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Atuais incêndios potenciam alterações climáticas mas não são os maiores

Os grandes incêndios deste ano na Amazónia, Alasca e Sibéria vão potenciar as alterações climáticas, mas não são os maiores de sempre, dizem especialistas contactados pela Lusa.

Atuais incêndios potenciam alterações climáticas mas não são os maiores
Notícias ao Minuto

11:00 - 29/08/19 por Lusa

Mundo Especialistas

Quatro especialistas em clima e alterações climática e florestas comentaram os incêndios que estão a devastar milhares de hectares de floresta, nomeadamente na Amazónia, e consideram que vão acelerar as alterações climáticas, e que têm um efeito direto nas emissões de gases com efeito de estufa.

Mas disseram também que estes não são os maiores incêndios de sempre no mundo, e que a Amazónia, ou a Sibéria, ou o Alasca, sempre tiveram incêndios. E na Amazónia por exemplo, há duas décadas, eram maiores do que são hoje.

Filipe Duarte Santos, especialista em alterações climáticas e presidente do Conselho Nacional do Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, começa por dizer que na América do Sul é altura de queimadas e que todos os anos há incêndios, maiores ou menores, que são especialmente violentos em anos do fenómeno meteorológico "el nino".

Este ano não houve o fenómeno, mas na Amazónia o que parece ter acontecido foi o relaxamento do mecanismo de controlo de incêndios e favorecimento do agronegócio por parte do Governo brasileiro. "Houve mesmo um dia do fogo, 10 de agosto, declarado pelos agricultores do estado do Pará", nota Duarte Santos.

Lembrando que a Amazónia representa um quarto da capacidade mundial de capturar dióxido de carbono (CO2) da atmosfera através das plantas, o especialista alerta que a destruição da floresta tropical e substituição por prados para pecuária e soja vai reduzir grandemente a captura de CO2.

"É preocupante" se esta tendência de destruição se mantiver, diz Filipe Duarte Santos, lembrando que o Brasil teve uma desflorestação elevada até 2004 mas que a reduziu em 80% até 2012. A situação voltou agora a inverter-se e é grave, diz, porque a Amazónia é hoje muito mais pequena do que há meio século, além de que aumentaram muito no Brasil as emissões de metano.

Ricardo Trigo, climatologista e professor do Instituto Dom Luiz, salienta que na década de 1990 e primeira década deste século ardeu muito mais da Amazónia do que tem ardido nos últimos 10 anos, e como Duarte Santos nota que a área ardida aumentou de novo com o atual Governo brasileiro.

A diferença é que há 20 anos "o mundo não estava tão preocupado" e as alterações climáticas eram quase "um não assunto".

Com o regresso das grandes queimadas é o ciclo hidrológico, do oxigénio e do sequestro do carbono que são perturbados, é a diminuição das chuvas, é a menor capacidade de absorver dióxido de carbono. "Mas estes fenómenos (incêndios) não superam a quantidade total de CO2 emitido pelos homens com as fábricas e os transportes", nota Ricardo Trigo.

E depois, salienta, se o Brasil desfloresta para criar pastagens para gado e campos de soja "é porque nós humanidade estamos muito interessados em carne e soja".

Todos estes incêndios na Amazónia, a grande maioria provocados, são como emissões de milhões de automóveis e têm ainda efeitos na saúde, acrescenta Carlos da Câmara, professor da Faculdade de Ciências de Lisboa, autor de dezenas de artigos publicados em revistas científicas e especialista em clima e meteorologia.

Na Amazónia, diz, sempre se fizeram fogos, só que os de agora são mais intensos e duradouros. E os incêndios deste verão, não sendo extraordinários foram muito importantes.

José Miguel Cardoso Pereira, professor do Instituto Superior de Agronomia, especialista em florestas, fala mesmo em frustração, e explica porquê.

Em 2004 foram perdidos 30 mil quilómetros quadrados de floresta na Amazónia, um valor que desceu para um quarto disso nos oito anos seguintes. "Este ano deve ultrapassar-se os 10 mil quilómetros quadrados. Não é o mesmo do passado mas é frustrante".

"Cortarem-se 10 mil km2 da Amazónia quando temos 17 ou 18% da Amazónia desmatada é mais grave", sublinha.

Por este andar, nas palavras do especialista, a transformação da floresta tropical da Amazónia em savana pode acontecer.

A evaporação na Amazónia produz parte da chuva que ali cai. Quando a desflorestação chegar aos 20 ou 25%, segundo preveem os cientistas, a região deixa de evaporar a água que produz chuva para manter a floresta húmida. Ao transformar-se em savana vai perder grande parte da biodiversidade e vai afetar o clima regional, avisa José Miguel Cardoso Pereira.

É certo, nota, que as áreas destruídas para culturas e pastagem são abandonadas em poucos anos e a floresta volta a crescer. É certo que se estima que 15% da área desflorestada no final da década de 1970 esteja em recuperação. É certo que a capacidade de regeneração não fica definitivamente e irreversivelmente perdida. Mas é certo também que ao contrário do que muitos propõem "a Amazónia não se refloresta", porque reconstituir essa biodiversidade é inviável.

E aqui o especialista volta a relativizar, como já o fizera Ricardo Trigo, Carlos da Câmara ou Filipe Duarte Santos.

"Estas queimadas na Amazónia serão as piores dos últimos 10 anos. Mas são um terço do que já foram no passado", e na altura, na Europa, a questão despertava a atenção de apenas "um número restrito de pessoas".

Mas hoje tudo é diferente, a informação chega mais depressa e o cidadão está mais informado. E os hábitos de consumo podem mudar, até como forma de pressão, sugere José Miguel Cardoso Pereira.

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