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Prémio distingue sobrevivente de mutilação genital e casamento infantil

A vencedora do Prémio Norte-Sul de 2018, Jaha Dukureh, atribui esse reconhecimento ao facto de ter nascido numa comunidade que "pratica a mutilação genital feminina e o casamento infantil", e de ter sobrevivido a ambas as práticas.

Prémio distingue sobrevivente de mutilação genital e casamento infantil
Notícias ao Minuto

05:03 - 13/09/19 por Lusa

Mundo Norte-Sul

Embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para o continente africano e fundadora da organização não-governamental 'Safe Hands for Girls', a gambiana Jaha Mapenzi Dukureh, 30 anos, recebe hoje na Assembleia da República o prémio atribuído do Centro Norte-Sul do Conselho da Europa relativo a 2018, numa cerimónia onde estará presente o Presidente português, Marcelo Rebelo de Sousa.

"Atribuo este reconhecimento ao facto de eu ser alguém que vem de uma comunidade onde que se pratica a mutilação genital feminina [MGF] e o casamento infantil, e de ser uma sobrevivente de ambas as práticas. (...) Eu sou uma representação da mulher que sofreu a prática e continua a viver com ela e mostra que a sua voz importa", afirmou, em entrevista à Lusa, Jaha Dukureh.

"Dou o meu exemplo", acrescentou a ativista. "Fui submetida a MGF quando tinha uma semana de vida. Não me lembro nem ninguém me disse que tinha sido submetida a MGF com essa idade. Eu cresci na Gâmbia e mudei-me para os Estados Unidos com 15 anos para me casar, quando a minha mãe morreu. Foi na noite do meu casamento que percebi o que era a MGF e o que a circuncisão feminina verdadeiramente significava", contou à Lusa.

"Eu tinha sido submetida a uma das formas mais severas de MGF e foi a primeira vez que tomei contacto com isso. Penso que muitas meninas que são submetidas a MGF com idades entre os 10 e os 14 anos muitas vezes pouco se apercebem que passam por isso, mas no meu caso eu nem sabia", acrescentou.

A ativista cresceu numa família com quatro irmãs e três irmãos e foi uma das primeiras meninas da família a prosseguir os estudos com o apoio da família, sobretudo da mãe, que, quando Jaha frequentava o sétimo ano de escolaridade, adoeceu com cancro e a levou consigo para Londres, onde viria a falecer. Porém, a mãe de Jaha "nunca" disse nada.

"Nem uma vez. Eu acho que ela pensou que estava a fazer o que era melhor para mim. Acho que ela pensou que, se eu não fosse submetida a isso, havia a hipótese de ninguém casar comigo. Sabendo como são as nossas comunidades e como as meninas que não passam pela MGF são insultadas, ela pensou que estava a fazer a coisa certa", justificou.

Quando a mãe de Jaha morreu, a ativista regressou à Gâmbia para saber que tinha sido prometida em casamento com um homem para lá dos 40 anos a viver em Nova Iorque. A noite de núpcias terá marcado o início da sua luta contra a MGF, mas também contra o casamento infantil. Aos 17 anos, viria a mudar-se para Atlanta para se casar pela segunda vez.

Hoje, Jaha Dukureh tem três filhos e é uma das caras mais visíveis da luta contra a MGF, não apenas em África. Em 2016 foi incluída na lista das 100 pessoas mais influentes do mundo da revista "Time" e em fevereiro do ano passado foi nomeada para o Prémio Nobel da Paz. É embaixadora da Boa Vontade das Nações Unidas para África, e tem uma explicação para isso.

"Quando olhamos para os embaixadores de Boa Vontade das Nações Unidas, vemos que são personalidades relevantes, que são ricas, que trazem alguma coisa à ONU. Mas é raro que a ONU nomeie alguém como eu, que é da comunidade, vive na comunidade, foi submetida a esta prática. Acho que mostra que somos os maiores agentes de mudança para acabar com esta prática nas nossas próprias comunidades. Representamos as vozes de 200 milhões de mulheres. Eu represento as vozes de 200 milhões de mulheres que foram submetidas à MGF. O poder que trago à questão nenhuma estrela de Hollywood poderia trazer", sustentou.

Não obstante a visibilidade, acrescenta, "no final do dia, somos apenas humanos, capazes de trazer soluções às nossas comunidades". "Porque, regra geral, as pessoas exportam soluções para as comunidades que querem transformar. Mas agora temos jovens dessas mesmas comunidades que lideram essa mudança. Acho que [a minha nomeação] traz credibilidade ao que a ONU está a tentar fazer", rematou.

Jaha diz também que "há milhões de Jahas lá fora". "Só precisamos de as encontrar. Não sou única. Não sou especial. Acho que há milhões de jovens em aldeias e áreas remotas que têm mesmo mais potencial do que eu. Acho que só precisamos de encontrá-las e mostrar-lhes que têm o poder de mudar o que quer que seja".

Faz o que faz porque acredita que esse é o seu "destino". "Mesmo que eu não quisesse fazer este trabalho, isto era aquilo que estava destinado que fizesse e eu acredito muito no destino. Eu passei por tudo o que passei para que pudesse fazer este trabalho na forma que o faço. E acredito que há outras jovens lá fora e este não deve ser um combate só meu, não deve ser uma causa só minha". concluiu.

Quando Jaha levou a sua causa para a Gâmbia "havia muita hostilidade" em relação ao seu trabalho. "Éramos expulsos das comunidades. As pessoas não nos queriam ver. Fomos insultados", recordou.

"Hoje, onde quer que vamos, sempre que entramos numa comunidade, já não enfrentamos desafios", acrescenta a cidadã gambiana, que se sente agora vista como "um modelo". "Sinto-me mais celebrada na Gâmbia neste momento do que marginalizada na minha própria comunidade" e isso serve a causa, mas traz responsabilidade também.

"Havia uma cultura de silêncio em torno dessa questão. Ninguém queria falar sobre ela. E nós quebrámos essa cultura de silêncio. Não podemos negar a nossa dor. Não somos ocidentais que vêm dizer o que fazer e como fazer, nós somos as vossas filhas e mães que vos dizem: 'Sim, fomos vítimas desta prática, e ela não trouxe nada de bom às nossas vidas. Resulta que queremos acabar com isto'", afirmou.

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