Doutorado em biologia e antropologia e professor de medicina na Universidade de Howard, em Washington, o investigador português publicou o livro 'Sex, Love & Desire', com o subtítulo 'What science tells us', já à venda nos Estados Unidos e que procura, através da ciência, quebrar mitos relacionados com o sexo, o amor e o desejo.
"No livro procuro a ligação entre o que o nosso corpo quer, biologicamente, naturalmente, e o que a cultura nos quer impor", disse à Lusa a propósito do livro, no qual fala da monogamia, da homossexualidade, do desejo sexual, da intersexualidade, dos meninos que vestem de azul e das meninas de cor-de-rosa.
E fala também dos conflitos entre o que as pessoas realmente desejam e a forma como devem comportar-se com base nos estereótipos e normas sociais predominantes, que leva muitas vezes a insatisfação sexual, mas também a insatisfação com a vida.
"Tanto os estereótipos como os mitos fazem com que as pessoas, e a cultura, tenham de se conformar, não só no sexo, mas na vida em geral, com muitas coisas que poderiam não querer realmente fazer, se pudessem ser livres para isso", disse Rui Diogo à Lusa, lembrando que a poligamia nem sequer é legal em Portugal.
E acrescentou: "A que é que isso leva? Quanto mais estamos fora da natureza, mais fora estamos do que realmente desejamos, com mais normas sociais, mais etiqueta, estereótipos, com mais infelicidade. Porque no fundo estamos a lutar contra nós mesmos, uma guerra contra os nossos desejos e paixões".
Alertando que tal se passa em todas as vertentes, mas especialmente na sexualidade, e que tudo é cada vez mais controlado pelas redes sociais, o investigador admitiu que a luta interna pode levar a níveis cada vez maiores de ansiedade.
Uma das lutas internas prende-se com a monogamia/poligamia. Nas palavras do professor, tendo em consideração o que acontece com outras espécies, sobretudo as mais próximas, como os chimpanzés, e em povos não agrícolas e múltiplas sociedades agrícolas modernas, "os humanos não parecem ser naturalmente monogâmicos".
É a sociedade que os torna monogâmicos, especialmente em sociedades cristãs, como a portuguesa. Noutras sociedades, há outros modelos, como em países muçulmanos onde um homem com várias mulheres ou em partes do Nepal, onde uma mulher pode ter vários maridos, explicou.
Rui Diogo não fala de situações ideais em termos de casamento e dos diferentes tipos de relações entre as pessoas, mas diz que o casamento monogâmico, na atualidade, confere as vantagens de reduzir o ciúme e aumentar o conforto/familiaridade.
O "preço a pagar" é que o desejo sexual por outros é geralmente reprimido, ainda que mesmo assim muitas vezes, "devido às tendências naturais", haja situações de infidelidade, ou se recorra à prostituição.
Já numa sociedade poligâmica, o desejo sexual por outro não é reprimido, mas também há um "preço a pagar", os ciúmes se há um envolvimento sentimental, e a falta de familiaridade.
Completamente natural, disse o investigador e autor de duas dezenas de livros, é também a homossexualidade, que está presente na maioria das espécies de mamíferos.
"Em muitas espécies de mamíferos há cerca de 10 a 12% de homossexualidade, e nalgumas ainda mais", afirmou Rui Diogo, cujas investigações sobre a evolução humana o levaram a cerca de 160 países, a zonas remotas da Ásia e de África.
E embora diga sem hesitar as percentagens em relação a outras espécies, é mais cauteloso quanto à espécie humana.
Na verdade, "o que é realmente difícil é saber a percentagem de homossexualidade em diferentes culturas humanas, porque as normas culturais e os tabus fazem com que não se possa saber quem é homossexual, ao contrário de outras espécies, cujos indivíduos homossexuais obviamente não têm razão para esconder que o são".
E é ainda na natureza que se apoia para dizer que as mulheres "são bastante mais sexuais do que os homens", contrariando a ideia construída de que é o contrário.
Além disso, estudos mostram claramente que as mulheres têm em geral mais "fluidez sexual", podendo passar mais facilmente, por exemplo, de heterossexuais para bissexuais.
Mas, questionado pela Lusa, não atribui à natureza a tendência conservadora e misógina de alguns jovens do sexo masculino atualmente.
"Esta nova procura de modelos sexuais, aliada a uma maior desinibição e poder de escolha das mulheres, tem levado, junto com as redes sociais, em países como Portugal e outros, a uma resposta 'reacionária' de rapazes ou adultos jovens. É uma reação negativa a mudanças sociais".
Este tema, como outros abordados no livro que o autor gostaria de ver publicado em Portugal, pode suscitar discussões. Mas é importante, avisou, que se discuta com base em dados reais, em factos, e não em estereótipos, falsas crenças ou "factos alternativos".
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