Como a água e a luz transformam vidas no Ruanda rural
Emanuel Habimana exibe orgulhoso a serra elétrica montada na sua bancada de carpinteiro cuspindo, furiosamente, aparas de madeira que se vão acumulando no chão numa camada fofa.
© Pixabay
Mundo Ruanda
Um a um, os troncos de madeira que faz atravessar pela máquina levam apenas alguns minutos até se transformarem em tábuas. Um processo que antes de a eletricidade chegar à sua aldeia, Rusumo, no distrito de Gicumbi (norte do Ruanda) lhe ocupava um dia inteiro.
O carpinteiro, de 34 anos, é um dos dez milhões de ruandeses que vivem em zonas rurais do país das mil colinas, ou seja, cerca de 80% da população.
A aldeia de Rusumo só ficou ligada à rede elétrica no ano passado. Está a cerca de duas horas de Kigali, e para Emanuel a deslocação até à capital, para mandar cortar as madeiras necessárias para as suas encomendas implicava perder um dia de trabalho.
Com a chegada da eletricidade criou um negócio, emprega cinco pessoas e consegue ter um rendimento duas a três vezes superior ao que obtinha antes, explica, na sua pequena carpintaria que oferece vistas deslumbrantes sobre a vegetação cerrada das montanhas ruandesas.
Umutoni Theogene, de 44 anos, foi outro dos beneficiários da ligação destas comunidades rurais à rede elétrica. É merceeiro e passou a produzir as suas próprias farinhas, fazendo a moagem de forma quase artesanal, mas poupando no produto que antes era obrigado a comprar a intermediários.
Em Musenyi, o enfermeiro Joseph Rusimbagizwa, um dos nove que integram o centro de saúde local, elenca algumas das coisas que passou a ser possível fazer desde que trocaram os painéis solares pela ligação à rede elétrica: análises ao sangue, testes laboratoriais a pessoas com HIV e até aquecer os bebés durante a noite.
"Faz muito frio aqui nas montanhas", salienta.
Nestas zonas rurais, ter serviços básicos como luz ou água não significa apenas ter luz ou água. Significa também ter acesso a mais tempo, oportunidade para melhorar os rendimentos, maior acesso à educação, melhorias para a saúde.
E até afirmação feminina. Os promotores do sistema sanitário do distrito de Rulindo (norte), o Banco Africano de Desenvolvimento (BAD) e o Governo do Ruanda, sublinham a importância das questões de género neste projeto que levou serviços de água e saneamento a 216 comunidades rurais e envolveu o recrutamento de quase 300 mulheres como gestoras de água, canalizadoras e assistentes sanitárias.
Béatrice Ikimanizanhe é uma delas. Junto a um ponto de água, onde se encontram algumas dezenas de 'jerricans', a gestora explica que as suas tarefas consistem em distribuir a água aos clientes que pagam 20 francos ruandeses (0,020 euros) por cada 20 litros.
"Antes era muito pior, tínhamos de ir buscar água a duas horas de distância ou pagar 200 francos (0,20 euros), os que podiam", relata, adiantando que fornece água a cerca de 50 pessoas por dia.
"É um preço justo comparado com o que pagávamos antes", confirma Euphrasia Mukankubana. Entre as vantagens de ter um ponto de água na sua comunidade aponta também o facto de estar mais liberta para se dedicar à família e gerar mais rendimentos, produzindo cerveja de sorgo.
Estes projetos vão ajudar o governo do Ruanda a atingir os seus objetivos para 2024: passar dos atuais 34,5% para um acesso universal à eletricidade; aumentar o acesso ao abastecimento de água dos atuais 85% para 100%; e cobertura total de sistemas de saneamento e higiene (de 84% para 100%).
Nos bastidores do financiamento está o BAD, uma instituição fundada em 1964 que conta com 80 países membros e desenvolve ações em várias áreas, concedendo empréstimos, em conjunto com outras entidades financeiras como o Fundo de Desenvolvimento Africano.
O fundo disponibilizou cerca de 38 milhões de dólares (34 milhões de euros) para desenvolver o acesso à eletricidade, no norte do Ruanda, através da construção e reabilitação de subestações e criação de redes de distribuição que abrangem cerca de 25 mil famílias, 179 escolas e 29 centros de saúde.
Apoiou também o sistema de água de Rulindo com 28 milhões de dólares (25 milhões de euros), melhorando o acesso à água e saneamento para 216 comunidades rurais num total de 712 mil pessoas.
Numa conversa com jornalistas em Kigali, o ministro das Infraestruturas, Claver Gatet, sublinhou a importância da descentralização do BAD para cobrir as diferentes regiões e considerou "impressionante" a colaboração do Governo do Ruanda com a instituição financeira.
"O que temos feito com o BAD é impressionante e merecemos mais dinheiro pelo nosso desempenho", salientou o governante, apelando também ao envolvimento do setor privado nestes projetos
Claver Gatet afirmou que o sucesso do Ruanda, que registou uma taxa de crescimento de 7,2% no ano passado, se mede também pelo desenvolvimento inclusivo e pela igualdade de género.
"Em 1994, depois do genocídio, as mulheres eram 52% da população. Era um desafio, como desenvolveríamos um país se 52% dos cidadãos não participavam nas atividades económicas? Tínhamos de assegurar que os dois, homens e mulheres, tinham o mesmo poder para participar no desenvolvimento", enfatizou.
Sem acesso à terra, sem acesso a heranças e sem poderem abrir contas sem permissão dos maridos, as mulheres ruandesas "tinham ficado para trás", notou o governante, acrescentando que era preciso "mudar as coisas", incluindo uma nova Constituição e alterações legislativas.
Em 2018, o Ruanda estava em sexto lugar no Índice Global de Igualdade de Género do Fórum Eonómico Mundial, a seguir à Islândia, Finlândia, Noruega, Suécia e Nicaragua.
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