Os sindicatos contestam a simplificação dos despedimentos por justa causa prevista no anteprojeto do Governo de revisão da legislação laboral, questionando a sua constitucionalidade e considerando tratar-se de uma "situação extrema" de corte de direitos dos trabalhadores.
"Isto é totalmente inaceitável", afirmou Ana Pires, da Comissão Executiva da CGTP-IN, em declarações à agência Lusa.
Para a central sindical, "as entidades patronais já hoje têm grande facilidade em despedir, ao contrário daquilo que gostam de repetir até à exaustão, naquela estafada tese de que a legislação laboral é muito rígida": "É fácil e barato despedir no nosso país e as sucessivas alterações à legislação têm vindo nesse sentido", diz a dirigente sindical.
Para Ana Pires, a agora pretendida dispensa de apresentação de provas ou de audição de testemunhas apresentadas pelo trabalhador num processo de despedimento desencadeado nas micro, pequenas e médias empresas -- que representam 99,6% do tecido empresarial português -- é, mais do que uma simplificação, uma "facilitação dos despedimentos".
"Porque é, mais ou menos, despedir um trabalhador e não ser obrigado a ouvir testemunhas, não ser obrigado a ter em conta o parecer de Comissão de Trabalhadores ou do sindicato em que o trabalhador é sindicalizado. E pronto, ponto final. O trabalhador não tem condição para se defender, não se defende e é despedido", sustenta.
Restando ao trabalhador o recurso à via judicial, Ana Pires nota que também a este nível há no pacote laboral do Governo "um conjunto de regras de assalto aos direitos que vêm colocar mais limitações ainda", nomeadamente no que respeita à reintegração dos trabalhadores em caso de despedimento ilícito.
"O que está aqui em causa, quando se fala de um posto de trabalho e de um despedimento, é a condição de o trabalhador fazer face à sua vida. Tem a ver com uma questão de sobrevivência, do salário que ganha para conseguir sobreviver, pagar as suas contas e comer. Não há cá facilitismos. Quando há lugar a um procedimento disciplinar, tem que haver possibilidade da pessoa se defender. Isto é da mais elementar justiça e bom senso", argumenta a dirigente sindical.
Na mesma linha, a UGT rejeita o que diz ser um "aumento do poder discricionário" das empresas para, "de forma completamente gratuita, agir individualmente sobre um trabalhador".
"Quando uma empresa quer reestruturar, não é pelo aumento daquilo que é o seu poder discricionário, de forma completamente gratuita, e de agir individualmente sobre um trabalhador que ela conseguirá, de facto, tornar-se mais competitiva ou mais produtiva. É com instrumentos coletivos, negociados, que chegaremos um pouco mais longe", considera o secretário executivo da central sindical, Carlos Alves, ouvido pela Lusa.
Defendendo que esta proposta "é algo mais ideológico do que propriamente necessário", a UGT reforça que, "quando uma empresa quer ter capacidade de reestruturação, não tem necessidade de estar a escolher os trabalhadores um a um para os despedir", dispondo de "um processo próprio para o efeito" - o despedimento coletivo -- "que em Portugal até é mais flexível do que na generalidade dos países".
"Esta proposta o que faz simplesmente é novamente tentar desequilibrar a balança do poder, e desta vez indo a algo que é extremamente central em todo o direito do trabalho e para a vida dos trabalhadores, que é a segurança nos seus postos de trabalho", acusa.
E, embora ressalvando caber ao Tribunal Constitucional apreciar eventuais inconstitucionalidades, a UGT entende que esta e outras normas previstas no anteprojeto do Governo "se afiguram inconstitucionais ou a raiar a inconstitucionalidade", numa posição partilhada pela CGTP, que espera que estas medidas "andem para trás e caiam" ainda antes da questão da constitucionalidade se vir a colocar.
"É este trabalho que agora vamos fazer, não só na discussão que se avizinha no quadro da concertação social, mas também mobilizando os trabalhadores, dando-lhes conhecimento e preparando-os para trazer para a rua também a luta contra estas medidas", sustentou Ana Pires.
Globalmente, as duas centrais sindicais encaram o pacote laboral do Governo como um "assalto aos direitos" dos trabalhadores em áreas que vão desde os horários de trabalho ao fomento da precariedade, bloqueio da contratação coletiva, facilitação da caducidade dos contratos e ataque à liberdade sindical e ao direito de greve.
"No fundo, aquilo de que estamos a falar é de uma desregulação do mercado de trabalho e da relação entre empregador e trabalhador", afirma o secretário executivo da UGT, para quem "desde os tempos da 'troika' que não há um ataque tão sistemático a um princípio basilar do direito de trabalho e da Constituição, que é o princípio da segurança no emprego".
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