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Legado de Mandela insuficiente para África do Sul resolver desigualdades

Mais duas décadas depois do fim do apartheid, em 1994, a pobreza e as desigualdades sociais na África do Sul, a economia mais industrializada de África, dividem o partido no poder na governação democrática de um país que tem ainda um longo caminho a percorrer para alcançar os ideais que Nelson Mandela deixou consagrados na Constituição da República, afirmam analistas.

Legado de Mandela insuficiente para África do Sul resolver desigualdades
Notícias ao Minuto

10:48 - 22/07/18 por Lusa

Mundo Analistas

"A sua visão era a de um mundo livre, democrático e não racial, no qual todos nós temos oportunidades iguais e somos libertos da pobreza, marginalização e incapacitação", diz o arcebispo da igreja Anglicana da África do Sul Thabo Makgoba.

Cem anos depois do nascimento do líder africano, o arcebispo Makgoba considera que é preciso avaliar o futuro: "Ao considerar o legado de Madiba, há, por um lado, o perigo de se romancear as suas realizações de uma maneira que nos deixa mal preparados para enfrentar os desafios dos tempos muito diferentes daqueles em que ele viveu. As suas políticas e soluções não são necessariamente soluções e políticas apropriadas um quarto de século depois", afirma.

"Por outro lado, existe também o perigo de julgá-lo e ao seu legado sem considerar o contexto em que ele viveu e lutou. Estou triste quando vejo jovens criticando o legado de Madiba e alegando que ele 'nos vendeu' por não construir a Terra Prometida em vida", sublinha o arcebispo.

O líder da Igreja anglicana questiona ainda se os líderes da geração de Madiba não tivessem feito os compromissos que fizeram, se "teríamos tempo, ou mesmo estaríamos vivos, para criticá-los?"

Hoje, é preciso "acabar com a desigualdade de oportunidades", diz o arcebispo sobre a África do Sul, a economia mais industrializada de África, considerando que é preciso "colocar a Justiça no centro" e "beneficiar os mais pobres dos pobres - que parecem ser ignorados nos debates atuais".

Para o académico Masupye Herbet Masrumule, profeesor de Assuntos Públicos na Universidade de Tecnologia de Tshwane, em Pretória, "a liderança de Mandela estabeleceu as bases para uma sociedade melhor", sublinhando que "a delicada transição exigiu engenhosidade - não populismo - para evitar a possibilidade de mergulhar o país na guerra".

Mas da "nação arco-íris" que a geração de Mandela edificou nasceu uma liderança diferente, como aponta Tinyiko Maluleke, investigador na Universidade de Pretoria.

"Os nossos líderes parecem terem-se esquecido como falar para nós como nação. Uma coisa é a sinceridade e honestidade sobre as disparidades económicas e políticas. É outra coisa quando escondem a sua falta de uma visão unificadora sul-africana como povo, favorecendo interesses sectários, provinciais e tribais", afirma.

Para Sello Mokoena, chefe de pesquisa e política de Desenvolvimento Social do governo provincial de Gauteng, os sul-africanos têm de "aprender com o espírito reconciliador de Madiba e apoiar intervenções nobres destinadas à nação": "Isso permitirá que os indivíduos se libertem do preconceito racial e da violência e da etnia 'anti-outsider', que parecem estar a ganhar espaço".

Ao assumir o cargo, em fevereiro de 2018, o novo presidente do país e empresário multimilionário, Cyril Ramaphosa, apelou ao lado ético de Mandela para trabalhar por uma África do Sul mais justa.

Ramaphosa, que tem sido elogiado pelas suas primeiras iniciativas de governação, prometeu uma "nova era" tendo como pilares principais do seu mantado, o combate à corrupção na administração do Estado, a atração de investimento estrangeiro e a expropriação sem compensação financeira.

Na opinião de Frans Cronje, diretor do Centro para Análise de Risco do Instituto de Relações Raciais, a onda de "Ramaphoria" é uma "ilusão".

"O governo sul-africano não está firmemente comprometido com as reformas estruturais. Até hoje, vimos a nova administração defender, em voz alta, políticas de expropriação sem compensação financeira, salários mínimos mais elevados, educação superior gratuita, e uma lei da mineração que está muito aquém do necessário para a África do Sul se tornar competitiva e num destino de investimento no setor", afirma, acrescentando: "Também vimos o governo capitular nos salários do funcionalismo público, nas negociações salariais com a Eskom (a estatal da energia elétrica) e, mais recentemente, perante as ameaças do rei zulu (relativamente à expropriação das suas terras)".

"Além disso, detetamos uma profunda hostilidade às reformas das políticas na educação. [...] O clima de política interna é mais hostil do que há um ano e grande parte dessa hostilidade foi proclamada pelo próprio Ramaphosa e por aqueles que nomeou para o novo Executivo", acrescenta.

Nos últimos anos, o Governo procurou criar uma maior participação no mercado de trabalho por parte da maioria negra, ao legislar sobre programas de ação afirmativa, mais conhecidos por 'Empoderamento Económico Negro' (BEE, em inglês).

Todavia, essas iniciativas não criaram empregos mensuráveis e os críticos do BEE argumentam que serviram apenas para criar uma classe de elites económicas que utilizam as suas ligações políticas no partido no poder para acumular fortunas pessoais.

Sean Gossel, da UCT Graduate School of Business, na Universidade do Cabo, afirma que o novo chefe de Estado precisará de fazer muito mais para recuperar a confiança dos investidores e das agências de notação financeira internacionais.

"Essas medidas irão, de algum modo, corrigir os erros do passado, mas estão longe de ser suficientes. Não é suficiente que os políticos que supervisionaram e contribuíram ativamente para a dizimação do tecido social e económico do país, que simplesmente se retirem da política ativa, se mudem para novos cargos no Congresso Nacional Africano, ou sejam transferidos para outros departamentos da administração pública", afirma.

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