O 'burnout' - que leva a um estado de extrema exaustão mental, física e emocional induzido pelo stress - é cada vez mais comum. Como explica Hannah Nearney, psiquiatra e diretora médica na Flow Neuroscience, no Reino Unido, este é um estado descrito pelas pessoas como "um 'colapso' em que se sentem exaustas, emocionalmente desligadas, desmotivadas e incapazes de funcionar".
Além disso, observa que pessoas neurodivergentes - em que o cérebro não funciona dentro do padrão considerado típico, incluindo condições como autismo, PHDA, dislexia e outras variações neurológicas - podem ser impactadas de forma desproporcional.
"Tendem a sofrer stress prolongado causado pela necessidade constante de compensar e mascarar os desafios da função executiva. Isto coloca estas pessoas em maior risco de ciclos frequentes de esgotamento e sobrecarga", explica.
Para ajudar a evitar o esgotamento há sinais que podem identificar os sintomas de 'burnout' e os seus 'gatilhos' - como sentir-se culpado por não querer socializar ou até sentir-se sempre cansado.
O Independent, que conversou com vários especialistas e reuniu as principais dicas para identificar os sinais, diz-nos como gerir e tratar o 'burnout'.
Quais os sintomas a que devo estar atento?
“As pessoas podem viver o 'burnout' de maneiras diferentes. Os principais sinais a serem observados são sentir-se cansado ou mais cansado do que o normal, ter dificuldade em dormir apesar do cansaço e sentir-se irritado. Também pode apresentar alterações de humor, falta de entusiasmo no trabalho, diminuição da produtividade e sensação de distanciamento", destaca a especialista em bem-estar Penny Weston.
Embora o esgotamento possa 'chegar' em qualquer altura do ano, os meses mais frios são mais propícios a vivenciar o estado de 'burnout'. Isto por causa de fatores como o facto de nesta época do ano nos sentirmos mais introvertidos devido às mudanças hormonais causadas pela redução da luz solar e por causa da alteração dos padrões do sono.
Hannah Nearney realça que "reconhecer o que está a acontecer e ser honesto consigo mesmo e com os que estão mais próximos são os primeiros passos cruciais para conseguir ajudar-se".
“Pense nas coisas mais importantes da sua vida e tente simplificar o que está na sua cabeça. Isso provavelmente envolve abrir mão de expectativas, e está tudo bem - todos temos o direito de dececionar as pessoas se precisarmos de priorizar o nosso bem-estar."
Há outros sinais que o corpo nos dá como alerta de que não estamos bem. Quando o corpo está cansado e esgotado, isto pode afetar a imunidade, os níveis de energia e a saúde da pele e do intestino. Exemplos como dores de estômago ou erupções cutâneas podem ser indícios de que está exausto e precisa de descansar.
Os sintomas físicos do esgotamento também podem ser agravados mediante o estilo de vida, relata ainda o Independent. Por isso é igualmente importante pensar na alimentação, nos níveis de hidratação e hábitos de sono.
Como é que posso evitar o esgotamento?
A nutrição está ligada aos níveis de energia, ao stresse ou à capacidade de recuperação do corpo. Muitas vezes, quando estamos em fases de maior stresse, podemos ter tendência a recorrer a alimentos mais reconfortantes ou até ser o oposto e perder o apetite. Mas os alimentos ricos em nutrientes são as melhores 'armas' contra o esgotamento.
"Comer menos, comer de forma irregular (especialmente em horas tardias ou com grandes intervalos entre as refeições), consumir alimentos ou bebidas com alto teor de açúcar, tudo isto pode levar a uma má qualidade do sono e a desequilíbrios nos níveis de açúcar no sangue, o que pode aumentar o cortisol", como explica Cara Shaw, nutricionista da Blueiron, citada pelo Independent.
"Isso pode exacerbar sentimentos de fadiga, ansiedade e sobrecarga, que são os principais contribuintes para o esgotamento. Escolhas alimentares pobres em nutrientes também podem causar deficiências de vitaminas e minerais essenciais, como o ferro - necessários para manter os níveis de energia e o sistema imunitário", afirma.
Se já pensou fazer dieta ou jejum, avalie bem para que seja feito de forma saudável, uma vez que "o jejum pode aumentar a probabilidade de sintomas de 'burnout', especialmente em pessoas já stressadas", diz Cara Shaw.
"Períodos prolongados de jejum podem elevar os níveis de cortisol e esgotar as reservas de energia, dificultando a maneira como enfrentamos o stress. Para pessoas propensas ao 'burnout', saltar refeições pode desestabilizar os níveis de açúcar no sangue, levando à irritabilidade, fadiga e dificuldade de concentração. Embora a alimentação com restrição de tempo possa ser adequada para alguns, é essencial avaliar os níveis de stress e as necessidades nutricionais individuais antes do jejum."
Assim sendo, Cara Shaw recomenda o consumo de alimentos quentes e ricos em nutrientes que retêm energia e fortaleçam o sistema imunitário. Mas, atenção, tal não significa que tem de deixar de lado os alimentos que mais gosta, apenas precisa de ter um plano de alimentos mais variados.
E que alimentos são esses?
- Vegetais, aveia, quinoa e grãos integrais para energia de liberação lenta;
- Abacates, nozes, sementes e peixes oleosos para promover a saúde do cérebro e a regulação hormonal;
- Carnes magras, ovos, tofu, lentilhas e grão-de-bico para estabilizar o açúcar no sangue e reparar tecidos;
- Frutas cítricas, frutas vermelhas, pimentões vermelhos e sementes de abóbora para fortalecer o sistema imunitário;
- Vegetais verdes, carne vermelha, feijão e cereais para combater a fadiga do inverno;
- Chás de ervas calmantes (como camomila e lavanda) podem reduzir o stress.
A atividade física é outro ponto importante
Não é novidade que a atividade física faz-nos sentir melhor, mas é fácil descurarmos este ponto quando estamos mais stressados ou sobrecarregados. Exercícios simples ou até alongamentos leves são importantes para ajudar a melhorar o humor e reduzir o stress - diminuindo assim a probabilidade de se sentir esgotado.
"É essencial não definir metas ou ter expectativas que podem apenas levar-nos ao fracasso", alerta a fisioterapeuta e coach de saúde Edwina Jenner. Os "treinos mais longos ficam muitas vezes para segundo plano", mas é importante "manter treinos curtos juntamente com atividades ao ar livre e caminhadas na natureza". "Em vez de mais uma tarefa ou obrigação, pode ajudar a que pense no treino como vital para a sua felicidade e bem-estar geral."
Assim sendo, Edwina Jenner recomenda fazer treinos curtos e fáceis durante os meses de inverno, como 10 a 15 minutos de exercícios com o peso do corpo, como agachamentos, pranchas e lunge, ou uma caminhada rápida ao ar livre.
Meditação e descanso
Existem outras práticas que podem ajudar a reduzir os níveis de stress, melhorar o sono e fortalecer a resiliência mental em situações desafiadoras. A meditação "é usada há séculos, mas nos últimos anos tornou-se muito mais acessível ao cidadão comum", comenta Penny Weston.
Como qualquer exercício, a meditação exige prática, e Penny Weston explica que "é importante não desanimar se a nossa mente começar a divagar". "Com tempo e esforço, o foco ficará mais forte. É algo que podemos fazer praticamente em qualquer lugar, sem nenhum custo, e há muitos benefícios para o bem-estar mental e saúde geral."
Dormir bem é essencial para regular o humor. Além disso, o descanso é igualmente importante para o cérebro e corpo. Tirarmos um tempo para nos desligarmos, fazer pausas regulares, e não precisam de ser longas, 15 minutos podem ser suficientes para um alongamento, uma caminhada, meditação ou até mesmo um momento de silêncio sem distrações.
"Ter um tempo de inatividade significativo é absolutamente essencial para a nossa saúde mental e física. Com o tempo, o stress pode atingir níveis insustentáveis e as nossas funções cerebrais começam a desacelerar e a funcionar com menos eficiência. Quando fazemos uma pausa, é mais fácil para o nosso cérebro absorver novas informações, processar novas sensações e criar novas memórias", partilha a psicóloga Becky Spelman.
Mas, atenção, uma pausa mais longa também pode levar a um bem-estar melhor a longo prazo, daí a importância de tirar alguns dias de vez em quando.
"Tirar férias para nos concentrarmos em nós mesmos e no que nos faz felizes é importante para o nosso bem-estar. Planear as férias, viajar e refletir sobre o que fizemos aumenta a felicidade e, com isso, os níveis de serotonina no cérebro, contribuindo para um humor positivo e um cérebro saudável", diz ainda Becky Spelman.
'Burnout' e saúde mental afetam portugueses, mas só 3% fazem terapia
Recentemente foi revelado o resultado de um inquérito europeu que indicou que mais de metade dos portugueses (61%) sentem-se esgotados ou em risco de 'burnout' e mais de um terço (36%) têm problemas de saúde mental, mas só 3% fazem terapia.
"No geral, 66% dos europeus já experimentaram esgotamento ['burnout'], sentiram-se à beira dele ou, pelo menos, relataram sentimentos associados a ele", um aumento considerável em comparação com o recorde anterior de 60% em 2024", salienta o 'STADA Health Report 2025', realizado em 22 países.