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"Nenhuma mãe pergunta à filha se ela teve prazer na primeira relação"

Falar de sexo não é apenas descrever a atividade física associada ao ato. É falar de intimidade, de gostos, de proteção e, sobretudo, falar da própria sexualidade. A uma semana do Dia do Orgasmo, a terapeuta de casal e sexóloga, Marta Crawford, é a entrevistada de hoje do Vozes ao Minuto.

"Nenhuma mãe pergunta à filha se ela teve prazer na primeira relação"
Notícias ao Minuto

11:32 - 24/07/17 por Daniela Costa Teixeira

Lifestyle Marta Crawford

É protagonista na Sétima Arte e marca presença nuns quantos episódios de telenovelas. Dá origem a letras de música e foi inspiração para a arte antiga. As descrições surgem na prosa dos livros, mas é nos jornais e nas revistas que vem a explicação. O sexo está em todo lado, mas continuamos a ter pudor em falar dele. Porquê? Porque fomos habituados a fazer dele uma espécie de não-assunto.

O sexo não é tema de conversa em casa, continua a não ser uma temática explorada nas escolas e nem sempre - ou quase nunca - é discutido pelo casal. Fala-se muito de sexo, é um facto, mas fala-se por falar e "falar não é dialogar, não é compreender, não é expressar-se intimamente, é uma coisa diferente".

Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, a sexóloga Marta Crawford fala da "caixinha de Pandora" que é o sexo, da dificuldade em pedir ajuda e do efeito da internet na sexualidade atual. Não aponta o dedo a quem quer que seja, mas dispara em várias direções na hora de criticar a forma como olhamos para sexo nos dias de hoje. E a culpa recai sempre no mesmo: na falta de comunicação (com os outros e com a própria pessoa)

Falamos muito de sexo ou nem por isso?

Acho que não, as pessoas quando falam de sexo, falam nas anedotas, falam da vida dos outros, até podem falar abertamente e em termos genéricos sobre sexo. Hoje isso é possível, mas, depois, na intimidade, na relação com o parceiro ou parceira ou quando se questionam sobre si próprias, isso já não é tão verdade. Há uma grande dificuldade de falar sobre intimidade, sobre o que é que se gosta, o que é que não se gosta, o que é que se quer, o que é que não se quer. Muitas vezes, as pessoas aceitam coisas que não gostam porque acham que é preciso aceitar, se não não conseguem 'aquela' relação, portanto, fala-se muito, genericamente, nos canais, nas revistas, toda a gente fala de sexo, mas falar não é, enfim, dialogar, não é compreender, não é expressar-se intimamente, é uma coisa diferente.

Nenhuma mãe pergunta à filha quando ela tem a primeira relação sexual se ela teve prazer, pergunta se teve cuidadoMas, porque é que esse tabu ainda existe?

Nós não fomos preparados para aprender a falar sobre intimidade. A família não fala sobre intimidade, muitas vezes é tabu e mesmo que se fale é sobre os cuidados, métodos contracetivos ou aquelas coisas genéricas, não se fala muito sobre o lado emocional da intimidade, o prazer. Nenhuma mãe pergunta à filha quando ela tem a primeira relação sexual se ela teve prazer, pergunta se teve cuidado. Estamos a falar do sexo sempre sob o ponto de vista da coisa má, de que não é uma coisa bonita, de que não é uma coisa partilhável em família. A mãe não vai perguntar porque nem sequer sabe, provavelmente. Também não vai perguntar ao filho se foi bom, não é um tema a falar, seja a intimidade, o que é que se gosta e o que é que não se gosta, qual o propósito da sexualidade, que é importante ter prazer, que é importante as pessoas saberem defender-se daquilo que não é bom, saberem dialogar com o parceiro ou com a parceira, isso não é passado em lado algum, nem mesmo numa escola, não se fala sobre isso.

Acho que um dos grandes problemas é achar-se que não é preciso falar sobre essas coisas. Oiço tantas vezes no consultório as pessoas dizerem isso, que há coisas que não é suposto falar e que as pessoas acham que o outro vai adivinhar, o que é completamente ridículo porque ninguém vai adivinhar o que lhes vai na alma ou na cabeça. Há casais que vivem há imenso tempo juntos e que, mesmo assim, um ou os dois acham que não é preciso verbalizar a coisa porque o outro vai adivinhar. Regra geral: Não acertam. Esperar até que o outro acerte nos nossos pensamentos íntimos vai uma vida e muitas vezes não se chega lá.

Porque é que para os pais o sexo na adolescência continua, de certo modo, a ser visto como um comportamento de risco?

Para já, porque têm a consciência de que não falaram com eles sobre isso e como, se calhar, falaram sobre outros temas, portanto, não têm a certeza do que é que eles sabem; por outro lado, demitem-se dessa função, porque acham que a informação está em todo o lado e provavelmente os meios de comunicação e as revistas são capazes de saber mais sobre o tema do que eles, e demitem-se desta função.

Depois, se calhar, também já ouviram a geração anterior dizer que é preciso ter cuidado, aquela frase célebre que se diz às raparigas quando vem o período, o 'olha que agora és uma mulherzinha, vê lá o que é que fazes', e aos rapazes o 'vê lá o que é que nos fazes' e andamos um bocadinho, a certa altura, a acreditar que é a partir da adolescência que os miúdos despertam para a sexualidade, o que não é verdade. Para os miúdos, a sexualidade é um crescendo e é preciso perceber que não é aos 17, aos 15, aos 14 ou aos 13 que se vai falar pela primeira vez de questões relacionadas com a sexualidade, porque os receios que os pais têm dos comportamentos de risco é porque, se calhar, têm a perceção de que nunca lhes falaram de métodos contracetivos, da utilização de um preservativo, da importância que isso tem.

Isto é como as línguas, se aprendemos as línguas cedo, ficam interiorizadas, estas coisas da educação sexual, se nós aprendermos numa fase de construção da nossa personalidade, é muito mais fácil isso ficar integrado e evitar, de facto, situações que não têm muito sentido. Os pais podem ter medo a certa altura, porque, se calhar, alguns se demitiram dessa função e outros também passaram por lá e sabem o que fizeram. A adolescência tem esta coisa, é o grito do Ipiranga, 'é o eu posso, quero, faço e mando e sei mais que os nossos pais que são os 'cotas', por isso há receio de não conseguir conter aquilo que um adolescente quer.

A masturbação é muito mais fácil e ver pornografia é muito mais rápido. E há muitos a recorrerem a isso por uma questão de facilidade, mesmo quem têm parceiros

No que diz respeito ao sexo em si, os portugueses são dos que acreditam que o sexo bom é aquele que se vê nos filmes pornográficos?

Acho que nos últimos tempos, com a democratização da pornografia e do sexo fácil da pornografia, não sei se acham ou se não acham, mas o que é certo é que aumentou muito o consumo e isso vê-se através dos pedidos que muitos casais fazem no consultório, ou seja, há aqui uma questão de vício de um dos elementos, que começou a ver mais e a satisfazer-se sozinho, a inibir a relação. Nos casais, por exemplo, isso aumentou nos últimos tempos, sim.

Não sei se a pornografia é vista como o que é bom, o que é melhor, mas é o mais fácil, a pornografia é muito fácil. Uma pessoa que vê pornografia não tem de recorrer ao seu imaginário, à sua fantasia, não dá trabalho, é só carregar no botão e desligar quando se termina e escolher o que se quiser no menu. É muito fácil e depois é só pôr a mão lá no sítio, estimular e está resolvido, ou seja, não implica a intimidade, não implica o esforço de estar na relação com outra pessoa, não implica carinho, não implica ir ao encontro das necessidades do outro, não implica avaliações, não implica o compromisso, nada.

A masturbação é muito mais fácil e ver pornografia é muito mais rápido, é uma coisa mais individualista e solitária e há muita pessoa a recorrer a isso por uma questão de facilidade, mesmo as que têm parceiros, porque perante qualquer situação em que são questionados sobre as suas competências sexuais ou performances refugiam-se nisso, que é uma coisa que garantidamente vai resultar. Na prática, não acho que as pessoas achem que a pornografia em geral é o sexo, acho que isso não, as pessoas são críticas, sabem que aquilo são grandes planos, que é o 'tumba-tumba'. Sabem que é uma coisa específica e que as relações são diferentes, mas é mais fácil e daí o maior consumo.

As desculpas são uma forma de defesa, até mesmo de defesa contra o sexo mauE a nível de desculpas, o povo português é de dar desculpas para não ter sexo?

O povo português, e se calhar não só o povo português, dá muitas desculpas para não ter sexo. É a vida, a economia, o desemprego, trabalho, o stress, tudo são boas desculpas para não ter e eu acho que as desculpas, às vezes, são fundamentais quando a relação íntima é má. É bom que as pessoas tenham essa capacidade, mesmo que não tenham a capacidade de enfrentar o problema, de resolver porque é que é mau, porque é que não é satisfatório, porque é que não apetece. Em vez de perceber a razão dessas coisas, a pessoa arranja desculpas e qualquer desculpa funciona, o espirro do vizinho, a gato que está constipado, o trabalho, o patrão, o colega, portanto, essas desculpas existem e são formas da pessoa se defender daquilo que não consegue ou não tem coragem de resolver e entender, porque é possível não conseguirmos entender porque é que não nos apetece qualquer coisa. As desculpas são uma forma de defesa, até mesmo de defesa contra o sexo mau. Se as coisas não me satisfazem, tenho esta capacidade criativa de arranjar desculpas que sejam aceitáveis para a outra pessoa.

São assim tantos os fatores que contribuem para uma pessoa não querer estar com outra?

São, desde a doença, a depressão, a ansiedade, a insegurança, a falta de confiança, desde o facto de não gostar, efetivamente, de estar com outra pessoa, desde algum tipo de disfunção sexual, enfim, há muitas circunstâncias que levam a não querer estar com alguém, é uma lista infindável. Nas relações, pegando nos casais, tem muitas vezes a ver com a insatisfação na relação, mas, genericamente, vai parar à dificuldade dos casais comunicarem entre si e existem demasiadas ideias erradas sobre o que é que se está a passar, é o 'eu acho que tu achas' que depois interfere com a disponibilidade do casal para estar intimamente. Resolvendo-se isso, os casais voltam a ter uma vida sexual satisfatória para ambos.

Mas o sexo pode também contribuir para outros fatores...

O sexo é uma caixinha de Pandora que se abre e que se fecha. Muitas vezes, os casais procuram ajuda e dizem, por exemplo, 'está tudo bem, damo-nos lindamente, gosto muito dele, ela gosta muito de mim, tudo maravilhoso, o único problema é sexualmente', ou ela tem menos desejo, ou ele ejacula muito rápido. Mas percebe-se que não é só isso, ao fim de duas ou três sessões de terapia, e mesmo que eu faça uma intervenção dirigida apenas a esse problema sexual, o certo é que percebo que não é só isso, que afinal até há uns problemas de comunicação, que afinal até há questões de poder na relação, afinal a sogra interfere, afinal o trabalho dela ou dele está a interferir bastante na disponibilidade... quando eu me apercebo dessas coisas, quando as pessoas não as comunicam logo de início, tenho de fazer uma intervenção mais alargada e, inevitavelmente, já estamos a trabalhar outras questões, mais a nível de terapia conjugal envolve muitas coisas, até a divisão das tarefas domésticas em casa, questões da família de origem, estamos a fazer uma terapia sistémica.

Começo a perceber que existem determinados fatores naquele sistema conjugal que estão a interferir na disponibilidade sexual e posso até fazer uma coisa destinada para aquilo e tentar esquecer o resto, mas seria estúpido, porque até podia resolver a questão sexual mas mais à frente as outras questões vão interferir de novo, temos de trabalhar todas as questões. Muitas vezes paro a terapia sexual para trabalhar aquelas questões específicas de um ou outro elemento do casal.

Existe algum tipo de pudor em procurar ajuda para salvar a vida sexual?

Há menos, mesmo assim a maior parte das pessoas acha sempre, em primeiro lugar, que consegue resolver por sua conta, fazendo aquelas coisas que todos os casais fazem quando têm um problema sexual que é comprar a lingerie nova, ir à sex-shop, fazer um fim de semana fora, jantar fora. Mas, se as coisas não estão bem na relação, é difícil que isso resulte por si só. O mesmo acontece nas férias, as pessoas acham que as férias vão resolver tudo e o que é certo é que há uma espécie de aumento da procura depois das férias exatamente porque os casais estiveram a conviver de manhã à noite e percebem que não têm proximidade, que não têm intimidade e que estão zangados um com o outro. Têm a expectativa de que as férias são mágicas, tipo o Pai Natal, que vão resolver tudo, mas não vão. Se as coisas não estão bem durante 340 e tal dias do ano, não é naqueles vinte e tal dias que milagrosamente as coisas se resolvem, só porque está sol ou dão um mergulho no mar, isso alivia o stress, mas a essência da razão não está bem.

As pessoas, nesses momentos, procuram ajuda, mas às vezes têm problemas que não entendem e sentem-se sozinhas com esse problema, como as situações de vaginismo, que são comuns e em que a penetração é muito difícil e os casais acham que, no fundo, isto é uma coisa tão fora do comum que vão tentando resolve,r mas não conseguem resolver porque é muito difícil conseguirem-no sozinhos e, por isso, levam algum tempo até pedir ajuda. Tudo o que tem a ver com a sexualidade, a internet deu a possibilidade de pessoas irem lá 'googlar' e perceberem que há muita gente com problemas semelhantes e que é possível contorná-los, que é possível pedir ajuda e que não há mal algum nisso, algo que há 20 ou 25 anos era mais difícil. Antes, as pessoas pediam ajuda quase no limite do desespero, agora, as pessoas vêm mais facilmente pedir ajuda com menos tempo de relação, pedem logo no início do problema e às vezes o problema tem pouco tempo, são namorados, começaram a relação há pouco tempo.

A internet umas vezes é útil, outras vezes não é nada útilCostuma ser o homem ou a mulher a pedir ajuda ou é uma decisão maioritariamente de casal?

A maior parte é de casal, depois é 50-50. O homem procura primeiro, talvez. Muitas vezes prefere vir sozinho numa primeira consulta até para perceber como é que a coisa vai funcionar, se vai haver terapia ou para eu o ajudar a convencer a parceira, que eventualmente não está interessada em fazer terapia porque não se sente à vontade para falar de sexo com um terapeuta. Outras vezes é a mulher quem diz o mesmo, que ele é muito tímido, muito reservado. Tendencialmente vem um e depois diz que vai falar com o outro ou pede ajuda para saber o que dizer para convencer.

Há casais que conseguem trazer os esposos, seja feminino ou masculino, há outros que não conseguem trazer e ficam individualmente. Há outros que têm tanto medo de trazer as mulheres, ou porque têm segredos ou querem o terapeuta só para si, e acabam por vir individualmente.

Mas assim não há um certo desequilíbrio na relação?

Sim, há, e quando lhes falo em terapia de casal explico que é importante que venha a outra pessoa e depois vou vendo os dois individualmente para ficar ela por ela. Mas uma pessoa que vem uma primeira vez, depois vem uma segunda vez e ainda diz que está a convencer a outra e vem uma terceira, então eu já não vejo como um casal, obviamente, a não ser que seja uma coisa assim muito excecional, porque no fundo já percebi que não é essa a intenção, que efetivamente não há um esforço individual para convencer a outra pessoa.

Mas, a maior parte das pessoas que procuram terapia, vêm já com uma decisão tomada enquanto casal, porque houve uma traição, porque houve uma situação de desgaste na relação por uma questão sexual ou pessoal. Enfim, as razões são muitas para levarem os casais a procurar ajuda, mas alguns vêm já no pico de tensão, é o ou vai ou racha, o que é sempre um pouco preocupante. Outros vêm porque gostam muito um do outro, mas tiveram o primeiro filho e afastaram-se um bocado e houve circunstâncias na vida que se alteraram, como a queda do desejo que é muito frequente. Aqui, o casal até é muito harmonioso e muito saudável, mas há aquela situação que está a ocorrer e que vai interferindo, mas o tipo de intervenção é diferente entre os casais em caos absoluto e aqueles que são uns queridos, uns amorosos.

Disse que há casais que esperam até à última, mas que agora há também casais que procuram ajuda à mínima adversidade. Estaremos perante um efeito da internet?

A internet tem sempre duas vertentes. O que acontece, e não só com a sexualidade, é que as pessoas vão ao médico com um queixa em que já viram o que pode ser e a internet dá-lhes tudo, pode ser tudo, pode ser uma coisinha, mas também pode ser uma doença terminal. Na área da sexologia não é bem nesses extremos, mas as pessoas já leram e já se identificaram com coisas, mas o que é certo é que nas dificuldades sexuais as pessoas têm todas um bocadinho de cada. É como as doenças, se lermos o DSM das doenças mentais [nota de redação: DSM é o Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, ou seja, o Manual de Diagnóstico e Estatística de Doenças Mentais], se lermos o que representa cada doença, há um itenzinho em cada uma das doenças com o qual a pessoa se identifica, se calhar temos um bocadinho disto tudo, mas o que faz uma doença não é só a caraterística da alínea A, tem de ser a da A, do B, do C.... portanto, a junção delas todas é que faz o bingo, é como o Totoloto.

As pessoas leem muitas coisas e até fazem erros de leitura e a perceção é que vêm já com o diagnóstico, mas ficam todos baralhados, até porque há sites mais fidedignos e há outros que ainda criam mais confusão nas pessoas. A internet umas vezes é útil, outras vezes não é nada útil.

Com ou sem muito uso da internet, o facto de agora falarmos muito de sexo e pouco de intimidade não tira valor ao sexo em si? Não corremos o risco de os jovens desvalorizarem o sexo?

O falar é um bocado as piadolas, é o falar por falar, o que vale é que nem todos falam assim, nem oito, nem oitenta. É mais aquela coisa do 'já estive com aquela gaja, é boa, não é boa', o falar do tamanho, o verbalizar tudo, o que fez isto e fez aquilo, mas é uma temática um bocado rasca em termos de conversação, o que não é nada bom. Os próprios adolescentes, com o tempo, percebem que esse tipo de conversa não tem muito interesse, é a conversa do querer ser o mais engatatão e há muitas pessoas, e vejo isso aqui, que falam muito de sexo mas que não têm sexo, falam porque querem ter um estatuto qualquer, que são capazes de fazer isto ou aquilo, ou que isso as vai cotar mais.

O que há agora é uma maior quantidade de facebooks e de fotografias de teenagers a mostrar as maminhas, ou o biquíni, ou o umbigo ou o rabo e a ficarem completamente fascinadas com o facto de terem muitos likes e comentários a dizer que te fazia isto e aquilo. À conta do corpo, à conta das poses, à conta do ar sensual, as raparigas criam de repente, e isso hoje é possível com a internet, uma imagem de uma rapariga super sensual, super sexy, com imensos atributos e desejável e às vezes as pessoas que estão mais inseguras é que precisam mais disso. Se isso lhes dá a segurança que elas precisam, ainda bem, mas nem sempre isso acontece e são alvo de coisas horríveis.

São miúdas e miúdos nessa tendência, mas mais as miúdas até. Expõem-se mais e, por um lado, ficam fascinadas com a qualidade que estas coisas da internet e das redes dão, mas, por outro, isso provoca uma instabilidade profunda, pois uma coisa é aquilo que é a internet e outra é a vida real, as relações, o que é que isso representa, como é que as pessoas se tratam. Há coisas que são muito ruinosas para os adolescentes e o facto de se falar e de haver muitos likes e coisas do género tem um tempo curto e isso traz muitas mossas e só os mais fortes resistem a isso. Mas nem todos os adolescentes falam sobre sexo ou têm conversas, são reservados na sua intimidade.

Os meus livros andavam lá por casa, via que os miúdos estavam a ler os livros e a assinalar algumas páginas e eu falava com eles e fazia perguntas muito diretasQuando os seus filhos foram adolescentes, conseguiu despir a 'bata' de terapeuta sexual?

A minha filha estava na adolescência quando eu fiz o meu primeiro programa, o AB Sexo, há 11 ou 12 anos. As pessoas começaram a conhecer-me publicamente nessa altura, mas eu já fazia clínica, fazia muitas coisas e os meus filhos já estavam muito habituados a ouvir-me falar sobre os factos sexuais e perguntavam-me 'ó mãe o que é isto?'. Na altura desse programa, a Bárbara tinha 14 e as amiguinhas tinham muitas dúvidas e criou-se ali uma coisa engraçada que era a Bárbara ligar-me da escola e dizia 'mãe, não perguntes o nome, mas há aqui uma pessoa que quer fazer-te uma pergunta', eu percebia quem era, embora elas achassem que eu não percebia. Depois a amiga fazia a pergunta, eu explicava e ela passava a chamada à Bárbara e dizia sempre 'dá um beijinho à não sei quantas'.

Isso não a levava pensar que fazia e faz falta mais educação sexual nas escolas?

A escola onde a minha filha andava era um pouco mais conservadora, até havia coisas que a escola falava, como a pílula do dia seguinte, mas era tudo ao lado e eu dizia 'Bárbara, diz à tua professora que ela está errada e que depois falo com as tuas amigas sobre isso'. No ciclo apertado da Bárbara, falar de sexualidade e intimidade foi fácil, porque as amigas recorriam a mim e os amigos do meu filho a mesma coisa. Os meus livros andavam lá por casa, via que os miúdos estavam a ler os livros e a assinalar algumas páginas e eu falava com eles e fazia perguntas muito diretas. Sentia que a informação neles já estava interiorizada e adorava que fosse assim com a população portuguesa, que as pessoas olhassem para o preservativo e dissessem 'obviamente que usei preservativo'.

Há pessoas que me dizem que não usam preservativo e sentem-se fantásticas com isso, sentem que estão acima de uma doença, de uma gravidez, mas especialmente acima de uma doença, de uma infeção sexualmente transmissível. Pessoas que até são inteligentes, que são espertas e eu fico completamente fora de mim, especialmente nas pessoas que são próximas. Como é que é possível uma pessoa ser inteligente e não perceber que o preservativo é o único que tem dupla função de proteção? É preciso utilizar, não é porque eu conheço o Manuel, o Joaquim, a Maria ou a Patrícia, eu sei lá o que eles andaram a fazer. Se eu estou a iniciar uma relação com alguém, se não sei se vai continuar ou não vai continuar, eu tenho de usar preservativo, depois mais à frente logo vejo quais são as opções que tenho para me proteger. Quer dizer, ir para a noite, ter uma relação, não usar preservativo e achar que nada acontece é sinónimo de grande burrice.

Porque é que é tão difícil apostar numa maior e melhor educação sexual?

A lei da educação sexual até está nas escolas, mas é preciso formar os professores que vão falar nesses temas. Uns estão muito preparados e até são dinâmicos, porque há escolas que tiveram verdadeiramente educação sexual, mas há muitas que não tiveram e os professores não são apoiados por diretores de escola. Não conta para a nota, então não vale a pena. As pessoas pensam que é só dizer umas coisas tipo conversa de chacha e não dialogar, não questionar, mas é preciso uma intervenção diferente.

Esta ideia da submissão feminina ainda existe bastante, a mulher aceitar coisas que são inaceitáveisFalar do sentimento...

Sim, até porque muitas vezes o sexo acontece porque eu quero 'pertencer' à outra pessoa. Nunca mais me esqueço de uma rapariga que eu acompanhei e que tinha o 'estatuto' uma deusa sexual, que fazia tudo sexualmente e com brilhantismo, digamos assim. Os parceiros que ela ia tendo, claro, não tinham nada para se queixar, no início da relação ela era fantástica, a tal deusa sexual. Mas ela veio com o namorado e ele queixava-se que ela fazia tudo no início e deixou de fazer, depois eu vi-a sozinha e percebi porque é que ela deixou de fazer, porque ela, verdadeiramente, nunca teve prazer sexual e estava convencida que, de facto, tinha de fazer todos os malabarismos sexuais se não não conseguia conquistar o namorado, ou seja, ela tinha-se em tão pouca conta que ela achava que se não fosse sexualmente esplendorosa que não teria interesse.

Isso é comum nas mulheres, esse tipo de submissão?

Ao ponto desta acho que não, esta, em particular, tinha muita insegurança e um historial que levou a isso, quando ela disse em frente ao namorado que nunca tinha tido um orgasmo ele saiu da sala. Mas esta ideia da submissão feminina ainda existe bastante, a mulher aceitar coisas que são inaceitáveis, então, se eu não estou a gostar daquilo vou aceitar porquê? Pelo amor? 

Porque é que não aceita ele determinadas condições por amor?

O problema é que ela, muitas vezes, não é capaz de dizer faz assim ou faz assado, porque ela não sabe o que é o 'assado' que lhe pode ser bom e outras vezes porque acha que há coisas que não são verbalizáveis, porque não tem essa prática de falar de intimidade, aceita na intimidade sexual, no sexo, coisas que não lhe são agradáveis, mas não o diz, não o diz porque acha que desta vez ele não acertou, mas da próxima vai acertar, ou então tem de aceitar porque faz parte do 'pacote'. Mas isto depende muito da confiança da mulher, da atitude da mulher, da autoestima da mulher, se calhar uma pessoa com menos autoestima aceita coisas piores do que a que está mais confiante e vai à luta. Isso seria o ideal, porque aceitar coisas desagradáveis vai destruindo ao pouco uma pessoa e isto não apenas no sexo feminino, mas vejo mais mulheres a aceitarem coisas que não querem.

Até costumo usar muito este exemplo: quando eu dou uma festa a alguém, há um pressuposto inerente ao conceito de festa que é eu estou a dar uma coisa boa, se eu te faço uma festa, ofereço-te um carinho, uma coisa positiva. Só que a minha festa pode não representar para o outro o mesmo, pode senti-la como uma agressão. E isso acontece muitas vezes, não só ao nível das festas, mas ao nível de estímulo que é feito, o abraço, as brincadeiras, o apertar as maminhas, o apalpão, mas se a pessoa não explica ao outro que aquilo não é do agrado para si, quem faz continua, porque acha que está a fazer uma coisa positiva. E este mal entendido, que não tem palavras mas ações e comportamentos, acontece repetidamente e leva, de repente, a que um dos elementos comece a fugir dessas 'festas', já não se despe à frente da outra pessoa, já reage aos saltos sempre que há uma aproximação e isso inibe completamente a disponibilidade de uma pessoa estar com outra, porque a outra é vista como um agressor.

Há situações em que a pessoa verbaliza e outro continua a fazer e aqui está-se perante uma agressão qualificada e há situações em que a pessoa simplesmente não diz nada e outro pensa que está a fazer bem. Há um equívoco na comunicação e isto acontece frequentemente na intimidade.

Se bem que noutros moldes, a submissão foi um tema falado recentemente por causa da trilogia 'As 50 Sombras de Grey'. Houve algum tipo de 'boom' na procura de terapia à boleia da história?

Houve, mais não seja os jornalistas chateavam-me todos os dias para dar a minha opinião ao ponto de eu dizer 'não me chateiem, eu não li, não vou ler e tenho raiva de quem lê' [risos]. Mas em termos de terapia não houve um 'boom', aquilo para uns provocou algum entusiasmo, um renascer na relação, ousaram fazer coisas que nunca tinham pensado mas que o livro permitia que as fizessem, toda a gente lia, por isso, já era aceitável. Mas teve um tempo curto.

Um casal, quando está mal, vai à sex-shop comprar os seus brinquedos sexuais e usa duas vezes ou nem chega a usar, porque o problema da relação é muito superior a duas bolas chinesas ou a um vibrador, é um outro problema, um problema em que as pessoas não querem mexer, logo, as essas bolas, os chicotes tiveram um tempo curto. Houve entusiasmo, mas depois tudo voltou ao mesmo porque a essência do problema não se resolve assim.

E o facto de a base ter sido o sadomasoquismo não terá dado uma ideia distorcida ou até excessiva do que pode ser o sexo?

Muita gente não se identificou com o livro, mas também houve muita gente que achou que aquilo era uma libertação e que dar umas palmadas até era interessante. Mas, acima de tudo, estamos a falar outra vez da história da Cinderela, em que há um homem rico, poderoso e belo, que manda, mas que tem uma caraterística diferente e que o facto de ser rico, belo e ter helicópteros atenua essa mesma caraterística, é um jogo erótico. Mais do que o chicote em si e as palmadas, era o facto de ser um jogo, não tanto especificamente por haver umas palmadas que entusiasmou, talvez um bocadinho, porque a forma como o sadomasoquismo foi apresentado fez dele mais possível. Entusiasmou, mas não sei se as pessoas se mantiveram entusiasmadas nas suas relações à conta de lerem um capítulo.

*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui

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