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"Não há um polvo. Acho é que há muitas lulas"

Paulo Pereira Cristóvão, à margem de uma entrevista sobre o momento que vive o Sporting, comenta também a atualidade desportiva em Portugal, falando desde os processos judiciais à atuação do VAR.

"Não há um polvo. Acho é que há muitas lulas"
Notícias ao Minuto

16/02/18 por Sérgio Abrantes

Desporto Pereira Cristóvão

Paulo Pereira Cristóvão é o entrevistado desta sexta-feira do Vozes ao Minuto. O antigo vice-presidente do Sporting, depois de uma primeira parte de conversa em que aborda a atualidade do Sporting, considerando que se tem assistido a uma "benfiquização" do clube, comenta também o panorama desportivo português.

Dos casos judiciais às questões de arbitragem, o antigo dirigente do emblema leonino deixa a sua opinião sobre temas centrais, lembrando que a realidade portuguesa, e a maneira de ver o futebol, é diferente da realidade de países como, por exemplo, Inglaterra.

Temos assistido a várias fugas de informação relativamente a processos judiciais, muitos deles até ligados ao âmbito desportivo. Como tem assistido a todas estas situações?

Acho tudo isto uma miséria. O jornalista faz o papel dele. Chega-lhe a informação, está protegido, invoca o segredo profissional e estamos conversados. Porém, há muitos jornalistas cuja única coisa que os mantém em funções é o facto de terem boas fontes na Justiça. Mas vamos tirar os jornalistas da equação. Sobram os órgãos de polícia criminal e o Ministério Público. Se me perguntarem se é uma vergonha, direi que sim. Vermos jornalistas a filmar quando a polícia está a chegar à casa dos arguidos... É feio, mas compreendo isto quando vemos o Ministério Público a pedir para se investigar a ele próprio. O que é que isto dá? Nada, claro.

Sou apologista de que se acabe com o segredo de justiça. Quem é que se socorre da violação de segredo de justiça? Os processos coxos. Estes processos visam fazer com que as pessoas tenham um julgamento prévio, e eu já fui vítima disso. Temos um julgamento prévio no pelourinho que depois serve para pedir uma medida de coação mais gravosa do que em outras condições seria aplicada.

Dou-lhe um exemplo. Quando surgiu o caso Cardinal foi-me imputada uma quantidade grande de crimes. Fui absolvido de tudo o que foram os crimes mais graves. Acha que alguém disse alguma coisa? Não! Mas na altura fizeram capa de jornal a dizer que tinha uma rede de espionagem e uma quantidade de pessoas 'agarradas' dentro do Sporting. Questionava-me sobre de onde vinha aquilo. Já que a luta é desigual, então que se acabe com o segredo de justiça.

Se me disser que está tudo podre à volta dos relvados, se calhar está... . Dentro do campo, do treinador para a frente, acho que o futebol está cada vez mais espetacularUm dos períodos mais áureos do futebol português é simultaneamente um dos seus mais negros, com várias revelações, sobretudo, sobre casos ligados ao Benfica. A temporada de futebol está manchada?

Não. Há dois futebois. Há o futebol no campo, onde somos campeões de futebol e de futsal. Temos os três melhores jogadores do mundo em três modalidades. Neste momento devemos ser a mais importante seleção do mundo. Depois, temos o futebolzinho, das pessoas que vivem encostadas ao futebol, dos que vivem à conta disto. Esses, felizmente, não vão lá para dentro dar pontapés na bola. Se me disser que está tudo podre à volta dos relvados, se calhar está... Já vivi naquele mundo e sei que dentro de campo o treinador é que é o Deus dos jogadores.

O que aconteceu em Chaves é elucidativo disso. O Bruno de Carvalho devia ter dado conta disso aos sportinguistas. Devia ter revelado quem foi o jogador que o agarrou em peso e o pôs fora do balneário quando outro lhe queria acertar o passo. Bruno de Carvalho foi para o balneário ao pontapé às portas... Ele que conte o que se passou ali, naquele que era o momento do treinador. Dentro do campo, do treinador para a frente, acho que o futebol está cada vez mais espetacular.

Porém, o futebol é também dos poucos setores em que temos um presidente de um clube suspeito de crimes, outro que esteve em vários processos, outro sob suspeita e tudo continua igual... Como é possível o futebol seguir assim?

Em qualquer empresa cotada em bolsa se há um espirro na administração a CMVM vem logo congelar a transação de ações. O futebol é um bocadinho um mundo à parte.

A função de um diretor de comunicação é articular as políticas de comunicação, não é armar-se em prima dona de informação e dizer umas bacoradas cá para fora para ser aplaudidoMas acha que devia haver mais intervenção do Estado neste domínio? São a Liga e a Federação que estão a falhar?

O problema aqui é deixamos existir esta promiscuidade entre política e futebol. Os presidentes vão jantar à Assembleia da República com os deputados, porquê? E os deputados vão aos estádios, os ministros vão aos estádios... Quando é preciso ser duro já não se consegue. Falta o distanciamento necessário para aplicar a medida dura. Esta promiscuidade é inimiga de que procedimentos mais graves venham a acontecer. Neste momento, assistimos a uma desesperada luta fora do campo porque para o ano só um tem entrada na Champions, o segundo classificado vai à pré-eliminatória e o terceiro não vai. A investir-se o que se investe, torna a luta fraticida.

Depois, usamos os diretores de comunicação para fazer guerra, para dizerem as coisas que os presidentes não podem. As pessoas esquecem-se de que os diretores de comunicação não representam a instituição para nada. Não foram eleitos por ninguém, não estão mandatados pelos sócios. A função de um diretor de comunicação é articular as políticas de comunicação, não é armar-se em prima dona de informação e dizer umas bacoradas cá para fora para ser aplaudido. Quando vejo Nuno Saraiva a falar, que é quem me interessa a mim, pergunto-me sobre que autoridade ele estará a falar. Se falarem no site do Sporting, no Jornal do Sporting... mas falar no Facebook não vincula ninguém, só a ele próprio.

Quando chegamos a este lamaçal em que qualquer funcionário fala em nome do clube, o representa e toma posições públicas... acho estranho. Nuno Saraiva a dada altura leva um processo disciplinar por coisas escritas no Facebook. Sabe qual foi a defesa? 'No meu Facebook não sou só eu que escrevo, há mais duas pessoas que escrevem e não sei qual deles escreveu'. Isto é cobardia. Foi-se refugiar em duas pessoas amigas de Bruno de Carvalho para se desculpar. Como não havia ninguém para identificar safou-se de um processo.

O VAR também veio dar a ganhar muito dinheiro aos árbitros. Ganham em campo, fora do campo. Já não ganham tão pouco quanto isso Como tem visto a atuação do VAR?

Tem tudo para ser bom para o futebol, mas isto é Portugal. Aqui há sempre algo que corre mal. Com todos os defeitos que possa ter, o VAR terá sempre de ser manuseado por pessoas, as mesmas que antes eram questionadas. A diferença é que agora fazem asneiras sentadas na Cidade do Futebol. Globalmente é positivo e fazia falta. Neste momento, há uma forma de avaliar diversas situações de golo que antes eram decididas sem estes meios. O VAR já foi bastante útil, mas penso que cada vez será melhor. Mas não se esqueça de que o VAR também veio dar a ganhar muito dinheiro aos árbitros. Ganham em campo, fora do campo. Já não ganham tão pouco quanto isso.

Temos visto também muita crispação no mundo da arbitragem...

Não vamos aplicar no Sul da Europa a cultura do Norte. Em Inglaterra, por exemplo, penalizam-se treinadores só por falar em decisões de arbitragem. Cá, somos mais quentes. Mas há outra questão. Há um ditado anglo-saxónico que diz: 'comes with the territory'. Há coisas que estão relacionadas com o cargo que se ocupa. Não se podem fugir delas. Se eu for dirigente é óbvio que tenho de ser questionado pelos rivais, pelos que não gostam de mim, pelos que gostavam de estar no meu lugar... mas faz parte. Com os árbitros é a mesma coisa. Onde houver alguém que decide, haverá sempre quem questione a decisão.

Estamos num país em que se abrem inquéritos, passam-se quinhentas coisas e, no fim, já ninguém se lembra do que aconteceu no início

Mas assistimos a invasões de complexos de treino, a agressões, a perseguições...

Há árbitros que, por exemplo, escrevem no Facebook, gozam com presidentes, questionam clubes, etc., isso são coisas que não podem existir. É óbvio que qualquer tipo de perseguição tem de ser punido duramente. Mas estamos num país em que se abrem inquéritos, passam-se quinhentas coisas e, no fim, já ninguém se lembra do que aconteceu no início. Mas dou um exemplo. Vemos uma agressão dentro de campo e não acontece nada. Em Inglaterra, 48 horas depois, os jogadores estão punidos. Não estão cinco meses para decidir. Quando as coisas são em flagrante têm de se tomar decisões imediatas. Às vezes há um excessivo formalismo quando tudo o que se está a passar é perfeitamente evidente. Em termos de arbitragem, contudo, penso que está melhor, mas também entendo que os árbitros deviam ter um colégio autónomo e não depender nem de Federações, nem de Ligas. Tal como em Espanha. Deviam ter uma instituição que não depende politicamente de ninguém.

Corrupção ao nível de 'toma lá um envelope', acho que não há. Se me perguntar se existem pessoas que por questões pessoais, familiares ou outras, estão mais próximas de determinados clubes... acho que sim

Mas acha que ainda há um sistema a funcionar no seio da arbitragem portuguesa? Há um polvo?

Não há um polvo. Acho que há muitas lulas. Se me perguntar se há corrupção ao nível de 'toma lá um envelope', acho que não há. Se me perguntar se existem pessoas que por questões pessoais, familiares ou outras, estão mais próximas de determinados clubes... acho que sim. Há um árbitro que é representante em Portugal, o único representante, da marca que equipa o Sporting, entre outras equipas.

O que a marca paga aos clubes depende da performance dos clubes... Não estou a dizer que esta pessoa se aproveita de alguma coisa, mas não pode ser árbitro e representar uma marca que equipa clubes. Este tipo de situação não pode acontecer. E tudo isto é do conhecimento público. Para defesa da pessoa, não devia manter-se esta dupla relação. Mas há problemas ainda mais graves. Há juízes, que são manifestamente adeptos de clubes, que decidem coisas relacionadas com esses clubes. Isto também não pode acontecer. Tem de se pedir escusa. Se a figura existe tem de ser usada. Até podem ser decisões isentas, mas levantam sempre dúvidas.

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