Irão pode acabar com acordo ou dar-lhe nova vida se cumprir ameaça
Se o Irão recomeçar a partir de domingo a enriquecer urânio em violação do acordo nuclear de 2015 este pode acabar ou ganhar nova vida, mas Teerão tem razões para fazer esta ameaça, segundo analistas contactados pela Lusa.
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Mundo Analistas
O acordo "fica [em risco], fica. E eu acho que é esse o objetivo", disse Maria João Tomás, vice-presidente do Observatório do Mundo Islâmico, sobre a possibilidade de a República Islâmica cumprir a ameaça.
Já Bernardo Pires de Lima, investigador do Instituto Português de Relações Internacionais (IPRI), considera que Teerão estará a utilizar a ameaça como uma "arma negocial" para "poder dar uma outra vida ao acordo e não para o matar".
Assinado entre o Irão e os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU (Estados Unidos, França, Reino Unido, Rússia e China), mais a Alemanha, o acordo previa o levantamento de sanções internacionais em troca de limitações e maior vigilância do programa nuclear iraniano.
Mas a 8 de maio de 2018, o presidente norte-americano, Donald Trump, anunciou a retirada unilateral dos Estados Unidos do pacto e restabeleceu sanções devastadoras para a economia iraniana.
Exatamente um ano depois, Teerão anuncia que deixará de respeitar dois dos seus compromissos no pacto, os limites das reservas de urânio pouco enriquecido e de água pesada, e dá 60 dias aos Estados ainda parte do acordo para ajudarem a República Islâmica a contornar as sanções norte-americanas, ameaçando ultrapassar as restrições sobre o grau de enriquecimento de urânio em caso contrário.
O ultimato termina no domingo.
A ameaça do Irão é "uma contra-resposta" à saída e esvaziamento do acordo por parte de Washington, diz Bernardo Pires de Lima, assinalando que as sanções norte-americanas são "basicamente a todos os signatários do acordo", já que abrangem "todos (...) os que continuem a fazer negócios, sobretudo a importar petróleo e gás do Irão", incluindo "europeus, chineses ou russos".
Mantendo o compromisso em relação ao acordo, os europeus, a China e a Rússia não têm sido capazes, devido às sanções norte-americanas, de permitir que o Irão beneficie das vantagens económicas com que contava.
"Morre-se nos hospitais de Teerão por falta de medicamentos, graças às sanções americanas sobre as farmacêuticas. É dramática a situação que se lá vive", indica Maria João Tomás.
O investigador do IPRI assinala que "o rasgar do acordo" por parte dos Estados Unidos há um ano não pôs fim ao pacto nem levou a "irregularidades por parte do Irão", o que está "provado pelas inspeções (da Agência Internacional de Energia Atómica) e está dito pela Alta Representante para a Política Externa da União Europeia (Federica Mogherini)".
"Parece-me natural (...) que o Irão use a única arma negocial que tem neste momento para poder sobreviver economicamente", o enriquecimento de urânio, e com esta ameaça pretenderá "dizer que o risco de proliferação na região (...) é real" e que "para prevenir isso mais vale voltarmos todos a umas negociações", comentou Bernardo Pires de Lima.
O enriquecimento de urânio por parte do Irão, a um grau superior aos 3,67% permitido pelo acordo, é a "justificação perfeita" para "a Arábia Saudita entrar na corrida do nuclear", reforça Maria João Tomás.
Quanto aos Estados Unidos, Bernardo Pires de Lima considera "difícil prever a atuação" da administração Trump, mas não descarta "que um dos caminhos possa ser tentar um novo acordo", ou seja, "novas negociações".
E justifica com as "muitas cambalhotas na administração americana com Estados nucleares, a começar pela Coreia do Norte".
O líder norte-coreano, Kim Jong-un, era "uma espécie de demónio na terra" durante o primeiro ano de mandato de Trump "e hoje em dia já vai em três encontros" entre os dois, adiantou.
Da parte dos europeus, segundo o investigador, existe "vontade (...) de ir até ao fim dos limites possíveis para salvaguardar o acordo mesmo que isso implique alguma tensão extra com Washington".
"A posição dos europeus é a mais difícil" devido à proximidade das relações com os Estados Unidos, considera, admitindo que Paris, Londres e Berlim possam "esticar ao máximo" os prazos previstos no acordo para esclarecer eventuais violações, que dão "margem para avaliações políticas".
Maria João Tomás diz que "seria uma boa medida a Europa não ser tão subserviente aos Estados Unidos" e "ter uma atitude firme", recorrendo ao "protecionismo económico".
"É fácil de falar e difícil de fazer (...), mas é possível", adiantou, assinalando que "utilizar as mesmas armas de Trump é a única maneira que aquele senhor consegue perceber".
"A Rússia e a China vão ficar do lado do Irão", afirma a investigadora, adiantando que Pequim "já está a violar as sanções americanas e vai continuar a fazê-lo".
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