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Ataques em Moçambique são revolta contra a miséria, não são jihadismo

Um historiador moçambicano recusa-se a ver 'jihadismo' nos ataques que hoje completam um ano no norte do país, elegendo a miséria como motor do conflito que uma consultora de riscos disse à Lusa ter várias ramificações.

Ataques em Moçambique são revolta contra a miséria, não são jihadismo
Notícias ao Minuto

06:37 - 05/10/18 por Lusa

Mundo Historiador

São pequenos grupos armados, espalhados pela província de Cabo Delgado, sem bandeira, nem líder ou causa dada a conhecer ao mundo.

Na base da violência estão povos revoltados, disse, em entrevista à Lusa, Yussuf Adam, docente da Universidade Eduardo Mondlane (UEM), em Maputo.

Pesquisador em Cabo Delgado desde a década de 1970, pensa que há "uma sublevação camponesa popular, pessoas da região que se sentem exploradas, discriminadas e sem acesso a benefícios sociais e económicos que, na sua opinião, deviam ter", referiu.

Ainda há uma semana, exemplificou, algumas mulheres da península de Afungi levantaram a voz para reclamar empregos nos empreendimento de gás natural que estão a nascer na região, depois de outros protestos pacíficos já terem acontecido.

Noutra altura, o investigador recorda ter visitado aldeias descontentes por não receberem os 20% de receitas pelo abate de madeira a que diziam ter direito e que ficavam cativos de esquemas de corrupção na administração local.

Face a estas feridas abertas, Yussuf Adam diz que as autoridades fizeram análises minimalistas quando aconteceu o primeiro ataque armado, a 05 de outubro de 2017, deixando Mocímboa da Praia sitiada por um grupo que vinha apregoando um islamismo mais puro numa mesquita da vila.

"Para mim, não faz sentido falar de 'jihadismo'", considerando ser um rótulo como outros que surgem associados "a tudo o que é populações islâmicas", porque o que está em causa não é uma guerra santa, nem são conflitos religiosos.

"São pessoas que se acham marginalizadas, que não recebem os benefícios que deviam receber" e o mal é nunca terem sido ouvidas em tempo útil, referiu, no que considera ser a grande lição a retirar: promover o diálogo.

Uma lição para aplicar em todo o país, porque "estes conflitos não existem só em Cabo Delgado", alertou, apontando como inimigos, "a pobreza em que o povo vive, a desgovernação e os castigos que não merecem".

"Quando vão às aldeias [em ataques], vão com objetivos claros. Sabem que vão procurar determinado indivíduo", normalmente, "políticos ligados ao governo" ou pessoas que denunciam os grupos armados, referiu.

"Para parar esta guerra, o importante é negociar com as pessoas, entender o que querem" e descobrir a oportunidade para fazer a paz.

"Estas coisas seriam facilmente resolvidas com uns estados gerais" ou qualquer outro nome que se desse a reuniões para congregar no diálogo todas as partes interessadas, concluiu Yussuf Adam.

Seamus Duggan, analista e especialista da consultora Control Risks, que está a prestar serviços na zona, disse à Lusa que "a religião tem um papel que vai continuar a ser importante na definição dos alvos e táticas" dos ataques daquilo que designa como "grupo militante islâmico al-Sunnah".

"O descontentamento político e económico vai facilitar a tarefa de recrutamento" para as ações no terreno, acrescentando haver indícios de outras ramificações, ligadas ao crime organizado na província.

Os ataques continuam, esporadicamente e em locais isolados, um ano depois, graças "à estrutura em células" do movimento, que lhe permite escapar às forças de segurança, numa província de grandes áreas, pouco povoada e com mato denso - isto apesar "do reforço substancial das forças de defesa e segurança", acrescentou.

A análise à evolução dos ataques aponta para uma tentativa do movimento de "aumentar a abrangência territorial" até à Tanzânia e províncias vizinhas de Cabo Delgado, refere Duggan, que realça também o fácil recurso a armas nos recentes ataques.

Bernardino Rafael, comandante-geral da Polícia da República de Moçambique (PRM), anunciou na quinta-feira que os ataques no norte de Moçambique mataram 90 pessoas e feriram outras 67, desde que começaram, há um ano.

Um total de 280 pessoas suspeitas de envolvimento nos ataques estão detidas, acrescentou, e o julgamento de parte delas arrancou na terça-feira em Pemba, na capital provincial de Cabo Delgado.

Os ataques acontecem numa altura em que avançam os investimentos de companhias petrolíferas (Anadarko, Eni e ExxonMobil) em gás natural na região, mas sem que até agora tenham entrado no perímetro reservado aos empreendimentos.

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