Pequim avança com Faixa e Rota rumo a nova ordem mundial
Uma malha ferroviária até à Europa, gasodutos desde o Turquemenistão a Myanmar (antiga Birmânia) ou uma rede de portos de Moçambique à Geórgia anunciam uma "nova era", na qual a China ocupará o "centro" da ordem mundial.
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Mundo China
O nome do projeto é 'Uma Faixa, Uma Rota' e foi inscrito no ano passado na Constituição chinesa, sugerindo uma mudança radical na política externa de Pequim, que abdica de um perfil discreto para assumir inédita assertividade.
"Trata-se de uma mudança histórica na posição da China no mundo", resume He Yafei, antigo vice-ministro dos Negócios Estrangeiros chinês, durante um fórum dedicado àquela iniciativa diplomática, no centro de conferências de Zhuhai, complexo com ampla vista para Macau, território que outrora exibiu a extensão planetária do Império português.
Lançado em 2013, pelo Presidente chinês, Xi Jinping, que recebe esta semana, em Pequim, Marcelo Rebelo de Sousa para uma visita de Estado, o projeto inclui aeroportos, centrais elétricas ou zonas de comércio livre, visando dinamizar regiões pouco integradas na economia global.
Bancos e outras instituições chinesas estão a conceder enormes empréstimos para projetos lançados no quadro da iniciativa, que inclui ainda uma malha ferroviária e autoestradas, a ligar a região oeste da China à Europa e Oceano Índico, cruzando Rússia e Ásia Central, e uma rede de portos em África e no Mediterrâneo, que reforçarão as ligações marítimas do próspero litoral chinês.
O maior entrosamento entre Pequim e os mais de cem países envolvidos abarca também o ciberespaço, meios académicos, imprensa ou comércio, numa altura em que os Estados Unidos de Donald Trump rasgam compromissos internacionais do clima à migração.
"A iniciativa combaterá a onda antiglobalização", realça He Yafei.
O antigo secretário de Estado dos Assuntos Europeus português Bruno Maçães, atualmente a viver em Pequim e autor do livro "Belt and Road: A Chinese World Order" (Faixa e Rota: Uma Ordem Mundial Chinesa), classifica o projeto como "muito ambicioso" e um desafio à ordem mundial construída pelo Ocidente.
O objetivo é "redesenhar o mapa da economia mundial" de forma a "colocar a China no centro", repondo a "visão antiga do país sobre si mesmo como nação universal", descreve.
Portugal é, até à data, um dos poucos países da União Europeia a apoiar formalmente o projeto.
As autoridades portuguesas querem incluir uma rota atlântica no projeto, o que permitiria ao porto de Sines ligar as rotas do Extremo Oriente ao Oceano Atlântico, beneficiando do alargamento do canal do Panamá.
Num comunicado enviado à agência Lusa esta semana, o Governo chinês reconhece a posição "muito relevante" de Portugal no extremo oeste da Eurásia, e agradece a adesão de Lisboa.
"Portugal é um dos primeiros países da Europa ocidental a assinarem um documento de cooperação neste âmbito", realça.
Contudo, a nova vocação internacionalista de Pequim suscitou já divergências com as potências ocidentais, que veem uma nova ordem mundial ser moldada por um rival estratégico, com um sistema político e de valores profundamente diferente.
No mês passado, Bruxelas produziu um documento que classifica Pequim como um "adversário sistémico", que "promove modelos alternativos de governação", e apelou a ações conjuntas para lidar com os desafios tecnológicos e económicos colocados pela China.
Washington alerta que os planos chineses subverterão a atual ordem internacional e alargarão a esfera de influência de Pequim - os países aderentes tornar-se-ão Estados vassalos, reféns do crédito chinês, permitindo à China exportar o seu excesso de capacidade industrial ou poluição.
Mas, no espaço de uma década, enquanto as economias desenvolvidas estagnaram, o país asiático construiu a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, mais de oitenta aeroportos e dezenas de cidades de raiz, alargando a classe média chinesa em centenas de milhões de pessoas.
Para o embaixador português em Pequim, José Augusto Duarte, é "natural" que, a acompanhar este desenvolvimento, Pequim assuma o desejo de estar no centro da governação dos assuntos globais e competir nos setores de alto valor agregado.
"É normal", diz. "Anormal seria que a segunda maior economia do mundo não reclamasse um maior papel na cena internacional", afirma.
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