chegaram queixas de jornalistas a quem foi recusado acesso para noticiar as buscas, na segunda-feira.
"É um afastamento do princípio de acesso justo, e é outro mau sinal da erosão de liberdade de imprensa aqui [em Hong Kong]", criticou.
Na segunda-feira, o Clube de Correspondentes Estrangeiros (FCC, na sigla em inglês) de Hong Kong condenou as buscas ao Apple Daily e a detenção do seu proprietário, denunciando igualmente a discriminação no acesso dos jornalistas à informação.
"Durante as buscas na redação, a polícia de Hong Kong bloqueou o acesso de vários meios de comunicação social, locais e internacionais, a uma conferência de imprensa na sede do Apple Daily", denunciou o FCC em comunicado.
"A polícia no local disse que 'apenas aqueles que não têm estado a obstruir a polícia no passado [estavam] convidados' para o 'briefing'", acusou a associação.
O FCC condenou ainda o facto de os agentes terem sido "vistos a folhear notas e papéis nas secretárias dos repórteres", em imagens transmitidas em direto nas redes sociais pelos jornalistas do diário.
Em resposta, o porta-voz do Comissariado do Ministério dos Negócios Estrangeiros chinês no território instou hoje a organização de correspondentes estrangeiros "a parar de manchar" a lei da segurança nacional, avisando que "não existe liberdade de imprensa absoluta [...] em nenhuma parte do mundo".
"Instamos o FCC Hong Kong a respeitar os factos, a distinguir o certo do errado, e a parar de manchar a implementação da Lei de Segurança Nacional, a pretexto da liberdade de imprensa", pode ler-se num comunicado dirigido à associação.
O magnata dos 'media' de Hong Kong Jimmy Lai, altamente crítico de Pequim, foi detido na segunda-feira, tal como dois dos seus filhos e vários executivos do grupo Next Digital, sob a acusação de "conluio com forças estrangeiras" e fraude, ao abrigo da nova lei de segurança.
A lei imposta por Pequim ao território criminaliza atos secessionistas, subversivos e terroristas, bem como o conluio com forças estrangeiras para intervir nos assuntos da cidade.
Hong Kong regressou à soberania da China em 1997, com um acordo que garante ao território 50 anos de autonomia a nível executivo, legislativo e judicial, bem como liberdades desconhecidas no resto do país, ao abrigo do princípio "um país, dois sistemas", também aplicado em Macau, sob administração chinesa desde 1999.
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