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Caldas: O 'pequeno gigante' que quer ter "o Jamor já ali"

Emblema do Campeonato Nacional de Seniores vai disputar esta quarta-feira as meias-finais da Taça de Portugal. Porém, a história deste 'pequeno' que baila entre gigantes tem muito para contar. De um divórcio entre cidade e clube, ao presidente que ia para o banco, há muito futebol nesta cidade do Oeste português.

Caldas: O 'pequeno gigante' que quer ter "o Jamor já ali"
Notícias ao Minuto

08:00 - 28/02/18 por Sérgio Abrantes e Luís Moreira

Desporto Reportagem

Caldas da Rainha, 21 de janeiro de 2018. O Caldas recebe, pelas 15 horas, o Sintrense. Os dois clubes vão medir forças no Campo da Mata. A caminho para o estádio, depois de um almoço num restaurante no centro da cidade, onde não faltaram cachecóis e comentários sobre o próximo embate do clube local, dois 'estranhos' percorrem de câmara, bloco e caneta na mão o caminho arborizado para o sítio onde parece seguir metade da cidade.

Depois de alguns metros 'perdidos', eis que se sente o primeiro cheiro de bola. Atrás de um portão gradeado, com um senhor com o peso das rugas a denunciar-lhe a idade a assistir, um grupo de jovens, equipados de preto e branco, mostra que a nova vaga de talentos começa a ser trabalhada em tenra idade.

Com o primeiro reconhecimento feito e o tempo contado, aproveitamos a boleia de um adepto para nos guiar até à entrada do recinto. A boleia, contudo, acaba abruptamente na entrada para o bar. Ao lado da porta onde se faz o caminho para as bancadas, velhos e novos debatem pontapés na bola. Não se ouve falar do Benfica, o FC Porto aqui é uma miragem e verde e branco só o encontramos no contraste entre as copas das árvores e o céu que nesse dia se apresenta nublado.

Na bilheteira onde minutos mais tarde levantamos as duas credenciais, somos travados pelo espanto de um outro jornalista que não o mesmo de sempre se interessar por uma partida do CNS. "São de Lisboa? Sejam bem-vindos. O presidente já aqui deixou tudo... é só entrar", ouvimos em voz aguda do outro lado do pequeno orifício na janela. 

Com cerca de uma hora para o apito inicial, nas imediações do estádio, já se olha para o relógio enquanto se procura no bolso mais um euro para pagar uma mini no café. Afinal, cruzaram-se vizinhos que já não se encontravam há um ano. A tensão aumenta e também a convicção de que nesse dia será um jogo difícil, como nos narram os relatos aqui e além, em vozes mais ou menos desconcertadas pela emoção de um dia de jogo com 'casa cheia'.

Não perdendo tempo, perguntamos o caminho para a tribuna. Não nos espera caviar ou uma grande comitiva, já o sabemos. Um senhor olha-nos no topo da escada. Mostramos a credencial para o jogo... e novo espanto - afinal não somos mesmo caras desconhecidas. "Entrem, entrem... é já por aqui. Instalem-se aí em cima. O presidente já aí vai". 

O relvado é já ali a poucos metros de onde nos encontramos. Com o orvalho que se fez sentir de noite, parece húmido, pronto para ver correr a bola de um lado ao outro. Nas bancadas já se fumam cigarros na ansiedade de se ouvir o apito inicial e, ao nosso lado, segundos depois de termos pousado as coisas e de fazermos os primeiros registos fotográficos, eis que, despido de fato e gravata, nos surge o homem que já nos tinha sido gabado. "Isto tudo deve-se ao presidente", ouvimos quando interrogamos um colega de profissão que acompanha a equipa da cidade há mais de quatro décadas.

"Bem-vindos. Já falamos um bocadinho, depois do jogo, mas vou pedir-vos que se cheguem só um pouco para lá. Acho que vêm aí mais umas pessoas dos corpos sociais... não sei se vêm, na verdade", pediu-nos com gentileza o homem que pôs o Caldas no mapa do futebol em Portugal. Cumprimos. "Sim, presidente, vamos chegar-nos para aqui". 

No relvado, lá em baixo, a poucos metros de distância, já aquece a equipa de arbitragem. Aqui e ali colhem um olhar de soslaio. Os heróis entram minutos mais tarde. Como é natural, apupos para os forasteiros e aplausos para os da casa. 

Já com as bancadas bem compostas, o presidente senta-se no seu lugar. Distribui cumprimentos pelas caras conhecidas, mas agora é hora de jogo e na perna que sobe e desce sem parar, já se sente a emoção de jogo grande.

Um presidente 'empurrado' que já foi do banco... ao bar

Notícias ao MinutoO bar do Caldas, onde o clube da terra é o centro da conversa© D.R Notícias ao Minuto

"Eu gosto muito do Caldas, mas nunca quis ser presidente. Houve necessidade de alguém assumir o cargo e eu acabei por aceitar". Foi desta forma que Jorge Reis, presidente do Caldas se apresentou. Antes, quando a câmara ainda testava ângulos e foco, ajeitou o emblema do cachecol que envergava ao peito. "Tem de se ver o símbolo", disse em tom de voz convicto.

Sem pretensiosismos, apenas com o amor ao clube, este homem, garantiu-nos, tinha por hábito seguir uma 'regra' de presidente de grande: assistir ao jogos no banco de suplentes. "Estava lá, mas não dizia nada. Quem manda é o treinador", asseverou.

No intervalo, quando descemos para tomar algo que nos aquecesse e reconfortasse, espanto nosso quando vemos, atrás do balcão, Jorge Reis... empregado. Falando com todos, tratando a maioria pelo nome, o presidente distribuía cerveja e sumos... sandes, por vezes. 

Naquela altura, com as meias da Taça ainda num horizonte longínquo, o que preocupava era o resultado do dia. O Caldas, ao intervalo, perdia por 0-1 e tinha menos um jogador. Porém, no café a convicção era máxima e - impossível de o saber naquele momento -, a vitória ainda acabaria por chegar.

Mas já lá vamos. Presidente há 11 anos, Jorge Reis tem vindo a fazer uma gestão criteriosa. A aposta na formação é pedra de toque no clube do Oeste, até porque "o orçamento que o Caldas tinha há oito anos é o mesmo que tem agora".

Mas nem só com o presidente se escreve esta história. Thomas Militão, assistente operacional, e Rui Almeida, professor e formador técnico do Caldas, capitães de equipa, são dois dos nomes acarinhados pelos caldenses e vamos também dá-los a conhecer.

Capitães: O que o relvado uniu jamais o homem poderá separar

Notícias ao MinutoUma entrevista onde a boa disposição dos capitães foi notória © D.R Notícias ao Minuto

Ser jogador do Campeonato Nacional de Seniores tem muito que se lhe diga. A maioria mantém um segundo 'trabalho'. Não há salários chorudos ou cláusulas de rescisão astronómicas... mas há sonhos conjuntos, suor e reconhecimento. E também grandes amizades.

No final da partida - já lá vamos ao resultado - pedimos para falar com o capitão de equipa. "Só um? Vamos chamar os dois", disse-nos a voz que interpelámos. Thomas Militão e Rui Almeida, como velhos irmãos unidos pelas batalhas da vida, surgiram descontraídos. Depois das perguntas iniciais ambos se 'partiram' em elogios. 

"Eu não vou puxar o saco, mas o meu ídolo está ao meu lado... e é verdade", afirmou Militão. Companheiros de várias guerras têm, por isso, opiniões muito próprias sobre as dificuldades sentidas neste escalão.

"O nosso plantel é 100% amador. Treinamos ao final do dia e todos temos um trabalho fora dos relvados.... mas somos profissionais como lidamos com os treinos e os jogos, principalmente pelo carinho que temos por esta instituição centenária", começou por dizer Rui Almeida, sendo depois Militão a responder sobre o porquê de vermos os estádios tantas vezes despidos de gente nas bancadas.

"As pessoas têm o seu clube, o FC Porto, o Benfica ou Sporting, e não querem saber do emblema da terra. Mas atenção, há aqui adeptos que em primeiro lugar colocam o Caldas e depois tudo o resto e é assim que deveria ser sempre", referiu, deixando uma certeza também: "Estou aqui há 16 anos e é o meu clube do coração". 

Caldas: Do divórcio à terapia de casal

Notícias ao MinutoUm clube que já passou por muitos altos e baixos ao longo dos seus 102 anos© D.R Notícias ao Minuto

"O Caldas tem sentido dificuldade em chamar as pessoas ao estádio. O clube esteve muitos anos divorciado da cidade, por questões relacionadas com questões antigas de gestão que afastaram os caldenses e sempre foi o nosso objetivo tentar trazer mais pessoas ao campo".

Num dia de casa cheia - os bilhetes para o jogo valiam entrada para esta partida - era difícil imaginar as bancadas mais despidas. Do lado contrário ao que nos encontrávamos, em tom rouco mas forte, fazendo lembrar as músicas cantadas pelos soldados quando vão para combate, a claque - das poucas do CNS - entoava cânticos de apoio.

"Antes de começarmos oficialmente já tínhamos um grupinho que vinha ver os jogos do Caldas na época passada. Era o típico domingo de bola - regado por umas cervejas. Porém, este ano decidimos também ir aos jogos fora e até tínhamos a ideia de assistir a todos os duelos fora de portas, isto sem nunca pensarmos em criar uma claque. Entretanto, o Caldas foi a Fátima jogar e a equipa estava num mau momento – sem qualquer vitória no campeonato – e foi aí que decidimos juntar 11 pessoas e rumar a Fátima para apoiar o Caldas", contou-nos o líder da recém formada união de adeptos, João Martinho, que tem como mascote um Panda - que ainda não foi lavado.

Paixões clubistas à parte, todos parecem ter reencontrado o caminho para o amor, não daqueles que aparece fácil e nos apanha desprevenidos, mas daqueles que nos tomam de assalto e nos fazem trabalhar.

"Este amor pelo Caldas foi crescendo e crescendo dentro de nós, mas o que posso dizer é que no início da temporada todos tínhamos um clube para lá do Caldas e, neste momento, isso não acontece… é tudo Caldas! Agora, quando chegamos a casa, já nem queremos ver I Liga ou algo do género", narrava Martinho, em tom oficial, fechado o cronómetro do tempo e com sorrisos na cara após uma vitória arrancada a ferros.

Desvantagem no marcador: Quando o aplauso é o melhor remédio

Notícias ao MinutoUma enchente Caldense no famoso Estádio da Mata© D.R Notícias ao Minuto

Com mais de 1.000 pessoas nas bancadas, a partida foi complicada para os da casa. Com um ambiente fantástico ao redor do estádio, quem, como nós, tem por hábito assistir aos jogos das principais ligas europeias, precisa de muito para ser surpreendido. Porém, quando aos 24 minutos de jogo vimos o Caldas ficar em desvantagem, por certo, até por tudo o que nos tinha sido narrado, não contávamos que o aplauso fosse a regra.

Sorrir na adversidade, dizem milhares de livros, é o melhor remédio para seguir em frente, mas demonstrá-lo e pô-lo em prática é, como provam os manuais, mais complicado. Se o 12.º jogador ajudou, essa ajuda só se materializou no segundo tempo.

Num jogo que nos despertou interesse pela qualidade posta em campo pelos dois conjuntos, a partida e os corações só descansaram já bem perto do apito final. Com menos um em campo durante cerca de 60 minutos, João Rodrigues, que entretanto já acertou vínculo com o Leixões para a próxima temporada, fez o resultado final.

No final do encontro, entre convites para cervejas e vontade de jantar, tivemos de 'escapar' à alegria de uma vitória dura, mas agora o que importa é o que aí vem, até porque "O Jamor é já ali, o Jamor é já ali".

*Pode ler a segunda parte desta reportagem aqui.

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