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Argélia: 'Hirak' entra no segundo ano de protestos perante desafios

O 'Hirak', o inédito movimento de protesto popular pacífico que agita a Argélia desde fevereiro de 2019, entra no segundo ano confrontado com numerosos desafios, em particular a atitude face a um "sistema" político que tem emitido sinais contraditórios.

Argélia: 'Hirak' entra no segundo ano de protestos perante desafios
Notícias ao Minuto

08:20 - 20/02/20 por Lusa

Mundo Argélia

Em 22 de fevereiro de 2019 os argelinos insurgiram-se pacificamente contra a perspetiva de um 5º mandato do presidente Abdelaziz Bouteflika e com o 'Hirak', a designação do movimento popular, a Argélia entra numa nova fase.

Apesar da imprevisibilidade sobre a evolução da situação política, o 'Hirak', que agora celebra 53 sextas-feiras sucessivas de manifestações, tornou-se fator incontornável no país do Magrebe.

A crise do regime, o confronto entre um poder anquilosado e a dinâmica de um amplo e contínuo protesto popular, a irrupção do passado colonial e da guerra de libertação nacional para perspetivar um futuro diferente, as manifestações nas regiões esquecidas (em particular na Cabília e no sul), os protestos de emigrantes argelinos, permitiram especular sobre a natureza do "Hirak": revolta, rebelião, levantamento popular, ou revolução.

Pouco antes de eclodir, este movimento era pouco previsível devido à constante "chantagem" do regime destinada a desencorajar qualquer contestação. O aparelho político-militar preparava-se para reconduzir um presidente incapacitado, mas subestimou uma crescente e latente revolta que iria submergir o país magrebino.

A juventude, atingida por um desemprego massivo, radicaliza-se e recusa continuar a ser representada por um octogenário, imobilizado numa cadeira de rodas. Há um ano, os apelos a protestos para o dia 22 de fevereiro multiplicavam-se nas redes sociais, num país onde 54% da população tem menos de 30 anos e que desde 2001 proibia as manifestações de rua na capital.

Um fator que também demonstrou a profunda transformação da sociedade argelina, com destaque para a sua juventude diplomada, ligada pela net e com grande participação das mulheres.

Poucos acreditavam no sucesso do movimento até essa sexta-feira, quando em várias cidades do país, sobretudo em Argel, as forças policiais se mostraram incapazes de controlar os manifestantes pacíficos que conquistavam as ruas.

Bouteflika foi afastado em abril por pressão popular, e ainda pelas jogadas de bastidores da hierarquia militar, mas os manifestantes não conseguiram desmantelar o sistema político autoritário que dirige o país desde a independência em 1962.

No entanto, o regime foi forçado a diversas concessões. Ministros, altos funcionários, oficias superiores, empresários, que acumulavam grande poder, foram presos ou afastados.

Mas as exigências populares sobre a formação de um governo com personalidades independentes, ou a reforma das instituições, através da eleição de uma Assembleia constituinte, permanecem por cumprir.

Após vários adiamentos, o regime promoveu eleições presidenciais com uma abstenção recorde, mas que permitiu restaurar uma aparência de normalidade. Eleito em 12 de dezembro de 2019, Abdelmadjid Tebboune aumentou a sua margem de manobra após a morte do chefe de estado-maior Ahmed Gaïd Salah, seu principal apoio e o homem forte do país.

Com as eleições presidenciais, iniciou-se uma segunda fase do processo, ainda caracterizado pela improbabilidade, incerteza e instabilidade. Para os argelinos e argelinas de todas as idades que têm descido às ruas para exigir um "Estado civil e não militar", as mudanças anunciadas "apenas servem para que tudo fique na mesma".

A principal reivindicação sobre a mudança de regime e do sistema está longe de ser cumprida. Mas diversos analistas da política interna têm sublinhado que o maior sucesso do 'Hirak' foi a tomada de consciência dos argelinos e o seu desejo de regressar à ação política sem receio do cenário da guerra civil, a "década negra" iniciada em 1992 após o golpe militar que impediu a vitória dos islamitas nas legislativas.

Ao entrar no seu segundo ano, o 'Hirak' tem sido criticado por nunca se ter estruturado politicamente, enquanto permanecem muitas interrogações, em particular o que farão os militares num contexto de crescentes dificuldades económicas e uma eventual abertura do jogo político que permita mais margem da manobra à oposição.

A conquista do "espaço público", da "rua cidadã", de forma prolongada e pacífica, e a reapropriação da história nacional têm sido apontadas como importantes contribuições do "Hirak". A contestação redefiniu as regras do jogo político, num país com uma oposição frágil e até então marcado pela opacidade e violência.

Um ano após o início do "Hirak", as manifestações são menos compactas, mas a mobilização permanece forte. O movimento mantém-se cauteloso face às mudanças prometidas pelo novo Presidente, mas continua com dificuldades em estruturar-se e definir o caminho a seguir.

Para hoje, em Argel, diversos coletivos da sociedade civil que surgiram na sequência do 'Hirak' promovem uma "conferência unitária" para assinalar o primeiro aniversário do início da contestação.

No encontro, será submetida aos participantes uma 'Proclamação do 22 de fevereiro' com o objetivo de criar uma frente que reagrupe todos os militantes do 'Hirak' e as forças presentes no movimento para "retomar a iniciativa política", segundo os organizadores. Face a este salto qualitativo, poderá aguardar-se uma resposta do "sistema", que o 'Hirak' ainda não desistiu de derrubar.

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