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"Tentamos ajudar, mas televisão é negócio, não máquina de fazer milagres"

É um dos rostos mais acarinhados pelos portugueses e não fica indiferente às causas sociais. Júlia Pinheiro preocupa-se com o planeta e está disposta a fazer "esforços" em prol de um mundo melhor.

"Tentamos ajudar, mas televisão é negócio, não máquina de fazer milagres"

Em criança sonhava ser arqueóloga, mas viu esse desejo ser adiado. Só aos 15/17 anos é que decidiu seguir a área da comunicação, onde construiu uma carreira cheia de sucessos.

Casada há 31 anos com Rui Pêgo, com quem tem três filhos em comum (Rui, Carolina e Matilde), Júlia Pinheiro não podia estar mais feliz com a sua família. Apesar de não ser uma pessoa romântica, afirma que já foi muitas vezes surpreendida pelo marido e partilhou alguns dos 'segredos' para um casamento feliz. 

No entanto, nem tudo é um 'mar de rosas' e, ao longo destes 55 anos,  já vivenciou alguns momentos menos positivos do nosso país, assistindo de perto à dor e dificuldade de muitas pessoas.

Durante a conversa com o Notícias ao Minuto, Júlia Pinheiro partilhou algumas das suas opiniões sobre problemas globais, sem se esquecer daqueles que já partiram e que continuam a deixar saudade. 

Em várias entrevistas confessou que sonhava ser arqueóloga. Já pensou tirar um curso nessa área?

Sim, farei. [Na] reforma - se tudo correr vai ser daqui a 11 anos - estou na faculdade a inscrever-me num curso de história/arqueologia. Lá chegarei se tiver saúde e cabeça, e se as coisas correrem bem. Tentarei ser aquilo que não fui quando sonhei com isso, que era ser arqueóloga, mas muito na área de investigação histórica. O meu marido reforma-se mais cedo, não sei se vão ser 11 anos, mas vamos ver.

"Fui muito afortunada, sou mimaderrima, sim porque eu sou um pedregulho"Diz não ser uma pessoa romântica, mas qual foi o maior sinal de amor que já deu e recebeu?

Isso é muito privado... Posso dizer que todas as fantasias que as mulheres mais românticas do mundo têm sobre um gesto masculino romântico, o meu marido em 32 anos de casamento fê-los todos várias vezes. Ele é profundamente romântico, atento a essas coisas. Fui muito afortunada, sou mimaderrima, sim porque eu sou um pedregulho. Não creio que tenha tido grandes manifestações de romantismo, mas ele sim. Eu não tenho esse impulso, eu deixo-me mimar. 

Para alguém que está a caminhar para as bodas de ouro, qual é o segredo para um casamento dar certo?

Rirmo-nos muito um com o outro. Conseguir conjugar na mesma pessoa - homem ou mulher - o namorado, marido, melhor amigo, irmão, amante… conseguir deixar que tudo isso aconteça. Depois ter uma grande capacidade para resistir às adversidades e não nos deixarmos ir a baixo quando as chatices aparecem (que são muitas). Eu nesse aspeto também tive muita sorte. Tenho um marido excelente, um pai extraordinário para os meus filhos, e depois, ainda por cima, dá-lhe para estas coisas. É de uma militância extrema nessa matéria. Nunca se esquece de nada.

Um casamento que resultou em três filhos... Qual deles é o mais parecido com a mãe?

O meu filho [Rui] é muito parecido comigo no foco que tem em relação à profissão. É perfeitamente apaixonado pela profissão como eu. Tem um sentido de humor absolutamente demolidor ainda mais refinado. O meu pai tinha muito sentido de humor, costumo dizer que herdei dele. Sou por vezes um bocadinho cáustica e sarcástica em demasia e as pessoas às vezes não entendem muito bem. O meu filho dá-me 10 a 0. A minha filha Matilde tem uma componente de loucura muito engraçada, e está completamente convencida de que consegue fazer 50 coisas ao mesmo tempo. Não faz 50, mas faz 47 e há um lado meu também aí. Fisicamente, aquela que é mais parecida comigo é a Carolina, embora mais baixa que eu. Estive a ver fotografias de uma e outra com a mesma idade e até me meteu impressão. Muito parecidas. [Mas] ela é bem mais bonita do que a mãe. Todos eles têm um bocadinho [da mãe]. Estão agora naquela fase que já não precisam de mim para nada e eu posso finalmente descansar um bocadinho e desfrutar deste estatuto maravilhoso que é ser mãe de pessoas adultas que dão muito que fazer.

Como referiu, o seu filho seguiu as suas pisadas... Como é que vê a carreira do seu filho no mundo televisivo? Enche-a de orgulho?

Encho-me de orgulho e preocupação. Fico muito feliz. Quando ele fez o ‘Filho da Mãe’, na altura que ele me falou do formato, disse-lhe que ia meter-se numa confusão e que ia ser mal interpretado, que iam achar que era uma espécie de aproveitamento da atividade dos pais. Depois quando vi o primeiro episódio fiquei de queixo caído. Deve ser a coisa mais original que foi feita em Portugal nos últimos tempos, com muitos poucos meios. Orgulho-me imenso por isso, mas depois pergunto o que é que vem a seguir. Ele está na rádio e está no elenco da [peça de teatro] ‘Avenida Q’. Este lado é que eu não estava à espera. Nunca pensei que um dos meus filhos cantasse.

Neste verão decidiu mostrar-se em biquíni nas redes sociais. Serviu para mostrar que continua contente com o seu corpo?

Eu estou muito feliz com tudo. Com o meu corpo não sei se estou assim tão feliz… [risos]. Eu fiz isso um bocadinho na base da provocação. De repente - é outra dimensão da comunicação, que não é nova noutros mercados mas que é nova em Portugal - as pessoas têm que comunicar com o corpo. Não basta discurso, não basta o que têm na cabeça, mas sim o corpo. Este ano toda a gente e mais alguma do universo das estrelas portuguesas e das globais pôs a sua fotografia em biquíni e eu estava a brincar, a falar que se a Helen Mirren e a Elizabeth Hurley andavam a por [fotos em biquíni nas redes sociais], disse na brincadeira para o meu marido: ‘Ou é este ano ou nunca mais publico. Sei lá como é que eu estou para o ano’. Por acaso tinha pensado em nunca fazer isto, mas depois tive aqui umas conversas muito engraçadas com o Cláudio Ramos e ele estava farto de me dizer que eu estava sempre a fazer um discurso de que tenho uma determinada idade, da avozinha, os óculos na ponta do nariz… E pronto, foi uma provocação, no sentido em que acho que sim, as mulheres [na casa dos 50] podem ter um apelo tão interessante do ponto de vista erótico como as mais jovens. É uma erotização diferente, que tem a ver com outro tipo de atitude, sobretudo, a ver com segurança, maturidade. 

"A única coisa que me aflige no envelhecimento é não ter energia, não ter mobilidade, não me mexer bem"O envelhecimento é algo que a assusta?

Não, de todo. Até porque acho que estou a envelhecer bem. A minha mãe é maior do que eu e não encolheu, envelheceu muito bem. Não há barriga, não há nada. Está tudo ótimo, dentro do possível. Eu olho para ela e penso que não me vai correr assim muito mal, desde que eu tenha algum juízo na cabeça. O envelhecimento para mim só é uma questão porque eu tenho uma imagem pública. A única coisa que me aflige no envelhecimento é não ter energia, não ter mobilidade, não me mexer bem... O que interessa é ter muito bom senso. Gosto da idade que tenho, não queria ter outra. 

De quem é que sente mais falta? E quais as melhores recordações que tem dessa pessoa?

Não gosto desse tipo de perguntas porque os amigos que já partiram nada nos pode trazer de volta e regressar… Sinto saudades do meu pai, naturalmente, de um grande amigo que morreu há algum tempo... Mas, se calhar, a partida deles também nos deixaram qualquer coisa. Não tenho uma visão fatalista nem saudosista. O que for será e o que foi já está. De vez em quando vem uma ponta de nostalgia em relação a uma ou outra pessoa. Há fotografias… Não posso ver a fotografia do Henrique Mendes, por exemplo. É uma figura, para mim, da máxima importância do meu percurso profissional que me comovo, que mexe comigo. Foi ele o meu primeiro diretor na Rádio Renascença e depois encontrei-o aqui na SIC. É uma pessoa de quem tenho muitas saudades. Mas tenho saudades de muitos outros e não há nada a fazer.

Se lhe tivessem dito que ia conquistar tudo o que conseguiu até agora, acreditava?

Diria que era absolutamente impossível. Nada faria prever que eu teria o percurso que tive. Não tinha nenhuma proximidade com este meio, tudo indicava que eu ia ser uma professora de liceu ou tradutora.

"Batalhei imenso para ter um lugarzinho numa época em que havia uma estação de televisão, três estações de rádio"Mas houve alguém na televisão, alguma figura, que a tenha ‘puxado’ para este caminho?

Não. Quer dizer, eu tinha como referências a Maria Luísa Domingues, a Manuela Moura Guedes, o Miguel Sousa Tavares, o Carlos Cruz… Eram tudo referências que tinha a ver com a minha infância e com o meu crescimento, mas eu não queria ser profissional da comunicação até aos 15, 17 anos. Até lá ia ser arqueóloga. O que me leva depois é quando sou posta perante uma escolha familiar em que me é dito: ‘Não vai nada fazer o curso de história porque isso não te vai dar saídas profissionais’. Estávamos numa altura que era a saída do pós-revolução e havia muito pouco trabalho. O que era um bom trabalho era ser professor de liceu, funcionário público. Nada faria prever que eu vinha parar a este mundo.

Batalhei imenso para ter um lugarzinho numa época em que havia uma estação de televisão, três estações de rádio. Numa altura em que não se empregava ninguém. Não haviam estágios das universidades, nem licenciaturas em comunicação. Não era fácil cá chegar. Mesmo nessa altura, quando comecei a trabalhar na rádio aos 19 anos, jamais diria que a minha vida ia ser esta. Que ia ser uma figura do entretenimento e que ia ter o protagonismo que vim a ter.

Assistiu de perto ao incêndio de Pedrogão e passados estes meses gerou-se a polémica sobre o paradeiro do dinheiro angariado em donativos. Acredita que possa ter havido um aproveitamento da boa vontade?

Não estou em condições de poder afirmar isso e acho que é muito cedo para fazer esse tipo de avaliações. Agora, são contas que têm que ser prestadas. Essas notícias também foram muito empoladas devido às eleições autárquicas. Toda esta celeuma que se criou à volta do assunto tem implicações políticas e outras porque vai aproveitar alguém alguma coisa. Agora, essas contas vão ser muito descortinadas por nós, é para isso que nós existimos, a imprensa.

Não faço ideia se houve aproveitamento ou não, espero que não. Como cidadã e como profissional de comunicação, ficarei profundamente afetada porque só aqui na SIC levantamos numa semana 880 mil euros e depois na terça-feira seguinte fomos todos para o Meo Arena onde levantamos mais um milhão de euros. Estive muito envolvida nos dois processos e trabalhei muito para isso. Foram duas semanas alucinantes. Só teve um objetivo: ajudar as pessoas. Voltaria a fazê-lo na mesma. Agora, se de facto todo esse nosso esforço, e dos portugueses e todos à volta do mundo inteiro que contribuíram, não está a ser aplicado como deve, então eu como cidadã vou levantar a minha voz e faço um grande estardalhaço.

"Hoje as mulheres estão a tomar posições, mas nós não temos os meios de produção. Enquanto não tivermos isso, não serei presidente de uma empresa nem chegarei à administradora"Também tem uma posição na luta pela igualdade de género, principalmente enquanto figura pública. Como é que analisa os esforços que têm vindo a ser feitos para garantir essa própria igualdade? Acha que agora é o momento de afirmação das mulheres em pleno?

Acho que sim, que eu e outras mulheres que chegaram a lugares de direção - principalmente numa indústria onde não era muito comum isso acontecer – é a demonstração de que esse caminho está a ser feito. Tenho grandes dúvidas que seja possível ir muito mais além. Uma das razões para nós não termos mais poder é porque não temos poder económico, não porque ganhamos bem ou mal, mas porque não somos detentoras dos meios de produção. Ou seja, quem é o dono da Impresa é um homem, quem é dono da Cofina é um homem… Normalmente, - por razões históricas, sociais e afins - os homens têm uma capacidade, uma latitude e uma possibilidade de começar um negócio que as mulheres no passado não tinham. No meio disto tudo que falei, criei três filhos, tenho um casamento, tomei conta dos pais... isto são coisas que normalmente são mais as mulheres que fazem. Há muito do lado de vida empresarial que é feito pelos homens tradicionalmente. Hoje as mulheres estão a tomar posições, mas nós não temos os meios de produção. Enquanto não tivermos isso, não serei presidente de uma empresa nem chegarei à administradora. Eu já bati com a cabeça no teto.

Mas já alguma vez se sentiu discriminada?

Nunca. Também nunca permiti que isso acontecesse. Nunca tive a sensação de que não fui para um lugar porque era melhor estar lá um homem. Se isso aconteceu não era porque era um homem, era porque aquela pessoa era melhor do que eu. A inteligência e o mérito, nas empresas onde trabalhei, têm sido a grande medida das coisas. Agora, nós enquanto não formos donas dos negócios a revolução não aconteceu. 

Acho que o contributo das mulheres para a vida empresarial, como para a vida política ou cívica, é da máxima importância. Nós temos uma combatividade diferente dos homens. Eles querem ter território, autoridade, nós queremos ter as coisas feitas. Não nos interessa tanto os símbolos do poder, mas o exercício do poder em prol de qualquer coisa que valha a pena. As coisas estão a mudar. Há agora um discurso muito feito disso, que é o empower das mulheres, que estão a ter pela primeira vez o poder. Se isso for o reflexo de uma mudança, contem comigo, estou logo na primeira fila. Agora, não sei se é bem assim, enquanto não tivermos as indústrias, os mecanismos que possibilitem que sejamos nós a escolher, decidir, distribuir, começar… até isso acontecer é uma boa ideia, mas ainda não estamos lá. Temos que trabalhar mais.

Portugal passou nos últimos anos por tempos complicados. Agora, parecemos estar a viver uma ‘segunda vida’. Como viu todas as dificuldades que atravessámos?

Eu com o FMI já é praí a terceira vez… Esta história do day time tem uma grande vantagem que é fazer-nos sair da bolha. Vivi o eco das dificuldades das pessoas com as pessoas sentadas ao meu lado a contar. Isso dá-nos a noção da dor, da dificuldade, das situações degradantes e da falta de dignidade que algumas pessoas viveram à conta das dificuldades que o país viveu. Saí daqui muitas vezes tristíssima, impotente. Dentro da medida do possível, tentamos ajudar, mas a televisão é um negócio, não é uma máquina de fazer milagres. Bateu forte desta vez porque custa muito ver idosos em dificuldades, com fome, ver pessoas abandonadas pelas famílias, ver crianças que têm falta de muita coisa. É triste ver um país que atingiu um determinado nível civilizacional e depois voltar para trás e deixar de se preocupar com os carenciados.

Há uma coisa que me entristeceu nos últimos anos que foi o saque de que o país foi alvo, a forma como a banca foi utilizada para ser roubada. Quer dizer, roubaram foi o povo, os pequenos depositantes. Não sei quem roubou, não faço ideia, a justiça dirá. Agora que eu tive pessoas que perderam tudo o que tinham amealhado ao longo da vida e que tinham planos e viram tudo ir por água a baixo porque alguém, várias pessoas juntas, congeminaram planos para extorquir milhões à banca portuguesa e quase fizeram colapsar o nosso sistema da banca, acho isso uma coisa impossível. 

Tenho os princípios todos da classe média pura que é a integridade, a honestidade, a honra, a dignidade… Somos educados assim, temos a disciplina do trabalho, da verdade e tudo mais. Os malandros vêm de outra estratosfera. Depois há uns que saem daqui, passam para outros patamares e perdem a cabeça. Pessoas que algumas delas acharia absolutamente confiáveis a todos os níveis e terem-se visto envolvidos em situações que eu acharia impossíveis, isso tirou-me uma grande confiança quer na classe política, quer até naqueles que foram protagonistas da área de negócios e da banca. Fico completamente virada e acho que ainda não sabemos tudo. Estamos longe de saber tudo.

 "Temos que parar com este ciclo de conspurcação do planeta se não um dia destes não temos planeta"O mundo está hoje a passar também ele, em termos globais, por um momento complicado. Enquanto figura pública, qual a mensagem que quer deixar 

Estamos num momento que é muito complicado porque temos a conjugação da tempestade perfeita. Estamos numa situação particularmente frágil porque temos líderes mundiais, uns absolutamente impreparados - como é o caso do senhor Trump e de Kim Jong-Un - que vivem num universo paralelo e as suas decisões, embora tenham a ver com o seu umbigo, têm implicações no mundo inteiro. No caso de Trump em particular - o Sr. da Coreia do Norte pode a qualquer altura desencadear uma terceira guerra mundial e essa não fica cá ninguém para ver - acho que há uma coisa que ele fez que tem a ver com a história das alterações climáticas e daquilo que é a saúde do planeta. O facto de Trump se ter retirado dos acordos de Paris, a história das energias limpas… Nós temos que parar com este ciclo de conspurcação do planeta se não um dia destes não temos planeta.

O caso recente nas Caraíbas, por muito que digam que não tem nada a ver, tem. Tem a ver com o capitalismo selvagem que nos levou a este desvario de consumo e de aquisição absoluta e constante de objetos. Sou tão consumista como os outros, mas estou completamente disposta a fazer esforços para que aquilo que ficar para os meus filhos e netos seja melhor do que aquilo que estamos a viver agora. Se isto não acontecer, se não se detiver esta espécie de processo de uma voracidade tremendo que temos dos recursos que o planeta tem, isto vai dar porcaria. Aliás, os incêndios em Portugal são resultado de uma série de erros relacionados com planificação e má coordenação de recursos, mas também têm a ver com a indiferença perante o que está nas florestas, a maneira como as coisas estão feitas. 

*Pode ler a primeira parte desta entrevista aqui.

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