Província de Nampula é "reservatório de recrutamento" de grupos armados
O investigador moçambicano Salvador Forquilha considerou hoje a província de Nampula, norte de Moçambique, um "reservatório de recrutamento" de membros dos grupos armados que atuam em Cabo Delgado, assinalando que as duas províncias têm "dinâmicas semelhantes".
© Lusa
Mundo Moçambique
Salvador Forquilha defendeu essa tese, durante um "webinar" sobre o tema "Pode Nampula ajudar a pensar no conflito em Cabo Delgado?", promovido pelo Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE) de Moçambique, uma entidade de pesquisa académica independente.
"A insurgência em Cabo Delgado serve-se de Nampula como reservatório de recrutamento [de membros]", declarou Forquilha, diretor do IESE e que está envolvido em trabalhos de pesquisa sobre a violência armada em Cabo Delgado.
O facto de Nampula ser vizinha da província de Cabo Delgado, a presença de várias formas de Islão em ambas as províncias e a extrema pobreza são fatores que podem ajudar a explicar o recrutamento de jovens para os grupos armados que atuam em Cabo Delgado.
"Jovens pescadores de distritos costeiros de Nampula, numa situação de pobreza e em conflito com o Estado, veem perspetivas em migrar para Cabo Delgado, onde acabam ingressando na insurgência", enfatizou Salvador Forquilha.
Sobre o facto de a violência armada não ter eclodido em Nampula, apesar de a província ter a maioria da população muçulmana em Moçambique, o investigador assinalou que o fenómeno ainda terá de ser estudado.
Lorenzo Macagno, professor associado do Departamento de Antropologia da Universidade de Paraná, Brasil, defendeu que a ação de grupos armados em Cabo Delgado pode ser entendida como expressão 'jihadista' de tensões que vêm marcando o Islão em Moçambique, há várias décadas.
"Conheci na província de Nampula um Islão hospitaleiro e pacífico, mas sei que também tem sido marcado por tensões internas e que agora conhecem uma extrapolação 'jihadista' em Cabo Delgado", referiu.
Este investigador, que fez um trabalho de campo sobre o Islão na província de Nampula, defendeu que os grupos que atuam em Cabo Delgado advogam o regresso a uma utopia de um Islão exemplar e anti-Estado laico.
"[Os grupos armados] apresentam-se como messiânicos e com uma agenda de salvação de um Islão que combate muçulmanos considerados apóstatas e que colaboram com o Estado laico", caraterizou o investigador.
Para o académico, a pobreza, repressão do Estado e presença de capital estrangeiro em projetos de gás natural em Cabo Delgado não são suficientes para explicar a insurreição armada na província, porque aqueles fatores estão presentes em várias partes de África e do mundo, mas não há "empreendimentos 'jihadistas'".
Lorenzo Macagno avançou que os moçambicanos não devem encarar o Islão como um fator de conflitualidade, mas como um património histórico a preservar, lembrando que a fé islâmica é anterior ao catolicismo transportado pelos colonizadores portugueses para o território que é hoje Moçambique.
Por seu turno, Eric Morier Ginoud, investigador e docente da Universidade de Queen, Irlanda do Norte, alertou para o risco de diabolização do Islão por força do entendimento de que todo o desvio ao "Islão habitual" é violento.
"Não há uma forma de fundamentalismo, há vários fundamentalismos e nem todos são violentos e nem todos se traduzem no 'jihadismo'", disse Eric Morier Ginoud, com estudos sobre Moçambique.
A compreensão de uma possível influência do Islão na violência em Cabo Delgado passa por compreender as dinâmicas desta religião fora das instituições islâmicas, nomeadamente o desenvolvimento de seitas, defendeu o investigador.
Cabo Delgado é desde outubro de 2017 palco de ações de grupos armados, que, de acordo com as Nações Unidas, forçaram à fuga de 250.000 pessoas de distritos afetados pela violência, mais a norte da província.
A capital provincial, Pemba, tem sido o principal refúgio para as pessoas que procuram abrigo e segurança em Cabo Delgado, mas há quem prefira fugir para outros lugares, incluindo Niassa e Nampula, províncias vizinhas.
O conflito armado naquela província já matou, pelo menos, 1.000 pessoas, e algumas das ações dos grupos armados têm sido reivindicadas pelo grupo 'jihadista' Estado Islâmico (EI).
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