Portugal atento à invasão de Praga em 1968 e crítico de governo alemão
Na sequência da invasão da Checoslováquia, em agosto de 1968, pela União Soviética, o embaixador de Portugal em Bona informava sobre a possível "aceleração" da integração europeia e da "falência" da política externa da República Federal da Alemanha.
© Reuters
Mundo Primavera de Praga
No dia 21 de agosto a embaixada de Portugal na República Federal da Alemanha (RFA) informa o Ministério dos Negócios Estrangeiros em Lisboa através de um telegrama "urgente" que o governo de Bona está reunido desde as primeiras horas da manhã "a fim de apreciar os acontecimentos na Checoslováquia".
"Os jornais esta manhã ainda referiram a intervenção soviética em Praga, mas considera-se de que a intervenção representa 'falência da política de leste' do chanceler Willy Brandt. É difícil ainda avaliar os efeitos na política interna da RFA", escreve o embaixador Homem de Mello.
As tropas de Moscovo invadem o país na noite de 20 para 21 de agosto pondo fim à 'Primavera de Praga' e às reformas de Alexander Dubcek que tinha abolido a censura e autorizado o direito de reunião além de ter anunciado a preparação de novas propostas económicas.
O "sonho de um socialismo de rosto humano" chegava ao fim e fica marcado pela resistência dos civis contra os tanques soviéticos durante o mês de agosto provocando tensões políticas na Europa.
De acordo com historiadores morreram 72 pessoas e 700 ficaram feridas nos confrontos sendo que milhares de cidadãos são presos e perseguidos.
De acordo com os documentos consultados pela Lusa no Arquivo Histórico Diplomático do Ministério dos Negócios Estrangeiros o interesse da embaixada de Lisboa em Bona sobre a invasão é motivo de vários telegramas, sobretudo no final de agosto e início de setembro de 1968.
No dia 21 de agosto, em telegrama confidencial enviado às 21:30, o embaixador português dava conta de um contacto com o embaixador italiano, Mario Luciolli sobre a invasão das forças soviéticas.
"Em sua opinião, que parece ser também a do (governo) de Roma com quem esteve em contacto telefónico há pouco, nada há evidentemente a fazer para ajudar a Checoslováquia, mas disse-me que a agressão russa vai dar uma 'chicotada' no mundo ocidental e desfazer as não pouco perigosas ilusões de reforçar a Aliança Atlântica. Vai talvez apressar a integração política europeia", relata Homem de Mello.
Os telegramas enviados de Bona para Lisboa revelam que o embaixador mostra também a atenção e acompanhamento em relação à situação na Checoslováquia desde o princípio do ano de 1968 através de fontes diplomáticas, partidárias e de contactos diretos com o governo da RFA.
Um dia após a invasão, Homem de Mello analisava igualmente a intervenção militar através de um contacto com o embaixador suíço Max Troendle, antigo embaixador em Moscovo, que "confessou ter ficado surpreendido com a agressão soviética".
"Troendle supõe que deve ter havido outras razões muito fortes, talvez fundadas no receio de que o exemplo checo tivesse repercussões sérias na República Democrática Alemã (RDA), Polónia e mesmo na Ucrânia que, ao contrário do que se pensa no Ocidente, deve ser considerada à parte da restante Rússia", reporta o embaixador no dia 22 de agosto.
A 24 de agosto um novo aerograma "confidencial" revela preocupações sobre a Roménia após contactos estabelecidos numa receção na embaixada de Bucareste.
"Vários políticos e altos funcionários com quem falei mostraram receio de que a Roménia venha a ser invadida em breve pela Rússia cujas tropas estariam a concentrar-se a 30 ou 50 quilómetros da fronteira", escreve Homem de Mello.
Na mesma mensagem o embaixador transmite que a agressão contra a Roménia estaria prevista num plano que previa inicialmente a invasão da Checoslováquia e que iria continuar com o "fim de neutralizar veleidades de independência dos países satélites" de Moscovo.
A situação na Roménia para a centrar as atenções do embaixador português que no dia 26 é recebido na residência do embaixador de Bucareste em Bona.
Na mensagem confidencial, Homem de Mello, relata que o homólogo romeno se mostrou "cético" quanto a uma intervenção soviética contra Bucareste, mas critica os acontecimentos na Checoslováquia reconhecendo que o "movimento tendente a maior liberalização do regime" se verificava também na Polónia, República Democrática Alemã (RDA) e em diversas repúblicas soviéticas como a Ucrânia, Geórgia e Arménia.
"Mesmo em Moscovo os meios intelectuais e na mocidade (soviética)" se verificam vontades de mudança, afirma o embaixador romeno apesar de não ter informações sobre a "falta de unanimidade" na cúpula do regime liderado por Leonid Brejnev.
Até ao final do ano o olhar sobre a Checoslováquia mantem-se mas a embaixada passa a ter maiores preocupações ligadas com o estado de saúde do ditador António Oliveira Salazar vítima de uma queda durante o verão.
A postura da embaixada indica que o regime português mantém-se, a guerra colonial contra os movimentos de libertação em Angola, Moçambique e Guiné-Bissau também, assim como as ligações de Lisboa em relação aos parceiros da NATO.
No último dia do ano a embaixada refere-se a notícias publicadas na imprensa alemã sobre o acordo que "teria sido" assinado entre os ministros da Defesa de Lisboa e Bona sobre a utilização alemã da base aérea de Beja.
"Alguns jornais esta manhã publicam telegrama de Moscovo (agência Tass) referindo-se ao acordo sublinhando que se guarda segredo sobre o preço que a RFA teve de pagar pela base e insinuando que os pilotos portugueses que 'atuam contra movimentos africanos de libertação' vão ser treinados conjuntamente com os alemães nos mais modernos processos de condução da guerra", escreve o embaixador no dia 31 de 1968, o ano da "Primavera de Praga".
Em Portugal a ditadura vai manter-se até 1974 e a guerra colonial também.
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