Jovens africanos aguardam 'papéis' após percurso em que arriscaram a vida
Grupos de jovens africanos podem ser vistos em vários pontos de Madrid, onde chegaram depois de terem atravessado o deserto do Saara e o Mar Mediterrâneo, um percurso onde arriscaram várias vezes a sua vida.
© Reuters
Mundo Reportagem
Uma percentagem importante dos que dão o "salto" para Espanha são jovens ou menores não acompanhados, a maior parte deles com estórias rocambolescas desde que abandonaram a sua família em países da África subsaariana até chegarem ao destino desejado.
A agência Lusa esteve com alguns desses jovens nos arredores de centros de acolhimento ou cantinas onde vão diariamente, em Madrid, enquanto aguardam os "papéis" (legalização) que lhes darão o direito de ficar em Espanha e a possibilidade de procurarem trabalho.
Ibrahim saiu no início de 2017, acabado de fazer 18 anos, de Abidjan, capital da Costa do Marfim, e chegou no final do ano passado a Cádis (Andaluzia), depois de dois anos em que atravessou o seu país, o Mali, a Argélia e, finalmente, chegou à Líbia, onde deu o "saldo" num zodíaco (barco semirrígido).
A meio da viajem para Itália a embarcação foi intercetada por um navio de uma organização não-governamental (ONG) espanhola que acabou por o levar para Cádis.
O jovem afirma que teve "muito medo" e atravessou "situações muito perigosas" desde que saiu da casa dos pais, com quem não consegue falar ao telefone há dois meses, e que só agora, em Espanha, se sente a salvo.
A conversa foi em francês, língua oficial da Costa do Marfim, porque Ibrahim ainda não fala espanhol, idioma que quer aprender "para poder trabalhar".
"No deserto do Mali fomos ameaçados por grupo armado de Tuaregues [povo de nómadas do Saara] que me bateram, mas consegui continuar pela rota do deserto e entrar na Argélia", disse Ibrahim à Lusa, enquanto esperava a abertura de uma cantina num centro social no centro de Madrid.
O jovem relatou a sua estadia de mais de um ano na Argélia, onde viveu numa barraca de madeira e trabalhou "nas obras" (construção civil) com centenas de outros migrantes subsaarianos que tentavam chegar à Europa.
O dinheiro que poupou a trabalhar permitiu-lhe pagar os 300 euros que entregou ao grupo que organizou a viagem de barco a partir da Líbia.
A Espanha foi, segundo a ACNUR, o país do Mediterrâneo onde chegaram mais menores não acompanhados em 2018, cerca de 5.500.
Na Grécia, por exemplo, embora a percentagem de crianças imigrantes seja muito maior, a grande maioria delas chega com as respetivas famílias.
A Itália tem um perfil semelhante ao de Espanha, sendo um destino preferencial para crianças que viajam sozinhas, mas a sua política de encerrar os portos reduziu drasticamente as chegadas de adultos e menores.
Bubar saiu em 2014, com 16 anos, da Gâmbia "para salvar a sua vida" e chegou a Valência (Espanha) em meados de 2019 na embarcação "Aquarius" da ONG de ajuda aos refugiados Open Arms que o recolheu algures entre a Líbia e a Itália.
A odisseia desta embarcação ficou conhecida depois de o primeiro-ministro socialista espanhol, Pedro Sánchez, acabado de formar Governo, ter anunciado em junho de 2018, que o país iria acolher a embarcação que navegava há vários dias no Mediterrâneo com 629 migrantes a bordo, depois de a Itália e Malta se terem recusaram a recebê-los.
Este gesto político enviou uma mensagem de abertura das fronteiras espanholas aos que tentavam chegar à Europa que nos meses seguintes não foi confirmado na prática, tendo Madrid, para muitos, endurecido a sua política de acolhimento, depois daquele momento inicial.
Babur atravessou o Senegal, o Mali e a Argélia antes de chegar à Líbia onde trabalhou durante quatro anos, até ter dinheiro para pagar a sua travessia.
"Estou muito satisfeito por estar aqui [Espanha] onde acabo de receber os papéis de refugiado e quero começar a trabalhar", disse o jovem à Lusa.
O receio destes jovens em falar desaparece rapidamente e a partir do momento em que o jornalista se identifica e diz que é português: "Cristiano Ronaldo", é o nome que exclamam, com um enorme sorriso.
Mamadu, da Guiné-Conacri, de onde saiu há três anos, com 16 anos, é mais uma dessas pessoas que sofreram muito até chegarem à Europa, onde querem ficar e se sentem protegidos.
O jovem pagou 200 euros para atravessar o Mediterrâneo, tendo a embarcação em que viajava desde Marrocos sido intercetada pelo Salvamento Marítimo espanhol.
"A primeira coisa que fiz quando cheguei foi telefonar aos meus pais, com quem não falava há algum tempo, para dizer que já estava em Espanha", disse Mamadu, acrescentando que "toda a família ficou aliviada e satisfeita".
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