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Chã das Caldeiras volta ao mapa cinco anos depois da destruição da lava

Cinco anos depois da erupção que apagou Chã das Caldeiras do mapa, a população, a quase 2.000 metros de altitude na ilha cabo-verdiana do Fogo, continua a regressar à terra, tentado reconstruir o que ficou apenas na memória.

Chã das Caldeiras volta ao mapa cinco anos depois da destruição da lava
Notícias ao Minuto

06:51 - 22/11/19 por Lusa

Mundo Cabo Verde

Pelas 9h45 do dia 23 de novembro de 2014, o vulcão do fogo entrou em erupção e a lava só parou de correr 77 dias depois. Nesse dia de novembro, Chã das Caldeiras, uma aldeia do município de Santa Catarina, junto ao vulcão do Fogo, então com 210 famílias, cerca de 1.300 pessoas e uma dezena de pensões para turistas, tinha desaparecido.

Tal como em todas as anteriores, não se registam vítimas mortais, mas a violência da erupção levou à emissão de 11 mil toneladas de gases por dia, formando uma enorme coluna eruptiva que ainda hoje existe na envolvente da aldeia, chegando a quase 2.100 de altitude, enquanto o pico da ilha e de Cabo Verde fica mais acima, a 2.829 metros, permanecendo ativo, com uma caldeira de oito quilómetros de diâmetro.

"Conseguiu engolir todos os pertences, as construções, as habitações, os hotéis, as pensões. Foi tudo engolido pelas lavas. Era preciso reconstruir Chã das Caldeiras", explicou, em entrevista à Lusa, o presidente da Câmara de Santa Catarina do Fogo, Alberto Nunes.

Em 2014, o então professor de História e agora autarca estava a concluir o livro sobre a aldeia: "Chã das Caldeiras -- História, Cultura e Potencialidades -- 1912 -- 2014".

"Passei então quase dois dias a mudar os verbos no livro. Em vez de [Chã das Caldeiras] é... era", recorda.

A erupção colocou "na rua milhares de pessoas de todos os cantos e recantos da ilha, nas entradas centenas de viaturas e no mar alguns barcos", lê-se numa passagem do livro de Alberto Nunes.

Se na erupção de 1995 estudava fora da ilha e viveu tudo à distância, na de 2014, ainda antes de ser eleito presidente da Câmara, ajudou a retirar a população que teve de deixar o pouco que sobrou para trás. Muitas famílias foram realojadas pelas localidades vizinhas de Santa Catarina, Mosteiros ou São Filipe, outras resistiram com o que pouco que sobrou na aldeia.

"Algumas dessas famílias ainda não regressaram", admite Alberto Nunes.

As lavas que então correram em várias frentes durante mais de dois meses provocaram a destruição total dos principais povoados de Chã das Caldeiras e de uma área agrícola significativa, deixando centenas sem as casas já de si humildes, mas sobretudo sem meios de de subsistência, por falta de terrenos férteis.

Aos poucos, a população tenta regressar a uma Chã das Caldeiras que se vai reerguendo das cinzas, com casas em construção, em rocha, recorrendo à crosta da lava solidificada, embora por vezes sem respeitar as diretrizes de um plano de reabilitação desenhado há dois anos por especialistas das Canárias, em Espanha.

"Começamos com a construção de um jardim de infância. Agora temos um gabinete técnico com experiência na área da construção e estamos a implementar o plano com um certo rigor, embora exista uma certa desordem que estamos a tentar controlar, sem que haja sobressaltos. Porque são famílias que saíram de uma catástrofe", assume o autarca.

"É preciso analisar dentro do contexto social", reforça, garantindo que a opção tem sido a sensibilização da população, no que toca à reconstrução que vai tomando conta, paulatinamente, da aldeia.

Numa espécie de estaleiro familiar, em que todos se ajudam e em permanente trabalho, no meio de um verdadeiro mar de lava solidificada, uma dezena de pensões já estão em funcionamento, garantindo cerca de 100 camas, próximo da capacidade anterior à erupção.

No meio de um cenário ainda marcado pela escuridão do que outrora foi um mar de lava e fogo, que ainda deixa a descoberto telhados de casas engolidas às quais ninguém voltou, as famílias têm ainda outra necessidade em comum: encontrar novos espaços de cultivo, não fosse Chã das Caldeiras, pelas suas características únicas, local privilegiado para o cultivo da vinha, fruta, feijão e outros, afirmando-se como uma espécie de pequeno celeiro de Cabo Verde.

"As famílias procuram novos espaços, porque os anteriores foram engolidos pelas lavas. As perdas, mesmo sendo materiais, são incalculáveis. Sobrou muito pouca coisa", conta Alberto Nunes.

Agora, obedecendo ao plano de intervenção definido para a aldeia, após a primeira fase em que foi construído o arruamento principal, decorrem obras para levar água canalizada, eletricidade e a rede de saneamento básico a todas as casas e pensões.

"São inovações que não existiam em Chã das Caldeiras antes da erupção. Acho que está melhor", brinca o autarca.

A uma hora de viagem de carro de São Filipe, a cidade mais próxima e capital da ilha, na aldeia de Chã de Caldeiras as aulas do ensino primário, são dadas num espaço improvisado a duas turmas em simultâneo e não há posto médico ou polícia.

As duas pequenas capelas da aldeia, uma católica, dedicada à Nossa Senhora Rainha de Cabo Verde, e outra adventista do sétimo dia, separadas por poucos metros, foram engolidas pela lava e estão a ser reconstruídas, aos poucos, pela população.

Ainda assim, as autoridades têm para apresentar um acesso melhorado ao topo do vulcão, através de um anel rodoviário que se espera estar concluído em junho próximo e que permite facilitar o socorro em caso de nova erupção, mas servindo diariamente para escoar a produção agrícola e levar o turismo.

"Com mais turistas há mais economia, há mais rendimento nas famílias", insiste Alberto Nunes, para quem Chã das Caldeiras é hoje "outra realidade" e está mais preparada para lidar com nova erupção, por exemplo com novos meios de socorro que servem toda a ilha.

"Mas o que fica da antiga Chã da Caldeiras é uma memória interessante, de pessoas humildes e trabalhadoras. São pessoas que batalham muito para viverem com dignidade", remata o autarca.

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