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"Há sempre muros dividindo o Brasil por todos os lados"

O arquiteto Nuno Grande considerou, em declarações à Lusa, que "há sempre muros no Brasil, por todos os lados".

"Há sempre muros dividindo o Brasil por todos os lados"
Notícias ao Minuto

11:05 - 21/07/19 por Lusa

Mundo Brasil

Numa entrevista na Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), no Brasil, Nuno Grande, que também é professor na Universidade de Coimbra, falou sobre a divisão política, conflitos e a influência da arquitetura portuguesa em Paraty, cidade que recebeu o título de Património Cultural e Natural Mundial da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO) no início de julho.

Grande participou num debate na Flip que contou com a presença da cantora Adriana Calcanhoto e do crítico José Miguel Wisnik e no qual o público se dividiu entre vaias e aplausos quando imagens foram exibidas num recorte temporal que expôs as transformações da sociedade brasileira de Juscelino Kubitschek, ex-presidente responsável pela construção de Brasília, até à ascensão de Jair Bolsonaro, atual chefe de Estado.

"Tentamos através da arquitetura e do urbanismo falar sobre a sociedade brasileira. Começamos no início do modernismo [no Brasil] e no manifesto antropofágico, de 1922, dizendo como essa geração comeu, no sentido antropofágico, o modernismo europeu e regurgitou o modernismo brasileiro. Na arquitetura isto teve [como] consequência maior [a construção] de Brasília", explicou.

"Quando Ocar Niemayer e Lucio Costa erguem Brasília [na década de 1950] havia uma utopia de uma nova sociedade brasileira, que rapidamente transformou-se em uma distopia. Isto é um fenômeno que não é só de hoje, vem há muito tempo. [...] Usamos uma metáfora dos ratos para mostrar que eles estão há muito tempo no Congresso brasileiro e parece que agora reemergiram", acrescentou.

"Nós quisermos mostrar como a mesma arquitetura branca [de Brasília] seguiu propósitos progressistas com Juscelino Kubitschek e serve agora para trazer todo o lado sortido da política com Jair Bolsonaro", completou.

"Quando exibimos a fotografia de Bolsonaro [na Flip] foi muito engraçado. Houve pessoas que vaiaram a foto e não o que estávamos dizendo e houve pessoas que aplaudiram o que estávamos dizendo e não a foto. É aí que você vê a divisão do Brasil", contou.

O arquiteto, citando este momento de tensão e os protestos que têm agitado o país nos últimos anos e se repetiram na Flip, lembrou que, embora exista uma grande divisão, acredita que o espaço público, que chamou de "infinito vão" continua sendo o local ideal onde as pessoas devem manifestar sua cidadania.

"Apesar de todos os problemas sociais e políticos que uma cidade pode ter, o espaço público, o infinito vão, continua sendo o lugar onde nós podemos manifestar a nossa cidadania. Eu acho que é isto, se calhar, de que o Brasil precisa mais. Que as pessoas deixem de ser críticas de sofá e venham mais para a rua fazer a sua crítica de cidadania", destacou.

Comentando as características de Paraty, cidade que sediou o maior encontro literário do país, Grande frisou que "é um assentamento único que tem uma posição geográfica, uma relação com a costa e o facto de estar entre o Rio de Janeiro e São Paulo como uma síntese da colonização portuguesa como não há em nenhum lugar igual no mundo. Aqui há um cenário que está muito bem tratado como não vejo em Portugal".

"A palavra património é muito utilizada hoje, os políticos estão sempre dizendo que vão preservar o património o que muitas vezes não quer dizer nada, eu gosto mais da palavra memória. [...] Há toda uma memória portuguesa em Paraty, mas há também uma memória dos escravos, do fim da escravatura, dos índios, a relação com a costa, com os pescadores", acrescentou.

Embora tenha afirmado ter ficado comovido com a preservação arquitetónica de Paraty, Grande lembrou que a Flip é boa para o mundo literário, mas pode não ser tão boa para as pessoas que vivem naquela cidade.

"[Em Paraty] as casas estão limpas, as pousadas tomaram conta da cidade, tudo é higiénico tudo é limpo, e depois há um momento me que vemos que os índios só estão á fora cantando fazendo figuração no meio de um festival", ponderou.

"Há muitas contradições que têm a ver com a festivalização da cidade [de Paraty] que por um lado é ultra-benéfico e, por outro, nos faz pensar se não estamos a viver um [processo de] gentrificação", concluiu.

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