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"Há muita gente na Justiça que estaria melhor a vender limões"

Paulo Pereira Cristóvão, ex-dirigente do Sporting durante o mandato de Godinho Lopes, comenta, em declarações ao Notícias ao Minuto, alguns dos casos em que esteve envolvido, deixando um testemunho 'feroz' sobre o atual estado da justiça portuguesa.

"Há muita gente na Justiça que estaria melhor a vender limões"
Notícias ao Minuto

16/02/18 por Sérgio Abrantes

Desporto Pereira Cristóvão

Paulo Pereira Cristóvão é o entrevistado desta sexta-feira do Vozes ao Minuto. Num registo mais pessoal, o antigo dirigente do Sporting, na terceira parte da entrevista que concedeu, aborda alguns dos processos em que esteve envolvido.

Conhecendo de forma bastante próxima o interior da justiça, até pelo seu passado na polícia de investigação, o antigo dirigente leonino não poupa nas críticas ao Ministério Público e autoridades. 

Como se define Paulo Pereira Cristóvão?

Sou uma pessoa leal aos seus amigos. Cometi erros na minha vida como toda a gente. Sou hoje uma pessoa muito mais humilde no entendimento das coisas que andam à minha volta. Já era pai, mas tive uma filha depois dos quarenta, há quatro anos. Isso faz de nós pessoas melhores, como pais, como homens. Faz de nós uns bananas, como costumo dizer. Mas é um banana que gostamos de ser. Isso fez com que hoje tenha uma visão do mundo, até de coisas que passei, que aconteceram comigo, bastante mais serena.

Hoje em dia não consigo odiar. Porque o ódio é uma coisa que me vai consumir a mim e não a quem eu odeio. Podem perguntar-me: 'você odeia o Bruno de Carvalho? - Não, não odeio. Eu não quero que nada de mal aconteça a Bruno de Carvalho e à sua família'. O que eu quero é que a justiça dos homens ou da vida se aplique a nós todos. Seja quem for. Hoje sou uma pessoa que entende de maneira diferente. Se faria as mesmas coisas, se tomaria as mesmas decisões? Com o que sei hoje... É como apostar no Totobola à segunda-feira. Se calhar hoje não tinha tomado algumas decisões, mas tenho de viver com o que fiz. Tento ser a melhor pessoa possível. Tento ser alguém que faz a diferença. Dou-lhe um exemplo. Tenho uma atividade que hoje [segunda-feira, data da entrevista] cumpre a sua 181.ª reunião, sendo que tentamos fazer a diferença na vida de 40 pessoas. Não é muito, mas são quarenta pessoas que todas as segunda-feiras se sentam à mesa para partilhar uma refeição servida por nós. Fazemos uma coisa diferente. Não faço isto como compensação de nada. Tento ser o mais justo possível, o mais amigo dos meus amigos. Tenho poucos amigos, mas os que tenho são meus amigos do peito. São meus irmãos. Tento ser o melhor pai possível e uma pessoa o mais cumpridora possível. Se falhamos às vezes? Falhamos. É a vida.

O caso Joana deve envergonhar-nos profundamente a todos. Como pessoa, como pai, é uma coisa que me envergonhaUm dos casos que mais o marcou foi o Caso Joana. Já é passado ou ainda pensa no que se passou?

Não é passado. Todos os dias penso nela. Há coisas que quando acordamos ou adormecemos nos aparecem. Sejam os filhos, seja a nossa família, mas há coisas que ficam cá sempre no nosso subconsciente. A Joana é um tema que ainda hoje me toca. Foi uma coisa que foi vivida por dentro, foi uma pequenita que, lá está, enquanto andávamos preocupados com o futebol e coisas pequeninas... [silêncio].

Aquilo pelo qual nos perdemos e vendemos, nos sacrificamos, são coisas minúsculas comparadas com dramas que acontecem em pequenas localidades. Aquela pequenita entrou num mundo de filhos da puta, que é o que somos como sociedade. Aquilo aconteceu à frente de muita gente, de quem estava ali à volta. E a Joana Cipriano Guerreiro, para mim, ainda é um tema que me acompanha. A cara dela... Tenho sempre a cara dela presente em mim. É raro o dia em que ela não me apareça, não que faça algum esforço para isso. Acabo sempre por lhe dizer, a ela, que fiz parte de um grupo de pessoas que deram o melhor de si para que fosse feito o mínimo de justiça. O livro é feito para que as pessoas não se esqueçam e tenham vergonha do que se passou. Este caso deve envergonhar-nos profundamente a todos. Como pessoa, como pai, é uma coisa que me envergonha.

Outro processo em que esteve envolvido relacionou-se com alegados assaltos a casas em Cascais...

Esse merece ser falado, mas se as coisas tivessem sido como foram atiradas cá para fora, não estaríamos aqui a conversar.

O que eu fiz, assumi, e deixei-me à disposição do tribunal por um erro pelo qual tenho de pagar. Facto é que estive 113 dias em Évora, num retiro espiritual com José Sócrates

Mas mantinha, por exemplo, relação com Mustafá?

Já houve um julgamento que foi anulado, vai começar tudo de novo. Mas posso dizer o seguinte. Sendo amigo dos meus amigos, como sou, sendo que era uma pessoa que tomava como amigo, ao ponto de passarmos a passagem de ano com a minha filha recém-nascida... Ele estava em prisão domiciliária, pelo que, julgava eu, serem umas agressões, mas na realidade era por tráfico de droga - se o soubesse a relação tinha ficado por ali - e pede-me para eu solicitar ao Nuno Vieira para lhe fazer uma cobrança de uma quantia que lhe era devida. Ele [Mustafá] ia para a prisão e a família dele não ia ter dinheiro para viver. Eu fiz a ponte com o Nuno Vieira, e ele diz-me que conhecia umas pessoas na PSP que não roubavam ninguém mas que faziam de conta que estavam a fazer buscas policiais e burlavam as pessoas. E eu disse: 'Antes assim'. Porque o tipo que lhe devia dinheiro era um burlão conhecido. Havia aqui uma justiça relativa no meio disto. Ocorre a dita cobrança, dentro deste molde que seria uma busca da polícia - mas não conhecia as pessoas, só depois do julgamento, percebi que eram 18 pessoas em que eu só conhecia duas... - e daqui parte-se para um filme.

Acho que há pessoas no Ministério Público que perderam uma vida como argumentistas. Dizia-se que havia uma organização criminosa, que eu tinha fundado em 2012, que só tinha tido atividade em 2014, que se dedicava a isto. Quando vamos espremer isto tudo, de toda a matéria do processo, o meu nome só tem que ver com 4% da acusação. No entanto, só se fala do meu nome. Os senhores da Procuradoria Distrital de Lisboa só falavam do meu nome. O que eu fiz, assumi, e deixei-me à disposição do tribunal por um erro que fiz e pelo qual tenho de pagar. Facto é que estive 113 dias em Évora, num retiro espiritual com José Sócrates.

Há muita gente na Justiça portuguesa que estaria melhor a vender limões ou na agricultura. Usam e abusam dos meios que têm à sua disposiçãoMas sente-se perseguido pela Justiça portuguesa?

Não, não me sinto perseguido. Entendo é que há muita gente na Justiça portuguesa que estaria melhor a vender limões ou na agricultura. Usam e abusam dos meios que têm à sua disposição e houve coisas que aconteceram neste processo que preferi falar à porta fechada em julgamento. E irei falar novamente à porta fechada quando for a tribunal, porque são coisas que envergonham a própria Polícia Judiciária. Houve comportamentos nesse âmbito que não se podem admitir, desde falsificação de documentos por parte da Polícia... Quando se falsifica um documento para levar a um juiz, acho que diz tudo.

Diziam que existia o perigo de fugir para um local recôndito no norte de Portugal. Por isto fui para a prisão. Isto não se faz. Ninguém sabe quem eu sou? Perigo de fugir? Isto foi escrito pela polícia para justificar a minha detenção e prisão. Por isto fui passar uma temporada a Évora. Não sou perseguido nem deixo de ser perseguido. Mas há pessoas que não mereciam estar no Ministério Público nem na Polícia Judiciária. Há pessoas com demasiado poder para a sua estrutura mental e ética e depois usam isso para fazer vinganças pessoais que afetam a vida das pessoas de forma brutal. Eu soube deste processo seis meses antes. Cumprimentava os senhores que andavam à minha porta a fingir que eram técnicos dos telefones. Não fugi para nenhum lado. Mas tudo bem...

A relação com os colegas também nunca foi fácil...

Tenho lá pessoas conhecidas, mas não peço favores a ninguém. Até para as proteger.

As pessoas metidas na sua existência triste encontram na desgraça alheia, de preferência de alguém conhecido do público, algum confortoMas acha que há coisas que deviam mudar?

As polícias, o Ministério Público, seja no segredo de justiça, seja nas detenções, seja nas buscas, têm de obedecer a princípios. Não estamos nem no Sri Lanka, nem no Botswana. Têm de obedecer a princípios de legalidade, de proporcionalidade e ponto final. Não são justiceiros de coisa nenhuma. Têm de cumprir o código do processo penal, adequando os meios aos casos e a pessoas em concreto. Há gente que leva isto para uma visão mais cinematográfica da coisa. Em Portugal tem de se ter um juízo de pelourinho, um juízo prévio que convém passar para as pessoas, de forma a que quando somos apresentados ao juiz a pressão sobre ele, no que diz respeito a medidas de coação, é muito maior.

Não me esqueço de uma coisa. No caso Cardinal foram feitas buscas e depois mandaram-me um postal para casa para ser presente a tribunal como arguido não detido. Quando fui a tribunal estavam lá 50 colegas seus [jornalistas]. Nesse dia tinha uma pedra nos rins, o Rogério [Alves], o meu advogado, diz-me para se não quisesse não ir à sessão. Eu fui na mesma, para não me dizerem que estava a fugir do interrogatório. A meio do julgamento fui a uma farmácia encher-me de analgésicos. No fim, quando saio de lá com o meu advogado, pareceu-me ver na cara dos seus colegas [jornalistas] quase um desgosto por não ter sido detido e ter saído pelo meu próprio pé. Como se ir a um interrogatório me fizesse culpado. A minha medida de coação foi eu deixar de ser vice-presidente do Sporting e eu já me tinha demitido.

Vivemos num país em que o sangue e a desgraça vende muito. Quem tem mais desgraça e sangue vende mais. As pessoas metidas na sua existência triste encontram na desgraça alheia, de preferência de alguém conhecido do público, algum conforto e justificação para a sua própria desgraça. Aqui, quando se atinge um patamar mais elevado, há pessoas que não querem lá chegar, querem é trazer essa pessoa cá para baixo. Não existe a cultura de estarmos bem com o que temos ou de o nosso próximo estar bem. Este é o nosso país e temos de viver nele.

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