Urnas abrem no Burundi para um referendo constitucional "à porta fechada"
As urnas para o referendo constitucional que, em caso de vitória do "sim", permitirá ao Presidente Pierre Nkurunziza manter-se no poder, no limite, até 2034, abriram hoje cedo, numa votação sem qualquer observador e contestada pela oposição.
© Reuters
Mundo Pierre Nkurunziza
Considerado já como um "referendo à porta fechada", o referendo altera o número de mandatos presidenciais, passando de dois para quatro, e estende de cinco para sete anos a legislatura do chefe de Estado, prenúncio de uma candidatura de Nkurunziza, no poder desde 2005, nas eleições de 2020.
Cerca de cinco milhões de eleitores estão inscritos para a votação, cuja campanha eleitoral foi marcada por atos de violência que causaram pelo menos 27 mortos, pela suspensão de seis meses de rádios internacionais como a BBC e a VOA e pela decisão governamental de condenar a penas de prisão quem apelar à abstenção.
Tal, porém, não impediu a plataforma da oposição, no exílio, de apelar ao boicote, enquanto os partidos da oposição no interior do país optaram por apelar ao "não", evitando, desta forma, quaisquer represálias legais.
A campanha ficou ainda marcada por raptos de dirigentes da oposição e por inúmeras detenções arbitrárias, bem como pela ausência de um verdadeiro debate democrático, tal como foi denunciado por várias organizações internacionais.
Constitucionalmente, o Presidente está limitado a dois mandatos, mas, em 2015, Nkurunziza, ao anunciar a intenção de se apresentar na corrida pela terceira vez, desencadeou uma onda da violência e repressão, condenada pela comunidade internacional e por uma vasta maioria de organizações não governamentais.
As condenações vieram, entre outras, da ONU, União Africana, União Europeia e da Comunidade Económica dos Estados da África Central, bem como da Federação Internacional dos Direitos Humanos, Amnistia Internacional e Human Rights Watch, que se recusaram a enviar observadores eleitorais, garantindo que não reconhecem o referendo.
Por outro lado, a cobertura eleitoral do referendo por jornalistas estrangeiros foi "boicotada" pelas autoridades de Bujumbura, que levantaram inúmeras dificuldades para a obtenção de vistos de entrada no país, tal como denunciou a Associação de Correspondentes da Imprensa Estrangeira na África Oriental.
Hoje, em Bujumbura, a imprensa local, maioritariamente estatal, dá conta de grandes filas de votantes e que a segurança é garantida por um também grande número de elementos das forças de segurança.
As 11.076 assembleias de voto abriram às 06:00 locais (04:00 em Portugal) e encerram às 16:00 locais (14:00 em Portugal), desconhecendo-se ainda quando serão conhecidos os resultados.
Analistas locais e internacionais, consideram que o "sim" obterá uma vitória "fácil".
O boletim de voto não inclui qualquer pergunta, surgindo apenas a menção "referendo constitucional da República do Burundi de maio de 2018", com quadrados em que se poderá colocar um "x" no "sim" e no "não" ("ego" e "oya" en kirundi, a língua local).
Nkurunziza é mais um chefe de Estado africano a optar por alterações constitucionais ou a recorrer a outros meios para se manter no poder, seguindo o exemplo de Yoweri Museveni, Presidente do vizinho Uganda desde 1986, que poderá manter-se no cargo até 2031, depois de mudar a Carta Magna do país.
Por seu lado, Joseph Kabila, Presidente da República Democrática do Congo (RDC) desde janeiro de 2001, tem conseguido contornar o facto de ter terminado o segundo mandato constitucionalmente permitido através do adiamento sucessivo das eleições, remarcadas desta vez para dezembro deste ano.
Nos meios da oposição burundesa é dado conta da "dificuldade de combater" o regime de Nkurunziza, argumentando que toda esta situação vai descambar numa maior rebelião e em mais sangue.
Hussein Radjabu, figura da oposição burundesa que foi um antigo aliado de Nkurunziza, já deu conta da possibilidade de a repressão e autoritarismo só está a deixar a porta aberta à via das armas.
"A única opção viável agora é usar as armas e estamos determinados em usar todos os meios para defender a nossa causa", disse Radjabu à agência noticiosa Associated Press, que lembra que esta figura da oposição foi presa por traição, conseguiu fugir da prisão e exilar-se no estrangeiro.
Desde que Nkurunziza anunciou a intenção de se recandidatar a um terceiro mandato, em abril de 2015, os incidentes e a repressão provocaram 1.719 mortos, 486 casos de desaparecimentos, 558 vítimas de tortura e 8.561 detenções arbitrárias, segundo registou a Liga ITEKA, uma organização local de direitos humanos impedida de operar no Burundi desde outubro de 2016.
Por outro lado, o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados indicou que mais de 430.000 burundeses procuraram refúgio nos países vizinhos.
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