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Frente de Libertação Nacional, da guerra da independência ao poder total

A Frente de Libertação Nacional (FLN), que se rebelou contra o domínio colonial francês, dirige quase sem interrupção os destinos da Argélia desde a independência em 1962, mas hoje pouco resta das suas referências originais.

Frente de Libertação Nacional, da guerra da independência ao poder total
Notícias ao Minuto

14:57 - 15/03/19 por Lusa

Mundo Argélia

Em outubro de 1954, em plena crise do movimento nacional, ativistas argelinos fundam a FLN, que desencadeia de imediato a luta armada pela independência.

A situação não era particularmente favorável para os nacionalistas árabes. Logo após a II Guerra Mundial, movimentos paramilitares que combatiam pela independência tinham sido desmantelados pela polícia colonial. E as revoltas da população árabe e berbere continuavam a ser reprimidas.

O momento era de encruzilhada. No entanto, as repressões sangrentas das manifestações nacionalistas e anticolonialistas no nordeste da Argélia em 08 de maio de 1954, (as estimativas são de 3.000 a 30.000 mortos) tornam a rebelião inevitável. Mohamed Boudiaf e os cinco companheiros que tinham fundado a FNL apontam o início da insurreição para 01 de novembro, que ficará conhecido como o "Dia de todos os santos vermelho" (Toussaint rogue).

A FLN e o Exército de Libertação Nacional (ALN, o seu braço armado) são reforçados por militantes de diversas forças políticas após o apelo à luta armada. O sistema colonial responde com a repressão, a prisão de milhares de pessoas, a proibição dos partidos argelinos. A guerra intensifica-se com exações cometidas pelas duas partes.

Apesar de já se denotarem dissensões internas, que conduzirão a purgas de muitos militantes, a FNL anuncia em 1958 o Governo provisório da República argelina (GRRA), que em 1962 negociará a independência em reuniões secretas com a França do general De Gaulle, que culminam nos acordos de d'Évian.

Terminava um conflito que terá provocado entre 250.000 e 400.000 mortos argelinos (o Estado argelino refere-se até a um milhão), 28.500 soldados franceses, 30 mil a 90 mil "harkis" (argelinos anti-FLN) e 4.000 a 6.000 mil civis europeus. E um êxodo massivo de "pieds-noirs", designação dada aos franceses originários da Argélia.

Logo após a independência, as dissensões internas acentuam-se na FLN, o partido único de ideologia nacionalista e que então apontava para o socialismo.

Ahmed Ben Bella, um dos nove chefes históricos do Comité revolucionário de unidade e de ação (CRUA), na origem da FLN, torna-se no primeiro presidente da Argélia em setembro de 1963, que acumula com o cargo de primeiro-ministro. Abdelaziz Bouteflika, o atual presidente contestado pelos protestos populares, integrava este governo com a pasta dos Negócios Estrangeiros. Permaneceu nesse posto até 1979, numa demonstração da sua capacidade de sobrevivência.

Menos de dois anos depois (junho de 1965), Ben Bella será destituído num golpe de Estado, definido como um "reajustamento revolucionário", pelo seu vice-primeiro-ministro, o coronel Houari Boumédiène -- membro do designado "clã de Oujda", uma fação político-militar da FLN --, que permaneceu no poder até 1978, quando morre no decurso do seu segundo mandato.

Boumédiène governou por decreto e em nome da sua "legitimidade revolucionária" reforçou os seus poderes, do Estado, da hierarquia militar, e marginalizou a FLN num regime de partido único com ideologia "socializante e anticolonialista". Em 1976, a revisão constitucional decreta um "Estado socialista" sob controlo da FLN.

Os quadros dirigentes dos anos da guerra tornam-se numa camada burocrática privilegiada, secular e "socialista", cada vez mais afastada da população. E todos os fracassos continuam a ser atribuídos aos "inimigos internos", ou ao antigo colonizador.

O coronel Chadli Bendjedid, sucessor de Boumédiène, tenta relançar o partido único, com uma importante presença de militares no topo e que também controlam o aparelho de Estado. Na década de 1980, o poder modera o fraseado "socialista" e inicia a liberalização do mercado, medidas que não evitam os grandes tumultos de outubro de 1988.

Sem alternativas, o poder instaura o pluripartidarismo e a liberdade de expressão. Foi o fim do partido único e das relações de "promiscuidade" entre a FLN, as Forças Armadas e o aparelho de Estado.

A primeira volta das eleições legislativas de 1991, onde a Frente Islâmica de Salvação (FIS) elege 188 deputados em 231, revelam a falência da FLN, relegada para a terceira posição com apenas 15 lugares.

Mas seguiu-se o golpe de Estado militar com a demissão de Bendjedid, a interrupção das eleições, e o início da guerra civil, até 2002. Em janeiro de 1992, o histórico Mohamed Boudiaf aceita o cargo de presidente do Alto Comité de Estado, mas o seu assassinato, em junho desse ano, coloca o país sob controlo direto dos militares. Era o início da "década negra".

Neste período a FLN permanece à margem do poder, apela ao boicote das presidenciais de 1995 que elegem o general Liamine Zéroual, e com outros partidos insurge-se contra o setor militar na liderança e a forma como aborda a crise no país.

Zéroual acaba por renunciar em 1998, por pressões da hierarquia militar, e anuncia eleições presidenciais, que em abril de 1999 assinalam o regresso triunfal de Bouteflika, o antigo ministro de Ben Bella e Boumédiène afastado da atividade política desde 1981.

Estas eleições, onde o ainda Presidente argelino obtém 73,8% dos votos (a oposição denuncia fraudes massivas) significam também o renascimento da FLN, que o apoia.

A partir de então, a FNL regressa às vitórias eleitorais, e com maioria absoluta ou relativa, governando só ou em coligação, retoma o poder.

Atualmente, e desde o início de 2019, com a vaga de manifestações contra um quinto mandato de Bouteflika, o partido que liderou a guerra da independência da Argélia confronta-se com o seu segundo grande desafio no poder, um novo repto à sua sobrevivência.

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