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Acordo "evitará o pior", mas "não sem que ambas as partes saiam feridas"

O processo de saída do Reino Unido da União Europeia conheceu desenvolvimentos esta quinta-feira, com as duas partes a chegarem a um acordo. Ainda assim, estará o caminho aberto para um Brexit totalmente desbloqueado?

Acordo "evitará o pior", mas "não sem que ambas as partes saiam feridas"
Notícias ao Minuto

08:20 - 18/10/19 por Beatriz Vasconcelos

Mundo Brexit

O Reino Unido e Bruxelas 'apertaram as mãos', na quinta-feira, e colocaram termo a vários meses de negociação ao chegarem a um acordo para o processo de saída dos britânicos da União Europeia (UE) - processo também conhecido como Brexit. Porém, apesar de já ter 'luz verde' por parte dos líderes europeus, do lado britânico são necessárias ainda negociações de bastidores para que o documento garanta a aprovação, no sábado, dia 19 de outubro, no parlamento britânico. 

Pode parecer confuso, porque há um acordo entre as duas partes, mas na verdade ainda nada é certo. "Apesar de a notícia do dia [de quinta-feira] ter parecido positiva, são mais as nuvens do que o céu claro a dominar o panorama do Brexit", explica Germano Almeida, analista de política internacional, em declarações ao Notícias ao Minuto

Afinal, o que ainda falta para o Brexit ser uma realidade e quais os cenários que ainda estão em cima da mesa?

Esta quinta-feira, a meio da manhã, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, fizeram saber que o Reino Unido e Bruxelas tinham chegado a um acordo para uma saída ordenada do Reino Unido - fazendo cumprir a vontade expressa por 51,9% dos britânicos aquando do referendo de há três anos. 

No entanto, Germano Almeida lembra que os argumentos da saída se fundamentaram em "mentiras e imprecisões", e justifica: "Após o abandono da UE, os britânicos 'retomariam o controlo' do seu país, como se alguma vez tivessem perdido a soberania do mesmo. Londres daria por semana 3,5 mil milhões de libras [cerca de quatro mil milhões de euros] a Bruxelas, supostamente retirados do serviço nacional de saúde inglês, para financiar a saúde dos europeus, uma mentira tão descarada que os próprios 'Brexiteers', após os resultados do referendo, se apressaram a desmenti-la".

[O acordo] pode garantir a Juncker uma saída honrosa do cargo de presidente da Comissão [Europeia], mas sem a questão das Irlandas totalmente clarificada, não pode ser considerado um bom acordo

Afinal, este é (ou não) um bom acordo?

As duas partes gritaram vitória ao dizerem que é um acordo positivo para ambos. De um lado, o negociador-chefe da União Europeia para o Brexit, Michel Barnier, deixou claro que este acordo assegura "todos os direitos". Do outro, Boris apelou aos deputados britânicos para se unirem e votarem a favor do documento. 

"É o acordo possível, evita um caos que duraria semanas ou meses no Reino Unido e possivelmente em alguns países europeus também. Pode garantir a Juncker uma saída honrosa do cargo de presidente da Comissão [Europeia], mas sem a questão das Irlandas totalmente clarificada, não pode ser considerado um bom acordo", aponta o analista de política internacional. 

Além disso, lembra Germano Almeida, mais nenhum país mostrou vontade de sair do bloco comunitário, o que poderá fazer com que venha a acontecer "ironicamente, não o fim do projeto europeu mas o fim do Reino Unido – por um possível regresso da violência, caso seja retomada a fronteira entre as Irlandas, duas décadas depois da política e da diplomacia terem resolvido um problema profundíssimo, e tudo indica que poderá também ditar a independência da Escócia. Ao contrário de Inglaterra e [o País de] Gales, que no referendo votar pela 'leave' (deixar a UE), Escócia e Irlanda do Norte votaram pelo 'remain' (continuar na UE)", recorda.

Na prática, este acordo para uma saída ordenada retira de cena alguns problemas. "Evita-se um caos alfandegário, evita-se a rutura da stocks nos medicamentos e em alguns alimentos - convém recordar que o Reino Unido importa da UE 53% do que consome diariamente. Os direitos dos cidadãos da UE a viver no Reino Unido (mais de três milhões) ficam também mais protegidos. Mas as consequências serão, na mesma, muito negativas", remata o analista. 

Se o acordo não passar – e, olhando para os dados que há neste momento, creio que não vai passar – o governo britânico deixa de ter poder para avançar com o Brexit até 31 de outubroE se o parlamento britânico não aprovar o acordo?

A questão que se coloca neste momento, e que ditará um impasse até sábado, é se os deputados britânicos aprovam o acordo que Boris Johnson negociou e aprovou junto da União Europeia, esta quinta-feira. Importa recordar que já vimos esta situação por três vezes no passado recente, com Theresa May ainda na liderança do Reino Unido. 

Na opinião de Germano Almeida, o cenário não se adivinha fácil. "Se o acordo não passar – e olhando para os dados que há neste momento, creio que não vai passaro governo britânico deixa no sábado de ter poder para avançar com o Brexit até 31 de outubro, uma vez que a Lei Benn impede o executivo de concretizar a saída do Reino Unido da UE de forma desordenada."

Assim sendo, se o acordo não for aprovado restam apenas duas hipóteses: "Ou Boris Johnson pede a Bruxelas, a contragosto e quebrando a promessa feita, nova extensão do prazo, possivelmente por mais dois meses, ou desrespeita a Lei Benn e assume as consequências de uma saída desordenada e à revelia de Westminster. Há quem considere isso possível, numa interpretação extensiva do poder do governo, mas é altamente improvável e certamente levaria a mais batalhas nos tribunais (sendo que até agora o governo de Johnson as perdeu todas)".

Qual é o cenário mais provável neste momento?

Perante tudo isto e com a impossibilidade em cima da mesa de os deputados britânicos aprovarem o acordo no sábado, a hipótese mais provável é que haja um novo adiamento do Brexit por mais dois meses

"O cenário de um novo adiamento por mais dois meses acaba por ser, nesta altura, o mais provável. Não parece crível que até domingo, os unionistas da Irlanda do Norte recuem na sua oposição a este acordo. E a própria posição dos Estados-membros da UE abre caminho a essa nova extensão do prazo – depois de se terem demarcado da ideia mais otimista do presidente Juncker de que um novo adiamento estaria fora de hipótese. Não há aposta segura nisto do Brexit, mas diria que se tivesse que apostar numa só possibilidade, seria a de um adiamento de dois meses que permitisse limar as últimas arestas que faltam resolver no dilema das Irlandas", antecipa Germano Almeida. 

Esta manhã de quinta-feira, sublinhe-se, o negociador-chefe da UE, Michel Barnier, confidenciou que Boris Johnson tinha dito ao presidente da Comissão Europeia que confiava que poderia convencer a maioria dos parlamentares britânicos a aprovar o novo texto acordado. Por isso, é de esperar que esta sexta-feira decorram negociações de bastidores. 

Até o primeiro-ministro português, António Costa, afirmou ter dito ao líder dos Trabalhistas britânicos e maior partido da oposição, Jeremy Corbyn, que chegou o momento de colocar o interesse geral acima das conveniências partidárias, apelando à aprovação pelo parlamento britânico do acordo. Isto, depois de Corbyn ter dito que ia pedir um referendo ao mesmo documento

O que se sabe também é que o Partido Democrata Unionista (DUP) vai votar contra, justificando que o acordo ignora o processo de paz para a Irlanda do Norte e vai contra os interesses de longo prazo da província britânica.

Aliado do governo no parlamento, o DUP é importante não só devido ao voto dos seus 10 deputados, mas também por causa da influência junto de um grupo de deputados eurocéticos do partido Conservador.

Mais, destaca Germano Almeida, "convém lembrar que Boris Johnson perdeu nas últimas semanas 21 deputados que eram da bancada conservadora e se rebelaram por divergir da via do primeiro-ministro britânico de avançar com o Brexit mesmo que não haja acordo". 

Uma saída com acordo evitará o pior – e será uma questão de tempo até que Reino Unido e UE retomem a normalidade possível. Não sem que ambas as partes saiam feridas deste lamentável processoSe a saída do Reino Unido da UE se verificar, como fica a relação entre as duas partes? 

Não restam dúvidas de que não serão como até agora, mas a verdade é que o "Reino Unido continuará a precisar muito da Europa e a Europa do Reino Unido". Ainda assim, a previsão de Germano Almeida é que a nação insular se volte para outros mercados, de modo a responder às suas necessidades sem depender tanto da UE. 

"É possível que os britânicos se virem mais para os EUA, a China e até para outros mercados como a Rússia, a Índia, Austrália ou a Tailândia, de modo a reduzir a dependência comercial e económica que têm neste momento para com a UE. Mas uma escolha destas, sendo política, não ditará uma mudança territorial. Uma saída com acordo evitará o pior – e será uma questão de tempo até que Reino Unido e UE retomem a normalidade possível. Não sem que ambas as partes saiam feridas deste lamentável processo", refere o analista de política internacional.

UE deixa a porta aberta aos "amigos britânicos"

Vários líderes europeus mostraram tristeza com este 'fim' - que, na verdade, ainda não o é. A presidente eleita da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, mostrou-se aliviada pelas partes terem chegado a acordo, mas "triste" pela partida dos "amigos britânicos". Também o presidente do Conselho Europeu, Donald Tusk, lamentou a decisão dos britânicos

Aconteça o que acontecer no sábado, dia 19 de outubro, o Brexit vai ser sempre um capítulo longo na história da União Europeia e do Reino Unido, mas há uma coisa que Donald Tusk fez questão de deixar clara: "Se os nossos amigos britânicos decidirem voltar um dia, a nossa porta estará sempre aberta".

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