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Revolta popular na Argélia deve prosseguir apesar das presidenciais

As eleições presidenciais de quinta-feira na Argélia elegeram um antigo primeiro-ministro produto de um "sistema" contestado nas ruas, desde fevereiro, por um movimento que não deverá esmorecer num escrutínio em que a taxa de abstenção se aproximou dos 60%.

Revolta popular na Argélia deve prosseguir apesar das presidenciais
Notícias ao Minuto

14:43 - 14/12/19 por Lusa

Mundo Argélia

O "Hirak", o inédito movimento popular de contestação ao regime na Argélia, entrou em finais de novembro no seu 10.º mês com a recusa de qualquer "marcha atrás" e apelos ao boicote eleitoral com ampla repercussão.

No rescaldo deste atípico escrutínio, considerado pelos opositores uma manobra do regime para se regenerar e preservar, foi eleito para a Presidência Abdelmadjid Tebboune, 73 anos, antigo chefe de governo e ministro do ex-Presidente Abdelaziz Bouteflika.

O "Hirak" (Movimento) foi na prática iniciado em 19 de fevereiro, com a primeira grande manifestação três dias depois, após um apelo nas redes sociais contra a candidatura a um quinto mandato presidencial de Bouteflika, há 20 anos no poder e muito debilitado.

Quase de imediato alastrou pelo país, com o centro da contestação na capital, Argel. Desde então, têm ocorrido protestos ininterruptos todas as terças e sextas-feiras.

Após ter obtido a demissão de Bouteflika em abril, o "Hirak" não esmoreceu, pretende ir "até ao fim" e impor o derrube de um poder que considera responsável pelo naufrágio do projeto nacional concebido na independência em 1962, após 132 anos de domínio colonial francês.

"Pedimos a liberdade e não recuaremos", tem sido um dos motes das manifestações, com grande mobilização nas principais cidades do país magrebino, o maior de África em superfície e rico em matérias-primas, em particular hidrocarbonetos.

Ao exigiram a formação de instituições de transição para substituir as atuais autoridades, os contestatários recusavam que os novos dirigentes, representados desde a partida de Bouteflika pelo general Ahmed Gaid Salah, chefe de Estado-Maior, organizassem qualquer escrutínio.

As presidenciais, após intensa pressão da liderança militar, foram convocadas pelo chefe de Estado interino Abdelkader Bensalah para 12 de dezembro.

"Com os generais no lixo, a Argélia obterá a sua independência", têm ecoado com insistência os manifestantes deste movimento que denuncia a função central ocupada desde 1962 pelo alto comando do Exército Nacional Popular (ANP, na sigla em francês, as Forças Armadas) no opaco mecanismo de decisão na Argélia e no controlo dos seus recursos.

Para atenuar a amplitude dos protestos, o poder tentou impedir os habitantes do resto do país de se dirigirem para a capital, através de barragens nas estradas, ou perturbar a Internet para impedir a retransmissão vídeo dos desfiles.

Os dirigentes transitórios optaram ainda pela repressão e a intimidação. O Comité Nacional para a Libertação dos Detidos (CNLD) referiu-se em finais de outubro a mais de 100 prisioneiros por delito de opinião, e a algumas dezenas de condenações por exibirem a bandeira amazigh (berbere).

O empenho dos jovens teve uma função determinante nesta ampla ação de contestação, e diversas organizações de juventude denunciaram as "práticas condenáveis, escandalosas e despóticas de um regime agonizante que se pretende manter custe o que custar".

O "Hirak" também demonstrou uma nova maturidade política que faz supor que o traumatismo da "década negra" -- a guerra civil que se seguiu ao golpe de Estado de 1991 após a vitória eleitoral da Frente Islâmica de Salvação (FIS) nas legislativas, com um balanço de pelo menos 200 mil mortos -- terá sido ultrapassado.

Em junho, o general Gaid Salah tentou dividir o "Hirak" ao proibir a bandeira amazigh nos protestos, uma questão sensível e que poderia provocar confrontos entre pró-berberes e pró-árabes.

Mas o efeito foi o oposto, com um crescendo da mobilização popular, de características pacíficas, um menosprezo pelas fraturas ideológicas, e com as principais formações islamitas a optarem pelo boicote eleitoral e a manterem uma atitude muito discreta durante os mais de dez meses de ininterruptos protestos.

Após a confirmação das presidenciais, em que se apresentaram cinco candidatos com antigas ou atuais ligações ao regime, o general Salah referiu-se ao "entusiasmo popular" e às marchas "espontâneas que apoiam o exército (...) e a realização das presidenciais".

Apesar de os 'media' argelinos se terem referido a algumas manifestações de apoio ao poder e ao escrutínio presidencial, tiveram pouca mobilização se comparadas com os desfiles que contestavam as presidenciais e que voltaram a mostrar a sua força na sexta-feira, após o anúncio dos resultados.

A comprovação do fracasso eleitoral foi aliás anunciada pela própria autoridade eleitoral criada pelo regime, ao admitir uma taxa de participação de 39,83, a mais baixa dos escrutínios pluralistas da história do país.

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