Há "risco" de conflito de Casamança ser infiltrado por grupos terroristas
Uma investigadora guineense alertou hoje que o conflito que opõe rebeldes e autoridades do Senegal em Casamança há mais de 35 anos continua a fazer vítimas e com potencial para ser infiltrado por grupos terroristas como o Boko Haram.
© Reuters
Mundo Investigador
Antonieta Rosa Gomes, do Centro de Estudos Internacionais do Instituto Universitário de Lisboa (CEI-IUL), promove na quinta e na sexta-feira, em Lisboa, uma conferência sobre este conflito armado, iniciado em 1982, pelo Movimento das Forças Democráticas de Casamança (MFDC), que reclama a independência do Senegal.
Casamança, uma faixa de território no sul do Senegal próxima da fronteira norte da Guiné-Bissau, foi trocada por Portugal com a França no século XVII, passando a integrar o Senegal, após a independência da antiga colónia francesa, em 1960.
A integração é contestada pelos rebeldes - estimados entre 4.000 e 5.000 - que há 35 anos reclamam a independência de uma das regiões com mais recursos do país, considerada o "celeiro" do Senegal e com reservas de petróleo 'offshore' ainda inexploradas, mas que os independentistas consideram ter sido marginalizada em matéria de desenvolvimento.
"É um conflito pouco falado porque é considerado de baixa intensidade, mas para o Senegal e para os países vizinhos continua a ser um problema e afeta sobretudo a fronteira da Guiné-Bissau", disse à agência Lusa Antonieta Rosa Gomes.
A proximidade da capital Ziguinchor com a fronteira guineense leva a que, sempre que há conflitos, os rebeldes atravessem para o território da Guiné-Bissau, com o Senegal a reclamar o direito de entrar em território guineense para os perseguir.
"É um conflito mortífero, apesar de ser de baixa intensidade. Quando há confrontos, há mortes. E é isso que deve ser resolvido. É uma questão de direitos humanos e não se pode continuar a fazer tábua rasa", defendeu.
O último confronto aconteceu há cerca de um ano quando homens armados não identificados mataram 13 jovens, incluindo três guineenses, e feriram outros nove por alegadamente terem ultrapassado a zona tampão que separa as posições do exército senegalês, que tem no terreno entre 5.000 e 8.000 tropas, do território ocupado pelos rebeldes.
Os rebeldes do MFDC rejeitaram a autoria e condenaram as mortes, manifestando disponibilidade para retomar as negociações de paz, paradas desde 2012.
O processo de paz, iniciado em 1990 e que resultou na assinatura de cinco acordos, já contou com a mediação dos países vizinhos Guiné-Bissau e Gâmbia e, nos últimos anos, da Comunidade de Santo Egídio.
"Os Estados Unidos estão interessados em apoiar a mediação das negociações para um processo de paz porque entendem que é bom pôr fim ao conflito para evitar que, no futuro, as organizações terroristas venham a aproveitar-se dessa zona", considerou Antonieta Gomes.
"É um conflito na África Ocidental, onde já há alguns grupos terroristas, e não é salutar que se prolongue sem fim à vista", acrescentou, adiantando que uma das sessões da conferência irá traçar precisamente uma comparação entre o conflito de Casamança e o movimento terrorista Boko Haram.
Por outro lado, apontou as dificuldades de negociar com um movimento dividido e que, nas últimas negociações de 2012, participou apenas com uma das fações.
"A ala radical continua a exigir a independência pela via armada. A ala moderada admite negociação. Houve acordos negociados no passado, mas houve incumprimento por causa daquela divisão", explicou.
Ainda assim, a investigadora disse acreditar que o processo de paz pode avançar e assinalou a disponibilidade manifestada pelas autoridades senegalesas.
"O Presidente do Senegal [Macky Sall] vem falando de uma abertura ao diálogo com o MFDC para encontrar paz definitiva. Para encontrar paz definitiva é preciso negociação e é essa negociação que é preciso retomar", defendeu.
E, num contexto de negociação, Antonieta Gomes considera que a Guiné-Bissau não pode ficar de fora.
"Como é afetada pelos efeitos do conflito, a Guiné-Bissau deve ser parte da solução. São países vizinhos, partilham laços étnicos e familiares que justificam até que o vizinho tenha um papel mediador", considerou.
Questionada sobre a quase invisibilidade internacional deste conflito, a investigadora considerou que faz parte da estratégia do Senegal de tratar o conflito como uma questão interna.
"A estratégia do Senegal é não levar esse conflito ao âmbito internacional porque entende que seria legitimar os rebeldes...] e, para a comunidade internacional, como supostamente não está a pôr em causa a paz, ainda não é um perigo", disse.
Antonieta Gomes disse acreditar, por outro lado, que para o Senegal, "a questão da independência está fora de questão".
A conferência decorre no âmbito do projeto de investigação sobre a "Resolução do conflito de Casamança," no CEI-IUL e o objetivo é reunir investigadores, professores, estudantes e organizações não-governamentais para debater as causas do prolongamento de um dos mais longos conflitos armados da África Ocidental.
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