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Membros de gangues usam caravanas para tentar entrar nos EUA

Membros de gangues, das quais muitos migrantes centro-americanos fogem, aproveitam as caravanas para tentarem chegar aos Estados Unidos como ilegais. Paradoxalmente, os mesmos gangues que hoje expulsam milhares nasceram nos EUA nos anos 80.

Membros de gangues usam caravanas para tentar entrar nos EUA
Notícias ao Minuto

11:21 - 13/01/19 por Lusa

Mundo América Latina

Regularmente, desde que a primeira caravana de migrantes partiu em 13 de outubro das Honduras, o presidente norte-americano, Donald Trump, refere-se a "criminosos" e "terroristas" que tentam entrar nos Estados Unidos usando as caravanas.

Pode ser que o republicano tenha apenas usado a acusação como tática política para gerar medo entre os eleitores e alavancar votos para os candidatos do partido nas eleições intercalares de 6 de novembro. Porém, entre todos os migrantes ouvidos pela Lusa, os relatos são coincidentes: há membros das "maras", infiltrados nas caravanas.

"Maras" são os gangues que aterrorizam os países do Triângulo Norte da América Central (Honduras, Guatemala e El Salvador).

"Sim, vieram membros das 'maras' com a caravana, mas foram saindo pouco a pouco. Estão a ficar as famílias", confirma à Lusa Keila Castro (30), à entrada da sua barraca no acampamento El Barretal, principal refúgio dos migrantes em Tijuana, fronteira com os Estados Unidos.

Keila reconhece bem os membros dos gangues: o seu ex-marido era um deles.

"Nós sabemos quem são", revela.

Keila recorda o episódio do dia 25 de novembro em que cerca de 500 migrantes aproveitaram um protesto inicialmente pacífico para forçar a entrada. O serviço de fronteira (Border Patrol) reagiu com bombas de gás lacrimogéneo enquanto prendia 42 pessoas.

"Eram integrantes das 'maras'. Fazem tumulto porque não podem passar legalmente. A cada novo episódio de fuga, mais a caravana se purifica. É como um filtro. Essas pessoas estão desesperadas por cruzar porque não podem esperar", conta Keila, que partiu de Porto Cortés, Honduras.

"Na caravana vieram muitos 'maras'. Sabemos quem são alguns; de outros, desconfiamos. Não nos metemos com eles", afirma a hondurenha Gelen Onasis Padilla (28), também de Porto Cortés. Algumas características, como determinadas tatuagens, expõem os integrantes de um gangue.

A hondurenha Anabel Pineda (26), de São Pedro Sula, também viu a entrada de gangues durante a travessia da primeira caravana.

"Quando estávamos na Guatemala, entraram 'maras' na caravana, sim. O ambiente ficou pesado", confirma à Lusa Anabel, cujo irmão entrou para essa fação do crime organizado.

Neri Martínez (47) é uma vítima das "maras" em várias frentes do crime. Primeiro perdeu um cunhado, assassinado por resistir, durante um ano, a entregar a sua propriedade aos gangues. Depois, os delinquentes exigiram-lhe o chamado "imposto de guerra", que consiste em extorquir, mensalmente, parte dos lucros de qualquer atividade comercial.

"Cada negócio que houver nas Honduras tem de pagar imposto às 'maras'. Se te rebelas ou se alguma vez falhares, matam-te. Eu não queria mais pagar o 'imposto'. Declarei a falência do negócio e vim embora", explica à Lusa este hondurenho de Santa Bárbara.

Os marginais ocuparam uma fazenda de café da família, impedindo a entrada dos donos. Para não acabar morto como o cunhado nem perder por completo a propriedade, Neri vendeu por 300 mil lempiras (10.830 euros), a fazenda que valia, pelo menos, cinco vezes mais.

A gota de água que o fez juntar-se à primeira caravana foi quando o seu próprio filho de 14 anos passou a correr risco.

"A 'mara' persegue adolescentes de 14 anos para os recrutar. Pagam-lhes um salário de 1.500 lempiras (54 euros) que os próprios jovens precisam de cobrar em extorsão aos comércios. Depois, tornam-se assassinos. Eu não quero perder o meu filho. É o último que me resta. Inclusive, eu retirei-o do colégio porque vendem drogas. Os gangues de crianças estão organizados nas Honduras", desabafa Neri.

Se alguém denunciar a criminalidade à Polícia, "corre risco de vida porque o Estado está controlado pelas 'maras', está em conluio com o tráfico de drogas".

"Não podemos denunciar porque as 'maras' ficam a saber em dez minutos. Há uma associação policial com o crime organizado", denuncia.

Os dois principais gangues são 'Os 18' ('Barrio 18') e 'Os 13' (Mara Salvatrucha Stoner 13 ou MS13). Paradoxalmente, ambos nasceram nos Estados Unidos durante os anos 80.

A guerra civil em El Salvador (1980-1992), que deixou cerca de 78 mil mortos, expulsou cerca de 40 mil pessoas para os Estados Unidos, muitas das quais assentaram na periferia de Los Angeles. À época, os gangues mexicanos, coreanos e afro-americanos dominavam a região.

Jovens salvadorenhos integraram-se no gangue de mexicanos 'Barrio 18'. Outros fundaram o seu próprio grupo como modo de proteção dos demais. Assim, nascia a Mara Salvatrucha Stoner ou MS13.

Por compartilharem a origem dos seus integrantes, o Barrio 18 e a MS13, eram irmãos, mas, com o tempo, a disputa por territórios levou-os a tornarem-se rivais. Nas prisões da Califórnia, os membros aperfeiçoavam hierarquias, códigos e métodos.

Durante os anos 90, quando também começou a construção do muro com o México, os Estados Unidos endureceram a política de imigração, elevando as deportações. Já em El Salvador, os deportados encontraram um país devastado pela guerra, pela pobreza e um Estado ausente. Foi o terreno fértil para a procriação que avançou para realidades sociais semelhantes nas Honduras e Guatemala.

Mais do que gangues de rua, transformaram-se em crime organizado, incorporando extorsões, tráficos de armas, de drogas, de dinheiro e de pessoas, fazendo do Triângulo do Norte uma das regiões mais violentas do mundo.

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