"A China teria de abdicar do controlo sobre as contas corrente e de capital" e "aceitar um sistema de governação no qual as decisões de uma ampla gama de autoridades estariam sujeitas a um processo legal transparente e previsível", para que o yuan pudesse, "pelo menos parcialmente", ameaçar a posição do dólar norte-americano, afirmou Pettis, professor de teoria financeira na Faculdade de Gestão Guanghua, da Universidade de Pequim, num artigo académico.
Pettis, que vive na China há duas décadas, ganhou protagonismo, nos últimos meses, ao ser citado por conselheiros do líder norte-americano, Donald Trump.
A "rigidez" do sistema financeiro chinês, em contraste com o mercado de capitais aberto dos Estados Unidos, impede o yuan (também designado renminbi) de assumir maior predominância como moeda de reserva, sublinhou.
China e Rússia acusam Washington de "utilizar o dólar como arma" e apresentaram no ano passado um novo quadro internacional de pagamentos como alternativa à rede global de mensagens bancárias Swift.
O debate sobre a criação de um sistema alternativo e a diluição do domínio do dólar ganhou força sobretudo após as sanções impostas pelo Ocidente à Rússia.
Em 2024, a utilização da moeda chinesa em transações transfronteiriças atingiu níveis recorde, impulsionada pelas trocas entre a China e a Rússia. Esta semana, o Brasil revelou que pretende emitir títulos de dívida soberana no mercado chinês ainda este ano, denominados em yuan, numa operação inédita.
O crescimento do comércio liquidado em yuan foi também impulsionado pelas linhas de câmbio que Pequim abriu com a Arábia Saudita, Argentina e Mongólia. Novos bancos de compensação para o yuan foram ainda estabelecidos no Laos, Cazaquistão, Paquistão, Brasil e Sérvia.
A nível global, porém, o renminbi representa apenas 4,74% dos pagamentos internacionais, atrás do dólar, do euro e da libra esterlina, de acordo com os dados mais recentes.
Pettis recordou que o mundo continua a usar o dólar devido à "profundidade" e "governação superior" do mercado financeiro norte-americano, bem como à "disposição e capacidade dos EUA de absorver os desequilíbrios" comerciais do resto do mundo, incorrendo em défices comerciais.
"A economia e o sistema financeiro dos EUA absorvem quase metade das poupanças do mundo", apontou. O mercado aberto de ações e obrigações norte-americano desempenha ainda um papel central no financiamento de empresas, famílias e governos.
Na China, o crédito bancário serve os objetivos do Estado e a alocação de capital é ditada pela liderança política. O sistema financeiro e os ativos chineses estão praticamente vedados ao capital estrangeiro, e o renminbi não é inteiramente convertível.
"Uma economia que permite entradas e saídas livres de capital não pode assegurar simultaneamente uma taxa de câmbio fixa e uma política monetária independente", observou Pettis.
Reformas que liberalizassem o mercado de capitais seriam contrárias ao modelo de governação chinês, que privilegia o controlo absoluto do Partido Comunista.
Um maior protagonismo do renminbi como moeda de reserva implicaria mudanças estruturais no comércio externo da China, que mantém elevados excedentes comerciais nas trocas com o resto do mundo.
"A China, como os Estados Unidos, teria de acomodar o desejo de outros países de manter excedentes comerciais e equilibrá-los com a aquisição de ativos em renminbi", descreveu o académico.
Pequim teria, assim, de implementar reformas para encorajar estrangeiros a adquirir ativos chineses, incluindo dar aos investidores acesso a uma ampla variedade de ativos domésticos que pudessem ser facilmente acumulados ou liquidados, num processo transparente e baseado em regras.
"Teria de haver uma discriminação mínima entre ativos detidos por residentes chineses e ativos detidos por estrangeiros", explicou Pettis. "Isto exigiria um sistema judicial independente e um sistema legal transparente que tivesse precedência sobre todos os outros agentes, incluindo entidades locais e do governo central", concluiu.
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