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Saúde mental. Acesso a medicação "é sistematicamente diabolizado"

O psiquiatra Pedro Morgado, considerou, em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, que esta "é também uma forma de estigmatização".

Saúde mental. Acesso a medicação "é sistematicamente diabolizado"
Notícias ao Minuto

07:18 - 28/07/22 por Ana Rita Rebelo

Lifestyle Entrevista

Nunca como agora se falou tanto de ansiedade e depressão, em boa parte fruto da pandemia vivida nos últimos dois anos. Ainda assim, o desconhecimento sobre saúde mental continua a ser grande e o estigma que lhe está associado maior ainda. Por medo de não serem compreendidas ou por vergonha, muitas pessoas sofrem em silêncio e não procurem ajuda médica. Combater essa tendência é uma das missões da Angelini Pharma Portugal com a campanha 'Viva! Para lá da depressão', que inclui vídeos, artigos e 'podcasts' sobre o tema.

Em entrevista ao Lifestyle ao Minuto, o psiquiatra Pedro Morgado, defende que, para alterar a situação, "é fundamental aumentar a literacia em saúde mental, garantir o desenvolvimento precoce de competências emocionais, promover a adoção de estilos de vida saudáveis, transformar as cidades para que se tornem espaços promotores de saúde e melhorar o acesso aos cuidados de saúde mental através da transformação do modelo de prestação de cuidados".

O médico que, juntamente com o psiquiatra Daniel Sampaio e os atletas olímpicos Nélson Évora e Bento Amaral, dá a cara pela campanha, recusa diabolizar a medicação. Pedro Morgado entende que isso "contribui para o aumento do preconceito relativamente às doenças psiquiátricas". "Convém não esquecer que em Portugal existem níveis de ansiedade e depressão superiores aos da média europeia, pelo que é expectável que o consumo dos medicamentos que são eficazes no tratamento destas doenças seja mais elevado do que a média", sustenta. 

Notícias ao Minuto Pedro Morgado© DR

A pandemia de Covid-19 veio agravar a saúde mental dos portugueses?

Os estudos que têm sido realizados durante a pandemia evidenciam um aumento do sofrimento psicológico nas fases mais críticas e, posteriormente, uma adaptação generalizada. Demonstraram também que há um conjunto de pessoas que se encontram numa situação de maior vulnerabilidade e têm um risco acrescido de vir a desenvolver doença psiquiátrica. Além disso, a própria infeção por SARS-CoV-2 também está associada a um risco aumentado de desenvolvimento de doença psiquiátrica. No seu conjunto, estas evidências demonstram que podemos assistir a um aumento do número de pessoas que experienciam doença psiquiátrica.

A visibilidade que as questões de saúde mental tiveram durante a pandemia representou um contributo muito positivo para o aumento da informação e a redução do estigma

O que é, afinal, saúde mental?

É um componente central da saúde das pessoas. É o que permite que cada indivíduo se realize em todas as suas potencialidades e possa obter gratificação da sua vida e contribuir para a sociedade de forma positiva. Sem saúde mental tudo isso fica comprometido.

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Nem sempre um problema de saúde mental corresponde a uma doença psiquiátrica

Como reconhecer um problema de saúde mental?

É importante esclarecer que nem sempre um problema de saúde mental corresponde a uma doença psiquiátrica. No primeiro caso, as nossas emoções e pensamentos podem ficar mais descontrolados e, como consequência, os nossos comportamentos podem alterar-se. Nestes períodos, usufruímos menos daquilo que antigamente nos fazia sentir bem e temos menor capacidade de trabalho e para estabelecer relações interpessoais positivas. Se estas alterações se mantiverem durante um período mais prolongado e tiverem um impacto significativo nas nossas vidas e se experienciarmos outros sintomas, como insónia, diminuição do apetite, descontrolo emocional ou pensamentos negativos e difíceis de controlar, é mais provável que se verifique uma situação de doença psiquiátrica.

Considera que a visibilidade dada à saúde mental foi um dos efeitos 'positivos' da pandemia ou ainda persiste o estigma e o preconceito associados às doenças mentais na sociedade portuguesa?

A visibilidade que as questões de saúde mental tiveram durante a pandemia representou um contributo muito positivo para o aumento da informação e a redução do estigma. A informação e a literacia acerca das questões de saúde mental são fundamentais para reduzir o estigma, bem como promover estilos de vida mais saudáveis e aumentar e antecipar a procura dos cuidados de saúde por parte de quem está doente. 

Como funcionou a resposta no terreno?

As respostas em saúde mental durante a pandemia tiveram uma componente preventiva e interventiva. Do ponto de vista da prevenção, foram criadas múltiplas plataformas especificamente dedicadas à saúde mental que aumentaram a informação e foram destacadas positivamente no último relatório do Conselho Nacional de Saúde. Do ponto de vista da intervenção, os Serviços Locais de Psiquiatria e Saúde Mental organizaram-se para manter o apoio aos doentes que já se encontravam em seguimento (tanto presencialmente, como através de consultas à distância) e desenvolveram respostas especificamente dedicadas às pessoas diretamente afetadas pela Covid, incluindo pacientes, famílias e profissionais de saúde.

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Aumentou o número de pessoas que procuram ajuda?

Nesta fase mais avançada da pandemia, existe uma perceção de aumento do número de pessoas que procuram ajuda, mas precisamos de indicadores mais fiáveis para compreender se esse fenómeno é sustentado e dissecar as suas características.

Alguns médicos falam num efeito devastador da pandemia na saúde mental da população. É assim?

Ao longo de toda a História, a espécie humana foi confrontada por crises difíceis e devastadoras, que lhe garantiram uma extraordinária capacidade de adaptação. É muito claro que a pandemia representa um risco para a saúde mental e, como em qualquer crise global, provoca um aumento do número de pessoas em risco de virem a desenvolver uma doença psiquiátrica. Comparativamente com outras crises globais que aconteceram no passado, é muito claro que as respostas de saúde e sociais que foram implementadas contribuíram para amortecer esses riscos de forma significativa.

É fundamental que todas as empresas garantam uma avaliação e monitorização dos riscos psicossociais e da saúde mental dos seus trabalhadores

O que se pode fazer para evitar a tal fadiga pandémica de que vários especialistas falam?

Para evitar a fadiga devemos ter um maior foco no presente, manter hábitos saudáveis, como atividade física regular, higiene do sono, alimentação saudável e contactos sociais regulares e positivos, selecionar adequadamente as fontes de informação e evitar os meios de comunicação mais sensacionalistas.

O teletrabalho teve impacto na saúde mental?

As mudanças abrutas nos nossos hábitos têm o potencial de afetar a nossa saúde mental. Os dados que existem demonstram uma enorme heterogeneidade nos impactos (positivos ou negativos) do teletrabalho na saúde mental. Parece que a melhor via é a adequação da modalidade de trabalho às necessidades da empresa e do trabalhador.

Nas empresas, o que pode ser feito?

O trabalho é um dos principais determinantes da saúde mental. Por um lado, as pessoas que estão desempregadas têm sistematicamente piores indicadores de saúde mental relativamente às que trabalham. Por outro, existem várias condições de saúde e doenças psiquiátricas que resultam das condições e modalidades de trabalho. Por isso, é fundamental que todas as empresas garantam uma avaliação e monitorização dos riscos psicossociais e da saúde mental dos seus trabalhadores, implementando as medidas necessárias para promover a saúde dos mesmos.

Os portugueses trabalham demasiado? Uma semana de quatro dias de trabalho, como acontece já em alguns países, poderia ser uma solução?

Todos os indicadores demonstram que os portugueses trabalham mais horas do que a média europeia, encontrando-se entre os países com maior número de horas de trabalho por ano. Isto significa que é necessária uma reorganização das empresas e dos modelos de trabalho para garantir que aumentamos a produtividade e reduzimos o número de horas de trabalho.

Sobre a depressão, que doença é esta? Como se distingue uma depressão de um estado de tristeza? 

A depressão é uma doença psiquiátrica que se caracteriza pela presença de humor deprimido, anedonia, falta de energia, pensamentos pessimistas e muitos outros sintomas que variam de pessoa para pessoa e incluem alterações do sono e do apetite ou dor. Na depressão a pessoa pode perder a esperança na vida e no futuro, surgindo por vezes pensamentos sobre morte e suicídio. O humor deprimido, que é um sintoma central da depressão, pode descrever-se como uma tristeza patológica que contamina todas as dimensões da vida de uma pessoa em determinado período de tempo. A tristeza é uma emoção normal que faz parte das nossas vidas saudáveis, mas, ao contrário da tristeza normal, a patológica tem uma dimensão e duração que não são adequadas às circunstâncias que a provocaram, dominando toda a vivência da pessoa. A anedonia é a perda da capacidade de sentir prazer nas coisas que antes eram sentidas e vividas como positivas.

A educação começa no início da vida. Nas fases precoces do desenvolvimento, é importante que os pais e cuidadores promovam uma expressão emocional saudável

É depressão hereditária?

A depressão é uma doença que surge pela conjugação de fatores genéticos (hereditários) e ambientais. Existe um componente hereditário e, por isso, devemos estar particularmente atentos aos sintomas quando estes surgem em pessoas com história familiar significativa de depressão.

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Muitas pessoas vão guardando os problemas para si até chegarem a uma fase em que não aguentam mais. O que fazer para evitar que isso aconteça?

Em primeiro lugar, precisamos de aumentar o conhecimento e a literacia acerca da doença para que as pessoas possam identificá-la com maior facilidade. Em segundo lugar, é importante tornar claro que a depressão é uma doença do cérebro que se manifesta nos pensamentos, nas emoções, nos comportamentos e no funcionamento de todo o organismo, necessitando de tratamento, tal como qualquer outra doença. Por último, incentivar uma cultura de partilha segura das emoções, na qual falamos sem problemas sobre o que sentimos em cada momento. Se em algum momento nos apercebermos de que alguém próximo está permanentemente mais triste do que o habitual, se isola, mudou de hábitos e comportamentos, tem problemas de sono ou apetite ou se emociona com maior facilidade, devemos falar-lhe abertamente sobre isso e oferecer a nossa ajuda para falar e procurar apoio especializado. Criar momentos de partilha segura é o melhor caminho para encontrar uma solução.

Como se educa as pessoas no sentido de pedirem ajuda?

A educação começa no início da vida. Nas fases precoces do desenvolvimento, é importante que os pais e cuidadores promovam uma expressão emocional saudável. Nas escolas, é fundamental que todas as crianças sejam acolhidas e respeitadas na sua diversidade e que o desenvolvimento emocional faça parte das competências a estimular. Na sociedade em geral, precisamos de continuar a difundir informação correta, combater o estigma e o preconceito e a garantir a acessibilidade atempada aos cuidados de saúde.

Que conselhos deixa, por exemplo, aos pais/cuidadores e educadores?

Precisamos de que todos os espaços e contextos sejam seguros para que cada pessoa se possa expressar livremente na sua individualidade. A sociedade é, felizmente, muito diversa e, paradoxalmente, tem muita dificuldade em lidar com essa diversidade. Espera-se que todas as crianças (e pessoas) se desenvolvam da mesma maneira, ao mesmo tempo, com os mesmos gostos e com as mesmas emoções, mas na realidade não é assim. Conhecer, aceitar, respeitar e criar espaços de expressão emocional segura devem ser os objetivos centrais da sociedade e dos pais, cuidadores e educadores.

 O acesso à medicação, mesmo sendo a adequada, é sistematicamente diabolizado. Isto também é uma forma de estigmatização e contribui para o aumento do preconceito relativamente às doenças psiquiátricas

Como lidar com a eventual incompreensão de quem nos rodeia?

Por vezes, a incompreensão nasce da ignorância e do desconhecimento, que são uma fonte inesgotável de preconceitos. É importante falarmos mais sobre as coisas que não nos correm bem e as doenças que nos afetam – não precisamos de falar com toda a gente, mas seguramente encontraremos alguém no nosso círculo que poderá compreender melhor e atuar como um ponto de partida para sentirmos esse acolhimento e essa compreensão. Às vezes, ajudar começar por partilhar a angústia e incompreensão com um profissional de saúde. Os médicos, enfermeiros e psicólogos estão certamente capacitados para ajudar a ultrapassar alguma dessa incompreensão.

Portugal é um dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico que mais consome ansiolíticos e antidepressivos. A solução para estes casos passa sempre por medicação?

O tratamento das doenças psiquiátricas deve ser multidisciplinar e incorporar intervenções psicológicas, sociais e, em muitas circunstâncias, farmacológicas. Penso que este combate aos psicofármacos, fundamentais para tratar muitas doenças psiquiátricas, também faz parte do estigma. Na diabetes e hipertensão, a notícia de que há muita gente medicada é dada de forma positiva. Já nas doenças psiquiátricas, o acesso à medicação, mesmo sendo a adequada, é sistematicamente diabolizado. Isto também é uma forma de estigmatização e contribui para o aumento do preconceito relativamente às doenças psiquiátricas. Precisamos de garantir que as respostas não farmacológicas são mais acessíveis e monitorizar os tratamentos farmacológicos. Convém não esquecer que em Portugal existem níveis de ansiedade e depressão superiores aos da média europeia, pelo que é expectável que o consumo dos medicamentos que são eficazes no tratamento destas doenças seja mais elevado do que a média. Além disso, esses fármacos são utilizados para tratar doenças não psiquiátricas.

Que mitos importa esclarecer sobre saúde mental?

Existem vários. A ideia de que as doenças psiquiátricas não têm tratamento ou cura (a esmagadora maioria das pessoas melhora significativamente com tratamento adequado), que se é demasiado novo para fazer um tratamento (as doenças psiquiátricas surgem muitas vezes em idades precoces), que as medicações psiquiátricas viciam (a esmagadora maioria dos fármacos não provoca adição) ou que as pessoas com doença psiquiátrica são perigosas (pelo contrário, são normalmente mais vezes vítimas de crime do que a população geral) são alguns exemplos.

Ainda há muito a fazer em Portugal?

Temos um longo caminho a percorrer nas diferentes áreas de prevenção e intervenção. Apesar dos avanços positivos dos últimos anos, é fundamental aumentar a literacia em saúde mental, garantir o desenvolvimento precoce de competências emocionais, promover a adoção de estilos de vida saudáveis, transformar as cidades para que se tornem espaços promotores de saúde e melhorar o acesso aos cuidados de saúde mental através da transformação do modelo de prestação de cuidados. Sobre este último ponto, o desenvolvimento de equipas multidisciplinares de intervenção comunitária tem sido muito positivo e alinha Portugal com as melhores experiências internacionais neste domínio.

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Serviços telefónicos de apoio emocional em Portugal

SOS Voz Amiga (entre as 16 horas e as meia-noite) -  213 544 545 (número gratuito) - 912 802 669 - 963 524 660 

Conversa Amiga (entre as 15 e as 22 horas) - 808 237 327 (número gratuito) e 210 027 159

SOS Estudante (entre as 20 horas e a uma da madrugada) - 239 484 020 - 915246060 - 969554545

Telefone da Esperança (entre as 20 e as 23 horas) - 222 080 707 

Telefone da Amizade (entre as 16 e as 23 horas) – 228 323 535

Todos estes contatos garantem anonimato tanto a quem liga como a quem atende. No SNS24 (808 24 24 24), o contacto é assumido por profissionais de saúde. Deve selecionar a opção 4 para o aconselhamento psicológico. O serviço está disponível 24 horas por dia, sete dias por semana.

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[Notícia atualizada às 09h40 de 29/07]

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