"Quanto mais energia renovável houver, mais barata é a eletricidade"

O presidente da direção da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), Pedro Amaral Jorge, é o convidado desta quarta-feira do Vozes ao Minuto. O responsável defende que a incorporação das energias renováveis tem impacto positivo na fatura final da eletricidade que é paga pelos consumidores e destaca a importância das energias renováveis para a independência energética da Europa.

Pedro Amaral Jorge, APREN

© APREN

Beatriz Vasconcelos
25/06/2025 08:45 ‧ há 5 horas por Beatriz Vasconcelos

Economia

Pedro Amaral Jorge

As energias renováveis podem ser a chave para independência energética? Que papel é que desempenharam no apagão ibérico que ocorreu em abril na Península Ibérica? Em que pé estão as energias renováveis em Portugal? 

 

Estas foram algumas das questões abordadas por Pedro Amaral Jorge, presidente da direção da Associação Portuguesa de Energias Renováveis (APREN), em entrevista ao Notícias ao Minuto, na qual defendeu também que a incorporação das energias renováveis tem impacto positivo na fatura final da eletricidade que é paga pelos consumidores. 

Numa altura em que o quadro geopolítico é complexo, Pedro Amaral Jorge sublinha as metas e o plano da Comissão Europeia para a energia e considera que a eletrificação é necessária e essencial, num contexto em que a Europa precisa de assumir a sua independência energética. 

Como é que Portugal está em termos de energias renováveis? 

Do ponto de vista da incorporação de energia renovável na produção de eletricidade, estamos bem. No ano passado tivemos um acumulado de 80% de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis em Portugal. Este ano, até maio, tivemos cerca de 81% e portanto na incorporação de renováveis na produção e consumo estamos bem. 

No consumo final de energia ainda temos algumas coisas para trabalhar, mas estamos na direção e rumo certos. 

Os consumos de energia que hoje são a partir de fonte fóssil terão de passar a ser de fonte renovável

Relembro que nos comprometemos a ter 51% de energia renovável no consumo final de energia até 2030 e mais de 85% de eletricidade renovável também até 2030. Na eletricidade é factível que vamos chegar, temos que fazer um trabalho conjunto para conseguirmos chegar à parte da energia também. 

Quando fala em algumas coisas que ainda são necessárias trabalhar, a que melhorias se refere? 

Os consumos de energia que hoje são a partir de fonte fóssil terão de passar a ser de fonte renovável. Temos de ter uma abrangência na eletrificação direta dos consumos de fonte renovável e, depois, perceber que outras fontes de energia renovável é que poderemos ter - neste caso, os combustíveis renováveis de origem não biológica para a aviação e para o transporte marítimo é uma solução que tem que ser pensada, a introdução de hidrogénio verde para a produção de amónia também de fonte renovável... Portanto, temos de aumentar o valor da incorporação não só na eletricidade diretamente nos consumos, mas também nos consumos de eletrificação indireta. 

Para isso, conhecemos todos os problemas: temos de implementar medidas de contratos a prazo para a produção de eletricidade, que são fundamentais, quer os CFD's [Contract for Difference] quer os PPA's [Power Purchase Agreement], precisamos de aligeirar o tema dos licenciamentos para as instalações de produção de eletricidade, mas também para o consumo de eletricidade a partir de fonte renovável, temos que ter uma lógica de gestão do território agregadora mas sem descurar da agenda com que nos comprometemos com a Comissão Europeia, temos que ter atenção redobrada às comunidades e ao seu envolvimento na questão da transição energética. Estes pontos que me parecem fundamentais são os que temos de acelerar a sua implementação até 2030, porque esta transição energética não acaba em 2030, a Comissão Europeia já está a desenhar os objetivos para 2040 e isto vai ter que ter uma linha de continuidade. 

Quanto mais [energia] renovável eu tiver no mercado grossista, mais barato será o preço da eletricidade para o consumidor final

Considera que os pontos que referiu estão alinhados com as prioridades do atual Governo?

Esta questão da agenda da energia é um tema que Portugal se vincula enquanto Estado-membro e não enquanto Governo. Comprometemo-nos com as metas no anterior governo ainda do Partido Socialista, já reforçámos as metas com o anterior governo da Aliança Democrática. Tendo em conta que a composição do Governo [atual] na pasta é a mesma que estava antes, parece-me que vamos ter que fazer todo o trabalho para honrar o compromisso com que nos submetemos a Bruxelas, à Comissão Europeia, ao Parlamento Europeu e ao Conselho Europeu. 

Voltando um bocadinho atrás, à 'fatia' da produção e do consumo que as renováveis representam: em termos práticos, que impacto é que as renováveis têm nas faturas dos clientes, dos consumidores finais? 

Temos quatro parcelas na tarifa ao consumidor final: componente da energia, componente das redes, a parte dos impostos e do custo internacional económico e os custos de comercialização. As renováveis têm impacto fundamental ao reduzir a componente da energia da tarifa da eletricidade. Ou seja, quanto mais renovável eu tiver no mercado grossista, mais barato será o preço da eletricidade para o consumidor final. 

Se pensarmos que vamos depender de combustíveis fósseis, com a instabilidade total quer no Médio Oriente quer na administração [do presidente dos EUA, Donald] Trump, isso será um erro crasso

Isto tem tendência a evoluir, porque temos a necessidade de ter estes contratos a prazo e não no diário e intradiário. Isto vai aumentar a previsibilidade do preço e a redução desta componente da energia aos consumidores.

Obviamente que os produtores de eletricidade renovável otimizam e todos os dias trabalham para minimizar os custos da produção de eletricidade, mas não têm influência nos outros componentes. 

Há uma questão relevante na componente da energia que tem a ver não só com temas de custo e ambientais, mas também com temas de soberania energética, como todos já percebemos com o enquadramento geopolítico que temos. Se pensarmos que vamos depender de combustíveis fósseis, com a instabilidade total quer no Médio Oriente quer na administração [do presidente dos EUA, Donald] Trump, isso será um erro crasso quer para Portugal, quer para a Europa. 

Vamos precisamente a esse tema. De que forma é que as renováveis podem ajudar a minimizar o impacto dessa volatilidade no preço, tendo em conta que assistimos a uma situação geopolítica tão complicada até com os desenvolvimentos mais recentes entre o Irão e Israel?

Tudo o que tem a ver com a produção de eletricidade a partir de fontes renováveis e também com os restantes energéticos que vamos utilizar de fontes renováveis, têm uma vantagem muito grande: não dependem da importação de combustíveis fósseis. São 'produzidos' a partir de eletrocutores que vamos localizar em espaço europeu. 

Não é possível a independência energética europeia sem renováveis

A partir do instante em que a Europa tenha soberania e controlo sobre os seus energéticos, pode definir políticas de preço e estratégias de custo. Isto faz com que em 10 ou 20 anos, tenhamos uma trajetória de previsibilidade de quanto é que vão ser os custos da eletricidade. 

A Europa, ao investir no controlo desses energéticos dentro das fronteiras da União Europeia ou de uma Europa mais alargada, vai conseguir ter previsibilidade de custos e controlar e não está sujeita a que os países da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] aproveitem todo e qualquer fator geopolítico para cartelizar, para reduzir a oferta e aumentar os preços. 

Ou seja, dá mais independência... 

Muito mais. Aliás, a ideia de todo este pacote tem o objetivo ambiental, o objetivo de redução de custos e um objetivo de independência energética. As metas são sempre medidas nestas três grandes variáveis e é para aí que temos que caminhar. 

Não é possível a independência energética europeia sem renováveis, sem a produção de energia renovável e sem a produção depois de todos os outros energéticos adjuvante da cadeia de valor. 

Neste momento, a maior fonte de energia renovável ainda é a hídrica

Para contextualizar, quando falamos de energias renováveis, a que fontes nos estamos a referir? Em Portugal, qual é a maior fonte de energia renovável?

Neste momento, a maior fonte de energia renovável ainda é a hídrica, seguida da eólica, seguida da fotovoltaica e depois a bioenergia. A ideia é que consigamos ter uma matriz que tenha um terço, um terço, um terço de hídrica, eólica e solar, complementando com biomassa, bioenergia, energia de resíduos. 

Relativamente ao apagão energético, que ocorreu em abril, a investigação do governo espanhol revela que as renováveis não estiveram na origem do incidente. Como vê esta conclusão? 

Vejo como seria óbvia. Houve logo uma tendência dos fósseis e do amante do nuclear a dizer que o grande problema tinham sido as renováveis no sistema, quando se sabe claramente que o problema que desiquilibrou a rede, mesmo que começasse numa fonte de geração, seja ela renovável ou não renovável, é um tema de gestão da rede. 

Houve logo a tentação muito grande, de um conjunto de pessoas que não vale a pena enumerar quem são e que vivem obcecadas com ser contra as renováveis, mas obviamente que não foi nenhuma responsabilidade concreta de nenhuma central renovável em particular. 

Se olharmos para a incorporação de energia naquele dia em termos do mercado ibérico, já tivemos dias com muito mais incorporação de renováveis e nunca tinha acontecido um incidente destes. Não sabemos a causa concreta, já nos começamos a aproximar dos problemas que podem ter causado, mas claramente tudo aponta para ter sido um problema de gestão da rede, mas não tem a ver com um produtor ter falhado na sua entrega de potência elétrica.

Que papel é que as renováveis podem desempenhar na prevenção de situações idênticas no futuro?

Quando tivemos as centrais de blackstart, temos já uma hídrica e a ideia é termos mais duas centrais hídricas. O plano que foi apresentado, e proposto logo pelo Governo e pelo gestor global do sistema, é termos quatro centrais no chamado blackstart, que é o arranque a frio e três delas são hídricas. As renováveis permitem instantaneamente ter acesso a uma potência nominal. 

Considera que o apagão veio mostrar a importância de haver um reforço das interligações elétricas na Península Ibérica e com o resto da Europa? 

O desenho que a Comissão Europeia determinou para o sistema energético europeu é que ele deve ser altamente eletrificado, porque é a forma mais barata de se conseguir suprir as necessidades energéticas. Nesse desenho, está claramente determinado que temos que ter três caminhos: aumento das renováveis, aumento da eletrificação e o aumento das interligações entre Estados-membros. É esta a política que a Comissão Europeia vai seguir. 

O apagão é um problema de engenharia, não é um problema de fé

Quando fala da eletrificação, a que se refere em termos práticos? 

Tudo o que é transporte rodoviário que hoje está a combustíveis fósseis, ter uma massiva incorporação de eletricidade renovável. Os sistemas que temos a gás dentro das nossas casas para caldeiras têm que ser eletrificados. Bombas de calor para suprir necessidades térmicas... estes são os grandes consumos que vão entrar aqui. Depois vamos eletrificar coisas que nós antigamente fazíamos com gás natural e que podemos passar a fazer com eletrificação direta: setor cerâmico, setor vidreiro, há 'N' tecnologias de eletrificação direta e isso permitirá eletrificar estes consumos. Ou seja, o que eram consumos a combustíveis fósseis, passam a ser consumos essencialmente renováveis. 

Voltando ao apagão e tendo em conta o conhecimento que tem do setor, considera que é possível prevenir situações semelhantes no futuro? É provável que este tipo de situações volte a repetir-se? 

Vamos pensar ao contrário, o apagão é um problema de engenharia, não é um problema de fé. O que acontece é que à medida que vou tendo mais incorporação de renovável no sistema, tenho que adequar os meus sistemas de gestão de rede, com armazenamento, com flexibilidade do lado do consumo, de forma a que esta incorporação de renovável não crie nenhuma perturbação no sistema. 

Não vejo que passe a haver um problema frequente de apagões, acho exatamente o contrário

A questão é: podemos ter um sistema 100% fiável à prova de qualquer apagão nos próximos 20 anos? Podemos, mas isso tem um custo para o consumidor que é incomportável. Se vamos ter de viver com a possibilidade de ter um apagão de 25 em 25 anos, não é um tema catastrófico. Temos interrupções de fornecimento nos EUA com mais frequência e com maior prazo, dura mais tempo, e a economia sobrevive.

Vamos é ter de ter um sistema elétrico robusto e resiliente. Os reguladores obrigam os operadores de rede a ter níveis de qualidade de serviço que são obrigatórios do ponto de vista de regulação. Não vejo que passe a haver um problema frequente de apagões, acho exatamente o contrário. Acho que este incidente nos alerta que a gestão da rede é eficiente porque tivemos um apagão em 25 anos, não é um todos os anos. Agora, ainda podemos aprender com as causas deste apagão e desenharmos a gestão do sistema elétrico por forma a que minimizemos ainda mais a eventualidade destes fatores aparecerem e causarem estes fenómenos como foi o apagão. 

Temos tido anos mais húmidos e, em Portugal, isso favorece o nosso sistema elétrico e traz muitos benefícios ao consumidor de eletricidade

Disse que ter um sistema 100% fiável teria custos para o consumidor. Porquê? 

As seguradoras oferecem-me um seguro automóvel com um conjunto de condições ou um seguro de saúde com um conjunto de condições. Se eu quiser prevenir todas aquelas condições, eu não tenho uma apólice standard, quanto é que isso me vai custar? Se calhar um milhão de vezes mais do que um consumidor que adere a um contrato standard que previne a maior parte dos riscos. 

Tudo o que se faz do ponto de vista de soluções de engenharia é para minimizar os eventos a 99%, mas há uma grande diferença entre ser 99% e ser 100%. Infalibilidade não acontece. Minimizar tem um custo absurdo e não faz sentido, porque 1% raramente acontece e quando acontece tem que ser gerido e neste caso foi bem gerido. 

Para terminar, que impacto é que as alterações climáticas podem ter na produção de energia renovável?

As séries históricas davam sempre indicação de que iriamos ter uma desertificação lenta, mas a prazo. Nos anos recentes, fruto provavelmente das alterações climáticas, temos tido anos mais húmidos e, em Portugal, isso favorece o nosso sistema elétrico e traz muitos benefícios ao consumidor de eletricidade. 

Quanto mais hídrica temos no sistema, mais robustez temos quando integramos eólica e solar mais hídrica. Isso permite-nos ser um dos três países da Europa com maior incorporação de renovável e isso reduz os preços da eletricidade e permite atrair investimento do lado do consumo.

Leia Também: Metas de renováveis para indústria e transportes arrancam ainda este ano

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